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Quem diria que uma empresa fundada em um restaurante da rede americana Denny’s — onde Jensen Huang havia trabalhado como garçom quando era estudante — se tornaria uma das líderes do mercado de Big Techs. Tudo começou em 1993, quando três jovens engenheiros elétricos, Jensen Huang, Chris Malachowsky e Curtis Priem, decidiram apostar em uma empresa dedicada a fabricar chips voltados para videogames.
O trio criou a companhia acreditando que o PC se tornaria um dispositivo de consumo de games e multimídia. Na época, havia em torno de 20 empresas de processadores gráficos, um número que subiria para 70 três anos depois.
Porém, em 2006, a Nvidia seria a única independente ainda em operação, consolidando-se como criadora da GPU (unidade de processamento gráfico). Essa tecnologia revolucionou a computação e, mais recentemente, tornou-se o motor do avanço da inteligência artificial moderna.
Huang, que se mantém CEO da empresa até hoje, já disse em entrevista que, se soubesse o quão difícil seria construir a Nvidia, talvez nem tivesse começado. Hoje em dia, a companhia controla cerca de 80% do mercado de chips de IA de ponta, indispensáveis para tecnologias avançadas. Entre seus clientes estão as gigantes Microsoft, Alphabet, Meta e a OpenAI.
A trajetória até o topo foi longa. Três décadas depois de nascer em um Denny’s, a Nvidia foi a primeira empresa da história a atingir o valor de mercado de US$ 5 trilhões (R$ 27 trilhões). As ações da companhia subiram 3,4%, para cerca de US$ 207,85 (R$ 1.122,39), na abertura do pregão desta quarta-feira (29).
Huang, que detém cerca de 3% das ações da Nvidia, tem uma fortuna estimada em US$ 174,4 bilhões (R$ 942 bilhões), o que o coloca como o oitavo homem mais rico do mundo. Seu patrimônio cresceu junto com a valorização da companhia: passou de US$ 2,7 bilhões (R$ 14,6 bilhões) em 2017 para US$ 21,1 bilhões (R$ 114 bilhões) em 2023, antes de atingir US$ 77 bilhões (R$ 415,8 bilhões) no ano passado.
Linha do tempo
Em 1994, apenas um ano após a fundação, a Nvidia firmou sua primeira parceria com a SGS-Thomson Microelectronics para fabricar um acelerador de interface gráfica de chip único. A Diamond Multimedia Systems foi escolhida para instalar os chips em placas aceleradoras de multimídia, marcando o primeiro passo da empresa no mercado.
O avanço continuou rápido. Em 1995, a Sega — então líder mundial em jogos de arcade — trouxe o “Virtual Fighter” como o primeiro jogo 3D a rodar com gráficos Nvidia. No ano seguinte, a empresa apresentou seus primeiros drivers Microsoft DirectX com suporte ao Direct3D, uma API fundamental para o desempenho gráfico em três dimensões. Em 1997, o lançamento do processador RIVA 128, o primeiro 3D de 128 bits do mundo, foi um sucesso, já que mais de um milhão de unidades foram vendidas em apenas quatro meses.
A partir de 1998, a Nvidia assinou um contrato de vários anos com a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), que passaria a auxiliar na fabricação de seus produtos. No ano seguinte, em 1999, a companhia apresentou a GPU Quadro, voltada a profissionais de design e engenharia, e anunciou sua Oferta Pública Inicial (IPO) a US$ 12 (R$ 64,12) por ação.
O novo milênio traria mais expansão. Em 2000, a Microsoft escolheu a Nvidia para desenvolver os processadores gráficos do primeiro console Xbox, e a empresa ainda adquiriu os ativos da 3dfx, pioneira em tecnologia gráfica.
No ano seguinte, lançou a plataforma nForce, ingressando no mercado de gráficos integrados, tornando-se a companhia de semicondutores que mais rapidamente atingiu US$ 1 bilhão (R$ 5,36 bilhões) em receita e sendo incluída no índice S&P 500. Em 2002, já havia fabricado 100 milhões de processadores e foi eleita a empresa de maior crescimento dos Estados Unidos.
Em 2003, a Nvidia recebeu o prêmio de “Empresa Empreendedora do Ano” da Stanford Business School Alumni Association. A companhia também comprou a Media Q, líder em tecnologia gráfica e multimídia para redes sem fio. No próximo ano, uniu-se à Blizzard Entertainment para o lançamento do jogo World of Warcraft. O game se tornou, na época, o mais popular do mundo.
Nesse mesmo período também lançou a tecnologia SLI, que permite vincular múltiplas GPUs para aumentar a potência de processamento. A NASA utilizou a tecnologia da empresa para reconstruir o terreno de Marte em realidade virtual, permitindo aos cientistas explorar o planeta vermelho de forma imersiva.
Em 2005, a Nvidia adquiriu a taiwanesa ULi Electronics e desenvolveu o processador gráfico do Sony PlayStation 3, consolidando sua presença no setor de entretenimento. No ano seguinte, atingiu a marca de 500 milhões de processadores fabricados e apresentou o CUDA, projeto que permitiu que cientistas e pesquisadores utilizassem GPUs para cálculos científicos e inteligência artificial. Foi esse passo que, mais tarde, colocaria a Nvidia no centro da IA.
A inovação acelerou. Em 2007, a empresa lançou a GPU Tesla, que tornou acessível o poder computacional antes restrito a supercomputadores. Na mesma época, a Forbes também elegeu a Nvidia como empresa do ano.
Depois disso apresentou o processador móvel Tegra, que consumia 30 vezes menos energia que um notebook comum. A tecnologia GPU GeForce 9400M é adotada pela Apple para seus notebooks MacBook, MacBook Pro e MacBook Air.
