O Judiciário brasileiro é sabidamente um dos mais caros do mundo. De acordo com o Tesouro Nacional, custa 1,3% do PIB, patamar difícil de superar (em geral o custo varia de 0,1% em países como Noruega a 0,4% noutros como Reino Unido). Quase tudo está atrelado à remuneração de profissionais. São conhecidos os artifícios para inflar os salários de juízes, em especial os “penduricalhos” que lhes permitem ganhar mais que o determinado pela Constituição. Só as despesas além do teto constitucional com juízes federais cresceram, no ano passado, mais de dez vezes a inflação.
Foi nesse contexto perdulário que o Judiciário obteve da Câmara autorização para três aumentos de 8% em 2026, 2027 e 2028. O projeto de reajuste foi encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob a justificativa de que não haverá impacto no Orçamento, pois o próprio Judiciário aufere recursos. Outro argumento alegado é que o reajuste não se destina aos magistrados, mas apenas a servidores que acumularam “perda salarial” de 24,21% entre 2019 e 2025.
- Projeto de Lei: Câmara aprova reajuste de 24% para servidores do Judiciário
Ambas as justificativas são frágeis. Para começar, a autonomia administrativa do Judiciário precisa ser exercida dentro dos limites orçamentários. É fato que os tribunais auferem receitas próprias decorrentes da prestação de serviços. Mas elas mal cobrem metade do custo dos tribunais. Tomando por base 2023, pelos dados do Conselho Nacional de Justiça foram arrecadados R$ 68,7 bilhões, o equivalente a 51,7% do custo do Judiciário.
Quanto às perdas salariais atribuídas aos servidores, trata-se de uma falácia facilmente desmontada por dados públicos. De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea, nenhum Poder obteve tanto ganho salarial nos últimos anos quanto o Judiciário. Entre 1992 e 2019, o salário médio na Justiça subiu 133% em termos reais (descontada a inflação), ante aumento de 2,1% no Legislativo e de 69% no Executivo. Em 2021, último ano para o qual há dados no Atlas, o servidor do Judiciário ganhava na média 120% mais que o do Legislativo e quase 260% mais que o do Executivo.
Não se trata, é essencial enfatizar, de distorção causada apenas pela remuneração estratosférica dos juízes. Mesmo os 20% que ganham menos no Judiciário são mais bem remunerados que servidores públicos em faixas salariais elevadas nos âmbitos municipal e estadual, segundo Felix Lopez, pesquisador do Ipea responsável pelo Atlas. A tendência, diz ele, tem sido as remunerações médias daqueles servidores se distanciarem das demais — e isso só piorará com o reajuste aprovado.
Não é coincidência também que o movimento salarial no Judiciário ocorra quando o projeto da reforma administrativa acaba de ser protocolado na Câmara. Os servidores querem garantir a benesse antes. O Congresso deveria evitar a todo custo a corrida de categorias em busca de ganhos salariais neste momento. Já seria intolerável qualquer pressão sobre as contas públicas no estado atual da crise fiscal. No caso do Judiciário, o reajuste é, além de manobra oportunista, uma injustiça.