Apesar de nunca ter sido fã do conceito de Batman ter um sidekick criança com uniforme espalhafatoso, preferindo o Homem Morcego como um perturbado herói solitário e soturno que usa as sombras para aterrorizar os vilões, quando soube que Mark Waid iria se juntar mais uma vez a Chris Samnee para lançar uma maxissérie em 12 edições sobre o Ano Uno da Dupla Dinâmica, minha curiosidade foi imediatamente atiçada. Gosto muito tanto do roteirista quanto do desenhista e eles já mostraram muito entrosamento em projetos conjuntos. Além disso tendo a apreciar esforços de revisitar começos de carreira de super-heróis em publicação contínua há várias décadas, algo que se intensificou com o icônico arco Batman: Ano Um, de Frank Miller e David Mazzucchelli.
E minha experiência com a leitura de Batman & Robin: Ano Um, publicado religiosamente, mês a mês, com apenas um mês pulado exatamente quando a história chegou à sua metade, foi uma das mais prazerosas que tive em tempos recentes em obras das duas grandes editoras de quadrinhos dos EUA. Waid acerta no tom da história, equilibrando abordagem sombria e iluminada para refletir as personalidades dos dois heróis, com Samnee materializando o mesmo com sua costumeiramente bela arte de traços fortes e fluidos. Para alguém que, como eu, tem dificuldade em aceitar que o Batman adotaria um garoto trapezista de 10 anos depois do assassinato de seus pais e o colocaria para lutar contra o crime ao seu lado usando um uniforme vermelho, verde e amarelo que deixa braços e pernas de fora, batizando-o com o nome de um passarinho, admito que essa maxissérie foi a que mais facilmente me convenceu de que sim, isso seria possível, tamanha é a harmonia entre eles e entre os dois e o atônito, mas sempre sábio e fiel Alfred Pennyworth.
Para fazer isso, Waid cria um novo vilão, o General Grimaldi, que chega em Gotham City para semear o caos perante as cinco famílias mafiosas que controlam o crime na cidade por meio do uso de Matt Hagen, o Cara-de-Barro, ainda desconhecido por Batman. O Duas-Caras tenta se aproveitar da presença do general na cidade para aproximar-se dele, permanecendo constantemente presente, mas, por grande parte das edições, apenas em segundo plano, o que muda mais para o final. Essa premissa consideravelmente comum é muito bem manejada pelo roteiro, pois abre espaço para o trabalho investigativo de Batman e Robin, para reviravoltas (mas sem exageros) e também para espelhar a relação pai e filho entre Bruce Wayne e Dick Grayson, já que Grimaldi conversa o tempo todo com seu pai idoso, cadeirante e em uma espécie de catatonia, sempre demonstrando seu desprezo por seu progenitor.

A história progride muito bem, com economia de personagens (nada de usar a galeria de vilões do Batman como na cansativa Batman: Silêncio), pouquíssima pressa e uma boa quantidade de sequências de ação normalmente muito atléticas para deixar as habilidades de Robin muito claras, mesmo que seja estranho aceitar que, por melhor que ele possa ser no trapézio, o garoto já esteja pronto para sair por aí enfrentando assassinos e monstros pouquíssimas semanas depois da morte de seus pais. E o que funciona de verdade é a interação entre Batman e Robin, com a intermediação do experiente Alfred. É aqui que Waid faz sua história realmente funcionar e é aqui que ele convence que um homem amargurado que, de dia, finge ser um playboy e, de noite, se veste de morcego para espancar criminosos nas ruas de Gotham, poderia sim adotar um garoto que teve o mesmo tipo de perda ele. Bruce é um jovem adulto que fez o que fez por impulso, mas, agora, repensa se essa teria sido a melhor decisão e Dick, bem, Dick é uma criança e ele age como tal, mesmo que agir como tal, para ele, signifique fazer demonstrações impossíveis de atletismo no pátio da escola e furtar uma batmoto para sair sozinho para procurar encrenca.
Para tornar tudo mais realista, Waid inteligentemente dificulta a adoção de Dick por Bruce introduzindo uma assistente social que faz visitas constantes à mansão Wayne para ver como o garoto está sendo criado, algo que o roteiro mantém presente na história do começo ao fim, sem abrir mão de mostrar todo o processo “curioso” que permite que um bilionário solteiro adote um menino de 10 anos, algo que nos acostumamos – no caso de Batman e Robin – a aceitar como normal, mas que está longe de ser normal. Também funciona maravilhosamente bem as diversas homenagens tanto em diálogos quanto em visuais que Waid e Samnee fazem à série sessentista do Batman, mas nunca curvando-se ao tipo de humor que vemos por lá. Ano Um é uma história séria, com um bom grau de violência – na medida, nunca exagerada como é o padrão hoje em dia -, mas que coloca Robin como aquele ponto de luz que ilumina a vida de um homem obcecado em lutar contra o crime em sua cidade para dar azo à sua necessidade de vingar a morte de seus pais.
Claro que o texto de Waid exige uma arte como a de Samnee, que entrega um trabalho da mais alta qualidade seguindo seu estilo marcante na criação de um universo visualmente coeso que, muito mais do que em diversas outras obras, mostra o porquê de Robin ser tão importante na vida de Batman. A maxissérie torna-se um prazer duplo, a perfeita combinação de texto com imagem, com as cores do brasileiro Matheus Lopes, que vem se envolvendo em projetos do mais alto gabarito como Supergirl: Mulher do Amanhã e Helen de Wyndhorn, criando o contraste necessário entre as sombras e a luz. Não sei se existe um projeto para continuar essas aventuras em um Ano Dois, mas o que tenho certeza é que, se a equipe criativa se repetir, embarcarei na leitura sem pensar duas vezes.
Batman & Robin: Ano Um (Batman & Robin: Year One – 2024/25)
Roteiro: Mark Waid
Arte: Chris Samnee
Cores: Matheus Lopes
Letras: Clayton Cowles, Chris Samnee
Editoria: Andrew Marino, Rob Levin
Editora: DC Comics
Datas originais de publicação: 16 de outubro, 20 de novembro e 18 de dezembro de 2024; 15 de janeiro, 19 de fevereiro, 19 de março, 21 de maio, 18 de junho, 16 de julho, 20 de agosto, 17 de setembro e 29 de outubro de 2025
Páginas: 320