28.1 C
Brasília
domingo, novembro 9, 2025

Autor de ‘Tremembé’, Ullisses Campbell rebate críticas e diz que série sobre criminosos foi concebida como ‘produto pop’

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Ullisses Campbell é um nome conhecido entre parte considerável da população carcerária brasileira. Autor de livros de sucesso sobre assassinos famosos — entre os quais os títulos “Elize Matsunaga: a mulher que esquartejou o marido”, “Suzane: assassina e manipuladora”, “Francisco de Assis: o maníaco do parque” e “Flordelis: a pastora do diabo” —, o jornalista do blog “True Crime”, do GLOBO, recebe, não raro, o contato de alguns criminosos interessados em ter a própria vida esquadrinhada por ele.

Profissional por trás da série “Tremembé“, disponível no Prime Video, o escritor e roteirista — que lançou, em setembro, o novo livro “Tremembé: a prisão dos famosos”, um retrato detalhado do complexo penitenciário, na cidade homônima de São Paulo, responsável por acolher figuras célebres na crônica policial brasileira — ressalta que trata qualquer criminoso com o mesmíssimo respeito com que encara autoridades ou governantes. Com um adendo, para que não haja mal-entendidos: ele jamais deixa de lado o olhar crítico, como enfatiza.

Está aí, aliás, o principal argumento do jornalista ao rebater as críticas que sugerem que a série de cinco episódios — atualmente a produção brasileira mais assistida do Prime Video — esteja dando uma atenção exagerada a pessoas de comportamento abominável. Por mais que seja um “produto pop”, como o autor avalia, a narrativa se dedica a expor “com ironia e sarcasmo”, nas palavras do jornalista, as distorções e falhas do sistema penal em solo nacional.

Na entrevista a seguir, Ullisses Campbell abre alguns pormenores do longo processo de pesquisa e define a própria obra como um espelho da sociedade brasileira, o que parece ser um problema para muita gente, como ele reconhece, sem se esquivar do tema:

— O brasileiro fica muito à vontade para consumir true crime americano: são assassinos que estão muito longe, do outro lado do mundo. Mas quando a gente vira a lente para nós mesmos, as pessoas reagem de forma negativa — comenta.

De onde vem o interesse crescente das pessoas sobre assassinos?

Acho que há um interesse mórbido e uma atração pela aplicação da justiça. E também tem o fato de esses crimes de repercussão acontecerem muito perto do público. Então, é como se a sociedade estivesse se olhando no espelho.

Há quem questione o fato de criminosos abomináveis ganharem destaque e atenção como celebridades. Como se posiciona diante dessas críticas?

As pessoas se sentem incomodadas por perceberem que a gente está falando de nós mesmos. O incômodo vem da percepção de que os acontecimentos estão em nosso bairro, na nossa cidade, no mesmo país em que moramos… O brasileiro fica muito à vontade para consumir true crime americano: são assassinos que estão muito longe, do outro lado do mundo. Quando a gente retrata crimes que estão aqui dentro, as pessoas passam a ficar incomodadas. Por que não existe no Brasil uma reação muito grande sobre produções estrangeiras acerca de criminosos famosos dos Estados Unidos, como Jeffrey Dahmer, Ed Gein e Ted Bundy? Seriados sobre esses criminosos são altamente consumidos no Brasil, ficam no topo dos mais assistidos em solo nacional, e eu não vejo reações negativas nas redes. Quando a gente vira a lente para nós mesmos, as pessoas reagem de forma negativa.

Pensando nessas questões, você teme que a série transforme Tremembé num “produto pop”?

“Tremembé” já foi concebida para ser um produto pop, e a gente encontrou uma forma diferente de apresentar histórias de true crime. Cada episódio começa mostrando o crime dos principais personagens de uma maneira extremamente violenta e perturbadora. Depois, o enfoque recai para a história dos detentos dentro da penitenciária. A gente mostra isso fazendo uso de sarcasmo, com uma trilha sonora que funciona como elemento de ironia. Tudo isso faz do projeto um produto pop.

Há uma preocupação em não esvaziar o debate sobre política criminal?

