Com apenas 35% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no caminho certo e o planeta ultrapassando pela primeira vez a marca de 1,5°C prevista no Acordo de Paris, o setor privado se vê diante de um dilema: acelerar medidas concretas ou arriscar consequências duradouras que podem prejudicar seus negócios. Essa é a principal mensagem do relatório global “Turning the Key: Unlocking the Next Era of Sustainability Leadership” (Virando a chave: desbloqueando a próxima era da liderança em sustentabilidade”, na tradução livre), divulgado recentemente pelo Pacto Global da ONU e pela consultoria Accenture.
O levantamento, que ouviu quase 2 mil CEOs em todo o mundo, indica que 99% deles pretendem manter ou ampliar seus compromissos em sustentabilidade, e 97% esperam integrar metas ambientais, sociais e de governança (ESG) às estratégias centrais de suas companhias até 2050.
O discurso é otimista, mas a prática ainda caminha lentamente: apenas metade dos executivos se diz confortável para comunicar publicamente seus avanços e menos de 15% se consideram bem preparados para lidar com desafios como inflação, regulação comercial e mudanças climáticas.
“É bem verdade que a realidade é complexa, desafiadora e ainda há muito a ser feito por todos os agentes comprometidos com o cumprimento da Agenda 2030”, afirma Daniela Grelin, diretora executiva do Pacto Global da ONU – Rede Brasil.
Para a executiva, é natural que exista uma percepção de descompasso entre o discurso e a prática, especialmente quando falamos de sustentabilidade em larga escala. “A transformação que os ODS propõem não é simples nem linear, exige mudanças estruturais nos modelos de negócio, nas cadeias de valor e na cultura corporativa.”
O estudo aponta que a sustentabilidade entrou em uma “era de pragmatismo”, em que os líderes precisam transformar metas ambiciosas em ações concretas e mensuráveis.
Segundo Grelin, há, contudo, um movimento real de amadurecimento. “As empresas estão saindo da fase de projetos pontuais e caminhando para integrar os temas ESG no centro da estratégia. Trocar a frota, comprar energia renovável ou compensar emissões, como você coloca, são, com certeza, pontos de partida para revisões mais profundas de processos, governança e impacto social”, explica.
Os números mostram que o discurso empresarial evoluiu. Desde 2017, os executivos vêm elevando a sustentabilidade ao centro de suas decisões estratégicas. Naquele ano, 72% dos CEOs priorizavam resultados ligados à marca e à reputação, reconhecendo que questões ambientais, sociais e de governança já influenciavam diretamente a percepção pública e o valor da empresa.
Nos últimos anos, a compreensão sobre o valor econômico da sustentabilidade se aprofundou, de acordo com o levantamento. Em 2022, 79% dos CEOs identificavam um business case para pelo menos um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), demonstrando que a integração das metas globais à estratégia corporativa deixou de ser apenas uma iniciativa ética para se tornar relevante para os resultados financeiros. Em 2025, 88% dos CEOs afirmam que o business case para a sustentabilidade é mais forte hoje do que há cinco anos.
O alinhamento entre sustentabilidade e remuneração executiva também vem avançando. Em 2019, 66% dos CEOs apoiavam vincular o pagamento de líderes a métricas independentes de sustentabilidade, ainda como uma intenção emergente. Três anos depois, 34% das empresas já haviam adotado essa prática, tornando a remuneração dependente do cumprimento de metas ESG. A tendência se ampliou em 2025, com 59% dos CEOs utilizando critérios de sustentabilidade para avaliar e recompensar líderes e departamentos, consolidando a integração da sustentabilidade ao sistema de incentivos corporativos.
“Esses resultados mostram que o setor empresarial já compreendeu que sustentabilidade e a Agenda 2030 não são temas periféricos — pelo contrário, são centrais para a perenidade dos negócios”, diz Grelin. “Hoje, falar de sustentabilidade é falar de gestão de riscos, competitividade e reputação. Agir não é apenas uma questão ética, mas também estratégica e financeira.”
O material ainda elenca cinco oportunidades para impulsionar o progresso:
- colaborar na regulamentação;
- aproveitar a demanda do consumidor;
- expandir o acesso à tecnologia;
- aprimorar habilidades para o futuro;
- e liderar com credibilidade e propósito.
Os CEOs já estão se preparando para um futuro mais regulamentado: o estudo aponta que 92% dos CEOs consideram uma forte governança global essencial, e 95% dizem que a conformidade regulatória é prioridade organizacional. Mas, para Grelin, cumprir a legislação é apenas o ponto de partida. “Seguir a legislação e as regulamentações do país é o mínimo que se espera de uma organização.
“Compliance significa conformidade, e se uma empresa não segue a legislação, ela está ilegal. O que vira o jogo realmente é ir além do que a legislação exige — é isso que pedimos nas metas dos movimentos criados pelo Pacto Global da ONU – Rede Brasil”, explica.
Para a executiva do Pacto Global no Brasuil, o que precisa acelerar agora é a convergência entre ações empresariais e políticas públicas, com métricas partilhadas e metas de longo prazo. “Isso demanda liderança comprometida com transformação sistêmica, não apenas reputacional. Também é preciso extrapolar os muros dos prédios e escritórios, envolvendo fornecedores, empresas prestadoras de serviço e afins.
Os resultados da pesquisa reforçam que o setor privado vive uma fase de redefinição de liderança, na qual o compromisso com metas ESG já não é diferencial, mas requisito. A questão central passa a ser como escalar práticas sustentáveis com velocidade e consistência, integrando governança, inovação e impacto mensurável.
“Empresas que mapeiam riscos, compreendem novas legislações e antecipam tendências não apenas evitam perdas reputacionais — elas liberam o caminho para o crescimento sustentável. Quanto mais uma empresa souber sobre seus riscos e oportunidades, melhor preparada estará para o futuro”, resume.
Paralelamente, a influência do consumidor está ganhando terreno, ao lado de governos, colaboradores e até mesmo investidores. Nesse sentido, 98% concordam que o setor privado pode impulsionar o progresso por meio de produtos e serviços sustentáveis, e 96% dos CEOs aconselham seus sucessores a incorporar a sustentabilidade na visão e cultura da empresa.
No entanto, algumas lacunas persistem, especialmente em torno de ferramentas digitais para rastrear e medir o desempenho da sustentabilidade em todas as cadeias de valor, o que pode limitar a capacidade das empresas de responder plenamente à crescente demanda.
Diversidade e inclusão seguem em pauta
Apesar de relatórios internacionais apontarem arrefecimento no debate sobre diversidade e inclusão, a percepção no Pacto Global da ONU – Rede Brasil é diferente. “As empresas continuam tendo a responsabilidade de garantir ambientes inclusivos e livres de discriminação, além do efeito reconhecido de que equipes diversas impulsionam inovação e resiliência”, afirma Grelin.
Segundo ela, o pilar de Direitos Humanos e Trabalho segue crescendo, mobilizando novas adesões e avanços concretos. “As empresas não se desengajaram desses compromissos — ao contrário, seguimos vendo avanços concretos e novas adesões. As movimentações internacionais nem sempre refletem o cenário nacional, onde há um alinhamento cada vez maior entre setor privado, sociedade civil e políticas públicas”, diz. “A pauta de diversidade, equidade e inclusão não é apenas moralmente justa, mas também estratégica: equipes diversas são mais criativas, inovadoras e produtivas. Por isso, a nossa diretriz é clara — não recuar.”