A economia global manterá seu ritmo de crescimento um pouco mais lento que o do período pré-pandemia, de 3,2% até 2030, mesmo com o choque tarifário inédito dos Estados Unidos, segundo prevê o Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Há uma grande variedade de riscos rondando o planeta, e o tarifaço de Trump é mais um entre eles. Para o Brasil, pouco afetado até agora pelo fechamento comercial do mercado americano, o risco maior advém de sua fragilidade fiscal, um dos elos tradicionais de transmissão de turbulências financeiras aos indicadores domésticos. Elas poderão ser desencadeadas pelo fim da valorização exuberante das bolsas americanas com a mudança de preços dos ativos relacionados à Inteligência Artificial, ou guinadas abruptas em rendimentos de títulos soberanos e reversão de expectativa sobre rumos da economia dos Estados Unidos.
O FMI mudou muito suas projeções sobre o crescimento mundial, lembrando os erros cometidos pelos economistas brasileiros sobre desempenho do PIB doméstico. Em julho, a previsão do Fundo para a expansão global era de 0,2%, enquanto agora vê um avanço de 3,2%. Para 2026, em vez de 0%, projeta 3,1%.
Há dois mistérios principais após o tarifaço americano: a inflação ainda não subiu de forma significativa nos Estados Unidos, nem o crescimento global encolheu drasticamente, aproximando-se de uma recessão. No primeiro caso, o FMI aponta que os aumentos das tarifas foram menores do que se poderia imaginar pelo anúncio inicial e que os estoques preventivos feitos para conter seus efeitos contribuíram para dilatar a pressão sobre o nível de preços. Uma parcela dos aumentos foi contida por esses estoques, outra pela redução da margem de lucro das empresas americanas, pelo não repasse total pelos exportadores para o país e, por fim, o que deve ser mais sentido agora, pelo reajuste de preços diretamente. O Fundo fala em “repasse retardado” e antevê que a inflação subirá nos próximos meses, como já vem sendo registrado pelo núcleo do índice de preços ao consumidor nos EUA.
Já o crescimento não apontou muito para baixo porque o tarifaço se iniciou com a economia americana, e a dos demais países desenvolvidos, em boa forma, o que deve prosseguir — a projeção é que os países avançados cresçam 1,6% neste ano e no próximo. Além disso, os países emergentes estão avançando ao dobro dessa velocidade, 4% neste ano e 3,8% no próximo, e, como a fatia dos emergentes no PIB mundial se aproxima dos 50%, isso impediu a desaceleração abrupta.
O enfraquecimento do dólar, que não era esperado, contribuiu para a manutenção de condições financeiras favoráveis e evitou pressões tradicionais sobre os preços dos países emergentes com inflação alta (caso do Brasil). Pela primeira vez houve desconfiança sobre a continuidade da moeda americana como defesa segura em ambientes de graves instabilidades.
Os riscos para o cenário principal pendem para o lado negativo. O primeiro deles é a incerteza prolongada sobre as tarifas, junto a um acirramento de medidas protecionistas. Um outro é o de choques na oferta de trabalho, mais provável nos Estados Unidos, onde a oferta de mão de obra imigrante recuou de 1 milhão a 1,4 milhão de trabalhadores no ano por causa das batidas feitas pelos EUA contra a mão de obra estrangeira. O FMI não deixa de apontar a “erosão na governança e independência institucional”, um eufemismo para qualificar os ataques ao Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pelo governo Trump, que detém a maior quota na instituição multilateral e votos decisivos.
Duas ameaças parecem prementes. A primeira é a do fim da hipervalorização das ações de setores envolvidos na IA, que concentram um nível de risco que, pelos cálculos do Fundo, já supera o da bolha das pontocom no início de 2000. Qualquer desmonte nessas apostas pode causar grandes turbulências e reduzir as perspectivas de crescimento nos EUA, o epicentro dos investimentos em IA, com efeitos globais.
A ameaça maior, porém, vem dos déficits fiscais, em alta em todo o mundo, dos EUA aos emergentes. O aumento dos rendimentos dos títulos soberanos de França, Reino Unido e Japão nos últimos dias — em um ambiente de alto endividamento privado e público, baixos spreads entre títulos de alto e baixo risco, ampla liquidez e alavancagem – indica problemas que podem conduzir a estresses financeiros mais adiante. Pouco atingido pelo tarifaço, o Brasil está mais vulnerável a esse tipo de risco. Segundo o FMI, o país vai crescer 2,4% e 2,3% neste e no próximo ano, mas com uma inflação (5,2% e 4%, respectivamente) mais elevada que seus vizinhos da América do Sul, exceto Argentina e Venezuela. O Fundo aponta que o déficit fiscal subiu significativamente no Brasil, ao lado de China, EUA e França, e o endividamento elevado do país reduz o espaço para respostas a eventuais adversidades futuras e ampliando sua fragilidade ante fuga de capitais ou depreciações fortes do real.