Crédito, Reuters
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
O julgamento ocorreu no plenário virtual, em que os ministros apenas votam por escrito. A rejeição do recurso torna mais próximo o início do cumprimento da pena, mas ainda não há data para que isso ocorra, pois a defesa ainda pode tentar recorrer novamente.
Relator do processo, Alexandre de Moares foi o primeiro a votar e foi acompanhado integralmente por Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia.
Único a votar pela absolvição de Bolsonaro em setembro, o ministro Luiz Fux solicitou sua transferência para a Segunda Turma e, por isso, não participou desse julgamento.
Esse primeiro recurso apresentado é chamado de embargos de declaração, que serve para esclarecer possíveis erros, omissões e contradições do julgamento.
Moraes, porém, considerou que o recurso não buscou sanar esses problemas, mas contestar o mérito da condenação.
“Não merecem guarida os aclaratórios que, a pretexto de sanar omissões da decisão embargada, reproduzem mero inconformismo com o desfecho do julgamento”, diz o voto.
“O acórdão condenatório demonstrou que Jair Messias Bolsonaro atuou, dolosamente, para estruturar um projeto golpista e de ruptura das instituições democráticas”, diz ainda Moraes.
Moares, Dino, Zanin e Carmén Lúcia também votaram contra os recursos de outros seis condenados no processo: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Apesar de todos os ministros já terem votado, o julgamento virtual acaba em 14 de novembro. Depois disso, será publicado um acórdão com a decisão desse julgamento. Então, a defesa terá cinco dias para apresentar novos embargos de declaração, os chamados embargos dos embargos.
A Corte, porém, pode avaliar que esses novos recursos têm caráter apenas protelatório, ou seja, de tentar adiar o início do cumprimento da pena. Nesse cenário, a Turma pode rejeitar novos recursos e determinar o trânsito em julgado (esgotamento dos recursos) do caso, o que daria início à execução da pena do ex-presidente.
“Quando é cabível embargos de declaração de embargos de declaração? Só se a omissão, contradição ou obscuridade tenha surgido agora [no julgamento que rejeitou o recurso]”, explicou o criminalista Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da USP.
“Se este [novo] acórdão tiver, ele próprio, omissão, contradição ou obscuridade, aí seria cabível embargos de declaração nos embargos de declaração no prazo de cinco dias”, disse ainda.
A defesa ainda deve tentar apresentar outro tipo de recurso, os embargos infringentes, que servem para questionar decisões tomadas sem unanimidade.
No entanto, é provável que o Supremo rejeite esse recurso sem nem analisar seu conteúdo. A jurisprudência atual da Corte estabelece que apenas decisões das Turmas que tenham ao menos dois votos divergentes podem ser contestadas por embargos infringentes. E, no caso de Bolsonaro, o placar ficou em 4 votos a 1 por sua condenação.
Atualmente, o ex-presidente está preso preventivamente em sua casa em Brasília.
Quando houver o trânsito em julgado (esgotamento dos recursos), o ministro Alexandre de Moraes vai decidir se mantém a prisão domiciliar, devido aos problemas de saúde do condenado, ou se determina que Bolsonaro cumpra a pena em um presídio, numa cela especial, deferência reservada a ex-presidentes.
Outra possibilidade é que ele fique preso em uma sala da Superintendência da PF no Distrito Federal, como ocorreu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou 580 dias detido na Superintendência da PF em Curitiba, quando foi condenado na Operação Lava Jato. O petista foi solto em 2019, quando o STF mudou o entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância. Depois, seu processo foi anulado pela Corte.
A principal prisão distrital é o Complexo Penitenciário da Papuda, onde outros políticos famosos já estiveram presos no passado, como o ex-ministro petista José Dirceu e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
O GDF é governado por Ibanês Rocha (MDB), aliado de Bolsonaro. Ao rejeitar a solicitação, Moraes disse que ela não era pertinente ao processo. A expectativa é que o pedido de avaliação médica seja analisado pelo STF apenas após o esgotamento dos recursos, quando for decretado o cumprimento da pena.
“Considerando a ausência de pertinência, desentranhe-se a petição STF nº 158.408/2025 dos autos”, diz a breve decisão do ministro.
O que diz o recurso apresentado por Bolsonaro?

Crédito, Reuters
No recurso rejeitado nesta sexta, a defesa repete argumentos já apresentados ao longo do processo e questiona pontos da decisão que o condenou.
Os advogados argumentavam, por exemplo, que o ex-presidente não poderia ser considerado responsável pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 porque centenas de pessoas que estavam no local no momento da invasão das sedes dos Três Poderes já foram condenadas por “dolo direto”.
Dessa forma, sustentava a defesa, como a Corte entendeu que essas pessoas agiram com clara vontade de cometer crimes, Bolsonaro não poderia ser considerado culpado de suas ações.