Em 2009, a Nvidia realizou o primeiro GPU Technology Conference (GTC), onde mostrou a arquitetura Fermi, e, em 2010, suas GPUs impulsionaram o supercomputador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A da China. No mesmo ano, introduziu a tecnologia Optimus, capaz de equilibrar automaticamente desempenho e economia de bateria em notebooks.
A partir de 2011, a empresa entrou de vez no mercado mobile, lançando o Tegra 2, primeiro processador dual-core do mundo. Além disso, assinou um contrato bilionário de licenciamento cruzado com a Intel, garantindo US$ 1,5 bilhão (R$ 8,04 bilhões) em royalties. Em 2012, chegou ao mercado a série GeForce GTX 600, baseada na arquitetura Kepler, com o desempenho mais rápido do mundo para jogos. No ano seguinte, vieram o Tegra 4 e o 4i, o primeiro processador móvel 4G LTE totalmente integrado da empresa, além do Tegra Note, uma plataforma completa de tablets.
Em 2014, a Nvidia lançou o Tegra K1, um superchip de 192 núcleos, e o tablet SHIELD, voltado ao público gamer. Nesse mesmo ano, apresentou a arquitetura Maxwell, que revolucionou o desempenho e a eficiência das GPUs.
Virada de chave
O passo seguinte seria decisivo, porque em 2015, a empresa mergulhou no universo do deep learning com o lançamento do Tegra X1 e da plataforma Nvidia DRIVE, voltada à indústria automotiva. Também em 2015 a companhia foi avaliada em pouco mais de US$ 10 bilhões (R$ 54 bilhões) e rapidamente se tornou a empresa mais valiosa do planeta, à medida que a demanda por hardware e software de inteligência artificial disparou.
O avanço na inteligência artificial se intensificou com a arquitetura Pascal, apresentada em 2016, que impulsionou supercomputadores como o DGX-1 e o sistema DRIVE PX 2 para veículos autônomos. Em 2017, a Nvidia apresentou o módulo Jetson TX2, levando IA embarcada para robôs e drones. No ano seguinte, a tecnologia Turing permitiu o primeiro ray tracing em tempo real, inovação considerada o “Santo Graal” da computação gráfica.
Em 2019, o foco se expandiu para os criadores de conteúdo com o lançamento do Nvidia Studio, plataforma que otimizou o desempenho para artistas digitais e profissionais de vídeo. No mesmo ano, a empresa anunciou o DRIVE AGX Orin, usado por fabricantes como Toyota e Volvo em projetos de veículos autônomos.
O marco foi em 2020, com a aquisição da Mellanox, líder em interconexões de alta performance, consolidando a Nvidia como a empresa de semicondutores mais valiosa dos Estados Unidos. Nesse ano, a companhia também lançou a arquitetura Ampere, voltada a data centers e inteligência artificial.
Em 2022 veio a arquitetura Hopper, e a sucessora Blackwell, em 2024. Ambas tornaram-se a base de quase todas as infra-estruturas de IA generativa.
Sucesso absoluto
A Nvidia continua sendo a maior empresa do mundo, à frente da Microsoft (US$ 4 trilhões, ou R$ 21,6 trilhões) e da Apple (US$ 3,9 trilhões, ou R$ 21,1 trilhões), que ultrapassou pela primeira vez o patamar de US$ 4 trilhões (R$ 21,45 trilhões) na terça-feira, além da Alphabet, controladora do Google (US$ 3,2 trilhões, ou R$ 17,3 trilhões), da Amazon (US$ 2,4 trilhões, ou R$ 13 trilhões) e da Meta (US$ 1,8 trilhão, ou R$ 9,7 trilhões).
Na última década, a alta das ações da Nvidia é de 44.000%. Esse desempenho é muito superior ao do índice Nasdaq (alta de 420%) e ao do S&P 500 (263%) no mesmo período. Um investimento de US$ 1.000 (R$ 5.400) na Nvidia, quando as ações atingiram a mínima de US$ 0,47 (R$ 2,54) em fevereiro de 2015, hoje valeria US$ 441.000 (R$ 2,38 milhões).
A mais recente disparada das ações da Nvidia ocorreu após o CEO Jensen Huang anunciar que a companhia espera receber US$ 500 bilhões (R$ 2,7 trilhões) em pedidos de chips de IA, além de planos para construir sete supercomputadores para o governo dos Estados Unidos. A Nvidia também anunciou, na terça-feira, um investimento de US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões) na Nokia, criando uma nova parceria com a empresa de redes para desenvolver tecnologias de conectividade 6G de próxima geração.
Quem é Jensen Huang?
Nascido em Taiwan, Huang se mudou para a Tailândia quando criança, mas foi para os Estados Unidos com o irmão, aos nove anos, devido à instabilidade civil no seu país de origem.
Pouco tempo depois de chegar aos EUA, Huang foi enviado pelos tios para um internato para “jovens problemáticos” na zona rural de Kentucky. Seus tios confundiram o internato com uma escola preparatória de elite.
No internato, Huang foi designado para limpar o banheiro masculino todos os dias depois da aula, enquanto seu irmão trabalhava na fazenda de tabaco.
No ensino médio, Huang foi campeão nacional júnior de tênis de mesa, fez faculdade na OSU (Universidade do Estado do Oregon) e concluiu um mestrado em engenharia elétrica em Stanford. “Sempre gostei de computadores desde jovem, mas a OSU me abriu os olhos para a magia deles”, disse ele em um perfil no site da universidade. “Foi lá que eu realmente me apaixonei pela tecnologia.”
Antes de empreender, Huang havia trabalhado nas empresas de chips LSI Logic e Advanced Micro Devices.