Como se limpa uma cidade que virou entulho? A pergunta se traça entre os destroços da Faixa de Gaza, onde, segundo um levantamento de agosto do Instituto de Pesquisa da ONU, o volume de resíduos de construções destruídas é 14 vezes maior do que o acumulado em todos os conflitos armados do mundo desde 2008. São 50 milhões de toneladas de ruínas comprimidas em um território de apenas 365 quilômetros quadrados — um peso que, segundo especialistas, pode levar mais de duas décadas para ser removido.
Nesta semana, Israel impôs novas restrições à entrada de ajuda em Gaza, em retaliação ao Hamas, que, segundo o governo israelense, não cumpriu a cláusula do acordo de cessar-fogo que previa a devolução de todos os corpos de reféns mortos no enclave. A medida foi criticada por organizações internacionais, que apontam para as condições “quase impossíveis” de busca sob os escombros.
De acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o estado de destruição do território transformou a localização dos corpos em um “enorme desafio logístico”. O Hamas, por sua vez, reconheceu as dificuldades e alegou que muitos dos reféns estavam mantidos em túneis subterrâneos que desabaram durante os bombardeios israelenses. Nesta terça-feira (14), o Exército de Israel anunciou que mais quatro corpos foram recuperados com a ajuda do CICV, restando cerca de 20 ainda desaparecidos.
Destroços que não acabam mais
A ONU estima que cerca de 160 mil construções foram danificadas — 70% das edificações de Gaza —, das quais pelo menos um quarto foi totalmente destruído. A densidade populacional e a ausência de maquinário agravam a situação: em muitas áreas, a remoção dos entulhos é feita manualmente por moradores debilitados e voluntários locais. A ONU estima que o peso dos entulhos de construção em Gaza totaliza cerca de 50 milhões de toneladas — aproximadamente 137 quilos de entulho por metro quadrado no enclave.
Além disso, segundo o pesquisador Adi Ben-Nun, da Universidade Hebraica, a limpeza completa exigiria US$ 1,2 bilhão (mais de R$ 6 bilhões) e levaria ao menos 21 anos
“O processo de busca e reconstrução é quase inumano”, afirmou ao GLOBO o especialista forense Sami Jundi, ex-perito do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. “Quando há documentação, os escombros são apenas obstáculos; quando não há, tornam-se parte do desaparecimento. Gaza hoje é uma escavação sem fim.”
Enquanto as escavadeiras improvisadas tentam abrir caminho entre ruínas e memórias, o impasse diplomático se aprofunda. Autoridades israelenses disseram ao New York Times que uma força-tarefa internacional, com mediação dos EUA e do Egito, deve ser criada para apoiar as buscas. Mas, diante da dimensão da destruição, o que se ergue em Gaza, por ora, não são reconstruções — são apenas montanhas de entulho, onde o tempo e a poeira parecem cobrir não só os escombros, mas também as chances de paz.