Além disso, os advogados diziam que o ex-presidente estava fora do Brasil naquele dia e não deu qualquer ordem para a invasão.
“O acórdão [documento com a decisão da Corte pela condenação], dada a máxima vênia, esforça-se para colocar o Embargante como uma figura onipresente nos fatos narrados sem, contudo, demonstrar ações concretas e as provas correspondentes”, afirmaram os advogados nos embargos de declaração.
Moraes, no entanto, considerou não restar dúvidas da liderança do ex-presidente na tentativa de golpe. Ele destacou em seu voto a atuação dos condenados para dar respaldo e orientação aos acampamentos em frente a ações militares, como o que ficou por semanas em frente ao QG do Exército após a eleição de 2022, de onde partiram os manifestantes no 8 de janeiro.
“Ressalta-se, portanto, que a autoria delitiva de Jair Messias Bolsonaro ficou amplamente demonstrada com relação aos atos antidemocráticos praticados em 8/1/2023, tendo sido exaustivamente fundamentada por esta Suprema Corte, não havendo qualquer omissão e contradição no acórdão condenatório proferido por esta Suprema Corte”, escreveu o ministro.
Em outro trecho, Moraes aponta a atuação de Bolsonaro ao contestar o resultado da eleição e buscar alternativas autoritárias a sua derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Destaca-se, por exemplo, que mesmo após o recorrente ter recebido um aconselhamento jurídico do então Advogado-Geral da União confirmando a inexistência de qualquer fraude eleitoral, o embargante permaneceu atuando na consecução do objetivo golpista e prosseguiu na elaboração da minuta de decreto golpista e na tentativa de cooptação dos Comandantes das Forças Armadas”, diz, em outro trecho.
No recurso rejeitado pela Primeira Turma, a defesa também voltou a argumentar que não há provas de participação do ex-presidente em supostas ações executórias para o golpe de Estado, como o plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e de Alexandre de Moraes, no final de 2022.
Segundo a acusação, esse plano foi impresso no Palácio do Planalto por Mario Fernandes, então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e depois levado por ele ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro estava.
Os advogados, por sua vez, dizem que não há prova de que os dois se reuniram no Alvorada e o então presidente recebeu e validou o plano.
“O registro de entrada no Palácio do Alvorada demonstra apenas e tão somente isso: a ida deste funcionário do governo, dentre tantos, ao Alvorada. O que, contudo, não se confunde e não é prova nem de que o ex-Presidente de fato tenha recebido o codenunciado e, muito menos, do teor de eventual conversa ou reunião”, diz o recurso.
A defesa também voltou a dizer, também, que a condenação deve ser anulada por ter se baseado na colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Para os advogados, a delação foi feita sob pressão e, por isso, é ilegal.
Outro argumento repetido pelos advogados no recurso é que a defesa de Bolsonaro foi cerceada devido à falta de prazo suficiente para analisar o grande volume de material produzido pela acusação.
Além da anulação da condenação, a defesa também pedia que, caso não conseguissem esse resultado, que a Corte reduzisse a pena estabelecida para Bolsonaro, argumentando que a Corte não fundamentou adequadamente o tamanho da punição fixada. Esse pedido também não foi aceito.
O ex-defensor federal Caio Paiva chama atenção para o tamanho do recurso, com 85 páginas.
“Os embargos de declaração buscam apenas sanar obscuridade, dúvida, contradição ou omissão na decisão. A petição da defesa do ex-presidente Bolsonaro é bem fundamentada, mas o seu tamanho revela a fuga da essência dos embargos. Muito incomum uma petição de embargos declaratórios com essa extensão”.
Na sua leitura, questões levantadas como cerceamento de defesa e contradições na delação de Mauro Cid “já foram debatidas à exaustão” no processo.
“Foram, sim, debatidas, embora não conforme a defesa gostaria”, reforçou.
Coordenador do CEI, uma plataforma de cursos jurídicos, ele faz um acompanhamento sistemático de decisões dos ministros do STF e afirma que a Corte tem sido pouco paciente com recursos considerados “protelatórios”.

Crédito, Reuters
A condenação de Bolsonaro
Bolsonaro foi considerado pelo STF como líder de uma organização criminosa, com militares, policiais e aliados, que atuou para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente foi declarado culpado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
O único que não recorreu da condenação foi o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que, por ter feito uma delação premiada no processo, foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto. Sua defesa pediu que sua pena seja considerada extinta, por ele já ter cumprido dois anos e cinco meses em medidas restritivas de liberdade.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a organização criminosa agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista — a chamada “minuta do golpe”.
Gonet citou ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.
A PGR destacou ainda os ataques de 8 de janeiro de 2023 como o ato final da tentativa golpista.
Ao fim do julgamento, o STF considerou haver provas suficientes das acusações da PGR e condenou os réus.