A necessidade crescente de obter minerais de terras raras – como níquel, cobalto, cobre e manganês – tem levado governos e empresas de todo o mundo a considerar uma nova fronteira de exploração: o fundo do mar. Até recentemente, a ideia de minerar o leito oceânico parecia mais ficção científica. Isso porque os depósitos minerais estão espalhados a cerca de 4 mil metros de profundidade no oceano Pacífico – uma região pouco estudada por cientistas e cujo equilíbrio ecológico pode ser abalado pela ação humana, com consequências devastadoras e imprevisíveis tanto para os ecossistemas marinhos quanto para os próprios seres humanos.
Em abril deste ano, no entanto, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva declarando que o país têm o direito de emitir licenças para mineração em águas internacionais, sugerindo que os metais do fundo do mar poderiam ser armazenados como ativos estratégicos. Nos meses seguintes, a Lockheed Martin iniciou negociações preliminares para permitir que empresas utilizem suas licenças de exploração no fundo do oceano Pacífico – áreas que a companhia detém desde a década de 1980, mas que nunca chegaram a ser mineradas.
Duas empresas – a canadense The Metals Company e a americana Impossible Metals – afirmam estarem prontas para a tarefa. A missão envolve enviar embarcações ao meio do Pacífico e, a partir delas, operar sondas não tripuladas capazes de recolher nódulos polimetálicos – pepitas do tamanho de batatas ricas em minerais críticos. Os EUA, contudo, não estão sozinhos nessa corrida. Em junho, a China autorizou duas companhias, a Minmetals Corporation e a Beijing Pioneer Hi-Tech Development Corporation, a realizarem testes exploratórios em profundidades superiores a 4 mil metros no mar da China.
Se, em teoria, enviar sondas ao fundo do mar já representa um grande desafio, na prática, o processo envolve riscos ainda maiores – especialmente ambientais – que permanecem pouco compreendidos. Por essa razão, a mineração em águas profundas ainda se encontra, por ora, no campo das promessas. “Chegar ao fundo do mar é muito difícil e muito caro. É preciso tecnologia de ponta”, afirma Luigi Jovane, geofísico e professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).
“São ambientes extremamente profundos, frios, escuros e instáveis”, acrescenta o oceanógrafo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana Brasil, organização sem fins lucrativos dedicada à conservação dos oceanos. Na avaliação de Zamboni, enquanto esses impactos não forem devidamente dimensionados, qualquer avanço nessa frente representa um risco. “Você vai alterar ambientes que nem conhece direito. O fundo do mar não está preparado para um distúrbio dessa natureza. As espécies que vivem ali se adaptaram, ao longo de milhões de anos, a condições de altíssima profundidade e pressão”, explica.
Jovane chama atenção para outros efeitos potenciais da exploração mineral em águas profundas. “Essas rochas são ricas em materiais incomuns na crosta terrestre, e não sabemos exatamente por que eles se acumulam ali. Não se sabe se, ao removê-los, podemos afetar a oxigenação e o equilíbrio térmico das águas. O maior estoque de CO2 do planeta não está na atmosfera, e sim no oceano. Se alterarmos esse equilíbrio, podemos desencadear uma catástrofe global ainda maior que as mudanças climáticas”, alerta.
Outro ponto destacado pelos especialistas é a viabilidade econômica. “Não é simples extrair os minerais críticos dos nódulos polimetálicos”, explica Jovane. “As terras raras são encontradas em quantidades muito pequenas, e sua extração exige processos metalúrgicos complexos. Normalmente, leva de 10 a 15 anos para que um depósito comece a produzir de forma comercial”, afirma. Já Zamboni acredita que outras oportunidades econômicas podem surgir a partir do estudo das águas profundas. “Talvez o investimento na diversidade biológica seja mais rentável do que a mineração”, diz.
Esse avanço tende a ser retardado com a entrada em vigor do Tratado do Alto-Mar, prevista para o início de 2026. O acordo, assinado por 145 países – e até o momento ratificado por 75 -, busca garantir o uso sustentável da biodiversidade marinha nas áreas fora da jurisdição nacional, ao menos até que se disponha de mais estudos sobre os impactos da ação humana no fundo do oceano. O Brasil assinou o tratado em 2023, mas ainda precisa ratificá-lo.
“Isso fez com que as empresas perdessem um pouco do apetite pela mineração em águas profundas”, afirma Zamboni. Jovane, contudo, ressalta que o tratado não impede que os países explorem as áreas dentro de suas próprias jurisdições. “Se um país iniciar a exploração do fundo do mar, outros podem seguir o exemplo. E, se isso acontecer, o maior risco é não termos respostas em tempo hábil sobre os impactos ambientais.”