A falta de compromisso firme do governo com o equilíbrio fiscal tem consequências negativas em toda a economia. A mais imediata é a inflação, resultado da falta de confiança que se dissemina pelo mercado. O Banco Central (BC) é então forçado a subir os juros, com isso impõe um freio ao crescimento econômico e à geração de empregos. Quando os juros ficam altos por muito tempo, os efeitos são perniciosos. Na semana passada, mais uma vez a taxa básica de juros, a Selic, foi mantida em 15% anuais. Descontada a inflação — em torno de 5,2% ao ano —, o juro real se aproxima de 10%, desempenho que tem garantido ao Brasil há um bom tempo lugar no pódio dos juros mais altos do mundo.
A persistência dos juros altos provoca distorções no mercado financeiro. Ao garantir ganho superior a qualquer investimento, os títulos de renda fixa emitidos pelo governo — dívida pública — ou por empresas — dívida privada — se tornam bem mais atraentes para o investidor do que apostar o capital em ações. O resultado desse movimento na direção da renda fixa tem sido o esvaziamento da Bolsa de Valores.
Há quatro anos novas empresas não abrem o capital na Bolsa B3 ou promovem movimentos de lançamento de ações para captar recursos. Ao contrário, tem havido fuga do mercado acionário. Como o preço das ações está baixo diante do potencial de gerar dividendos, muitas empresas têm aproveitado para fechar o capital. Recompram as próprias ações e abandonam a Bolsa. Neste ano, até agora, nove fizeram isso. Nos últimos quatro anos, foram 36. Nem sempre se trata de decisão estratégica. Algumas recompram as ações apenas pela oportunidade financeira.
Pode parecer paradoxal que, com o esvaziamento, o índice da B3, o Ibovespa, venha batendo recordes sucessivos. Mas só na aparência. Como há menos ações em negociação, as empresas têm adotado políticas generosas de distribuição de dividendos, aumentando seu poder de atração. E a migração do capital para a renda fixa torna o preço das ações convidativo. Por isso há tanto investidor estrangeiro aproveitando o momento para comprar ações, e o Ibovespa não para de subir.
O índice preço/lucro (PL) da B3 está em 8,8, segundo a chefe de pesquisa econômica do Santander, Aline Cardoso — isso significa que o investidor levaria pouco menos de nove anos para obter de volta o que aplicou na ação por meio dos dividendos. De acordo com ela, o PL dos últimos dez anos é de 11. Negócios têm sido fechados abaixo da média histórica. Receber mais rápido pode favorecer o investidor, mas é sinal de mercado depreciado. O PL baixo é pior para as empresas, obrigadas a dar desconto para captar. No robusto mercado americano de ações, o PL é de 22.
É indiscutível que o desequilíbrio das contas públicas, responsável pelos juros altos, sufoca por tabela o mercado acionário. Não se trata apenas de uma fonte importante de financiamento de empresas em toda economia que se preze, mas sobretudo da forma mais justa de alocar recursos aos projetos mais relevantes para o futuro. Além disso, as empresas de capital aberto são obrigadas por lei a cumprir normas de transparência e governança que contribuem para melhorar a gestão, com efeitos indiretos no mercado de trabalho, no meio ambiente e na sociedade como um todo. A piora na qualidade do capitalismo brasileiro é mais uma consequência da falta de compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.