A gente joga luz sobre o processo de execução penal ao mostrar o que acontece com aquelas pessoas após elas entrarem na penitenciária. Os presos cumprem pena vivendo, comendo, trabalhando, transando, namorando, recebendo visitas… A série expõe presos como o Alexandre Nardoni, que recebeu uma sentença de 30 anos e saiu da penitenciária depois de cumprir um pouco mais da metade da pena. A cena em que todos saem juntos para encontrar os familiares é um escárnio, porque aquelas pessoas não haviam cumprido nem metade da pena. A gente traz um olhar crítico, e isso está evidenciado. Mas as pessoas preferem repercutir só as polêmicas, como o Cristian Cravinhos de calcinha e a Elize Matsunaga passando receita de lombo de veado com molho de ervas.

O romance entre Cristian Cravinhos e Duda (que na história ganhou o nome de Luka) — e o tal episódio envolvendo o uso de uma calcinha — é realmente um dos detalhes que muito repercutem entre o público. Você, inclusive, publicou uma foto da peça íntima, por meio das redes sociais, depois de Cristian dizer que se tratava de mentira. Cristian já negava esse episódio à época em que você apurava as informações para o livro?

A história do romance homoafetivo entre Cristian e Duda está relatada no livro com muitos detalhes. Na época em que estava fazendo as pesquisas para o livro, Cristian foi um colaborador — ele deu entrevistas e me ajudou com informações. Toda a reconstituição do crime, no livro, é narrada sob o ponto de vista do Cristian. Quando descobri o romance homoafetivo com Duda, ele primeiramente negou. Só que aí o próprio Duda me provou, mostrando as cartas e a calcinha. A mãe dele também me deu entrevista, referendando que ela que levou a calcinha para o presídio e que ela tinha contato com o Cristian. Os funcionários de Tremembé também confirmaram. Depois, Cristian me pediu para não colocar essa história no livro porque ele não queria que a filha dele descobrisse. E aí ele me pediu um prazo. Como o livro iria ser publicado em um ano, falei que ele teria um ano para contar para a filha. O livro saiu, e Cristian ficou calado. Depois que a série estreou, ele resolveu reagir. Mas ele não reagiu comigo. A gente tem contato profissional, óbvio, mas ele não reagiu comigo. Ele resolveu, então, dizer que era mentira publicamente. E aí tive que provar publicamente os fatos.

Seus livros são resultados de uma relação de confiança estabelecida por meio de muitas conversas com as figuras retratadas, incluindo papos sobre banalidades, como você já contou em outras ocasiões. Em sua análise, o que mais motiva esses criminosos a aceitarem a ter suas vidas retratadas em livros que não se esquivam de abordar os aspectos mais cinzentos de suas histórias?

Desde que escrevi o primeiro livro [“Suzane — Assassina e manipuladora”], conquistei um respeito profissional. Então, sou muito procurado por presos, não só de Tremembé, que querem ter as suas histórias contadas. Mesmo quando escrevo algo que eles não ficam satisfeitos, eles me respeitam. E isso tudo vem não só nos livros, mas da coluna “True Crime” que mantenho no GLOBO. É algo que me dá abertura. Na época em que trabalhei na revista “Veja”, uma chefe, a Thaís Oyama [hoje também colunista do GLOBO], me deu uma orientação que levo para a vida depois que tive que fazer uma matéria sobre crime. Ela falou: “Ulisses, sendo um jornalista, tu tem que tratar o criminoso com o mesmo respeito que tu tratas uma autoridade, um governante”. Faço isso. Trato todas essas pessoas como iguais.

Sente que você se tornou hoje um nome conhecido entre a população carcerária?

Não só entre a população carcerária, mas também entre policiais penais, funcionários de penitenciária, advogados… Isso facilita muito o meu trabalho de pesquisa. Hoje não perco mais tempo me apresentando e dizendo que tipo de trabalho estou fazendo, porque eles já sabem.

As histórias que você pesquisa envolvem temas difíceis. O que faz para manter um distanciamento com relação a esses casos?

Faço isso há tanto tempo que não tenho nenhum tipo de envolvimento emocional com essas histórias. Acho que já criei uma casca protetora. Fico muito cansado [ao lidar com esse trabalho], com a mente fritando. Mas abalado? Não. Às vezes, surge um caso que me desestabiliza: por exemplo, em meu novo livro [“Tremembé: o presídio dos famosos”], relato a história de uma mulher que matou a filha de fome dentro de um ritual religioso. Isso me abalou — a forma como a menina foi tendo inanição e como ela foi morrendo aos poucos… É uma crueldade inaceitável. Fico pensativo ao ver até onde a maldade é capaz de ir. Mas no dia seguinte já estou ótimo.

[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img