Crédito, AFP via Getty Images
- Author, Iara Diniz
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
O relator, Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar a favor recebimento da denúncia. O voto dele foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin. Com isso, o placar está 3×0.
Ainda falta votar a ministra Cármen Lúcia. Ela tem até o dia 25 de novembro para se manifestar.
Eduardo Bolsonaro é denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de influenciar o julgamento de seu pai, Jair Bolsonaro (PL), por golpe de Estado.
O julgamento é realizado no plenário virtual do STF, onde os ministros podem registrar o voto eletronicamente, sem necessidade de sessão presencial.
Essa é a fase inicial do processo que envolve Eduardo Bolsonaro. Neste primeiro momento, a Primeira Turma do STF, um dos dois grupos de ministros que dividem entre si parte dos julgamentos da Corte, analisa se recebe ou não a denúncia feita pela PGR.
Com a denúncia aceita, Eduardo se torna réu e dá-se início a um processo criminal, que pode levar à acusação ou absolvição do deputado.
O julgamento ainda não tem data para acontecer. Em caso de condenação, a pena para o crime é de 1 a 4 anos de prisão e multa.
A BBC Brasil não conseguiu contato com Eduardo Bolsonaro.
Em suas redes sociais, o deputado fez um post reagindo à decisão do STF e atacou o ministro Alexandre de Moraes.
Ele criticou o fato de não ter sido notificado pessoalmente por meio de carta rogatória — instrumento previsto na lei para citar pessoas investigadas que vivem no exterior — e disse que estava sendo vítima de perseguição judicial.
“Primeiro, se eu estiver cometendo algum crime aqui nos EUA, Moraes está acusando os Estados Unidos de proteger um criminoso. Segundo, por que ele não usa os canais oficiais para me enviar uma carta rogatória? Porque ele está com medo de levar um sermão, de novo, do DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] que é quem recebe esse tipo de expediente aqui nos EUA”, disse.
“Moraes está usando a política dentro do tribunal para limar a possibilidade de que a direita tenha uma maioria no Senado ano que vem.”
O parlamentar ainda negou ter cometido o crime de coação, pelo qual é acusado, e disse que não tentou influenciar no julgamento de seu pai.
“Ele está dizendo que a [Lei] Magnitsky, as tarifas e outras ações da administração de Trump são porque eu comandei eles para livrar meu pai da cadeia, o que é um absurdo. Eu nunca trabalhei pela absolvição do meu pai. Eu trabalhei pela anistia ser votada por um Congresso livre das ameaças de Alexandre de Moraes.”
“Como o crime de coação exige um meio ilícito, e a Magnitsky não é um um meio ilícito, é um meio legal aqui nos Estados Unidos, e um instrumento que esteja a minha disposição, e eu não assino a Magnitsky, nem tarifa eu assino, quem assina isso é o Trump e o secretariado dele, então notoriamente esses são crimes que não competem a mim, eu jamais poderia estar sendo acusado por isso”, acrescentou.
Já Paulo Figueiredo, acusou Moraes de fazer uma “vingança pessoal” contra Eduardo Bolsonaro e tentar retirá-lo das eleições de 2026.
“Denunciado sem citação, por ato lícito praticado fora da jurisdição da corte. Agora, será o primeiro político julgado in absentia, sem defesa, em nossa história recente”, disse em publicação no X nesta sexta.
O voto de Moraes
Moraes iniciou seu voto afastando a possibilidade de que a análise da denúncia seja anulada por não ter sido usada uma carta rogatória para notificar Eduardo, situação que foi usada pelo parlamentar para criticar o ministro.
Em setembro, Moraes decidiu seguir com o processo criminal contra Eduardo sem notificação pessoal do deputado, que vive nos Estados Unidos desde março, fazendo a comunicação oficial da denúncia por meio de um edital publicado no Diário Oficial.
Como Eduardo não apresentou defesa prévia e nem se manifestou, Moraes intimou a Defensoria Pública da União (DPU) para apresentar a defesa em nome do parlamentar.
A DPU chegou a pedir que o STF notificasse o deputado por meio da carta rogatória, um instrumento de cooperação entre países utilizado em casos assim, para ele pudesse apresentar um advogado particular, mas o ministro negou o pedido.
Em seu voto nesta sexta-feira, Moraes disse que Eduardo se encontra em território estrangeiro, em endereço desconhecido, “para se furtar à aplicação da lei penal”.
O relator citou jurisprudência do STF para que Eduardo fosse citado via edital e que a citação por carta rogatória “somente deverá ocorrer quando o denunciado efetivamente reside no exterior”, o que ele entende não ser o caso.
“O acusado evadiu-se para os Estados Unidos da América, sem qualquer indicação de residência e sem intenção de alteração de domicílio, com a clara intenção de reiterar na prática criminosa e evadir-se de possível responsabilização judicial evitando, dessa maneira, a aplicação da lei penal. Encontra-se, portanto, em local incerto e não sabido.”
A respeito da denúncia em si, o ministro destacou que há relevantes indícios de que Eduardo Bolsonaro tenha agido para criar “um ambiente institucional e social de instabilidade” com objetivo de coagir os ministros do Supremo Tribunal Federal a decidir favoravelmente a seu pai no julgamento por golpe de Estado.
Segundo Moraes, como parte de sua estratégia, Eduardo Bolsonaro anunciou sanções a autoridades brasileiras e ameaçou gravemente os ministros, “inclusive alardeando a possível aplicação das sanções aos demais ministros da Primeira Turma”, responsáveis pelo julgamento que condenou Bolsonaro.
“O elemento subjetivo específico — favorecer interesse próprio ou alheio — evidencia-se, em tese, pelo fato do denunciado pretender criar ambiente de intimidação sobre as autoridades responsáveis pelo julgamento de Jair Messias Bolsonaro nos autos da AP 2.668/DF e também sobre as autoridades responsáveis por um possível projeto de anistia aos crimes imputados a Jair Messias Bolsonaro e corréus responsáveis pela tentativa de golpe de Estado ocorrida no Brasil”, destacou.
Mudança para os EUA e mandato
Eduardo Bolsonaro viajou com a família para os Estados Unidos durante o Carnaval, no fim de fevereiro, e não retornou ao Brasil.
Na ocasião, Eduardo alegou perseguição judicial e disse que temia ser preso. Ele afirmou que ficaria nos EUA para se dedicar em tempo integral a convencer o governo de Donald Trump a atuar pela anistia dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro no Brasil e buscar sanções ao ministro do STF, Alexandre de Moraes.
O parlamentar encaminhou um pedido de licença de 122 dias à Câmara dos Deputados, que venceu em julho. Desde então, ele tem acumulado faltas e se articulado para não perder o mandato.
A Constituição estabelece que um deputado pode perder seu mandato caso deixe de comparecer a um terço das sessões da Casa, a menos que esteja de licença ou em missão autorizada, o que não é o caso do parlamentar.
Segundo especialistas, caso Eduardo se torne réu no processo julgado no STF, a Câmara ficaria pressionada a fazer algo em relação ao mandato do parlamentar, como abrir um processo para cassar o mandato.
“A partir do momento que você tem um processo criminal, a situação muda. Acredito que isso mobilize uma resposta da Câmara, porque ele estará ausente, e não pode realizar atos na Câmara dessa forma”, avalia o criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da USP.
“Como ele vai responder a um processo criminal, sendo deputado no Brasil, mas exercendo mandato no exterior?.”

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Com a maioria dos ministros do STF votando para aceitar a denúncia, Eduardo se torna réu.
Especialistas entrevistados pela BBC já apontavam que esse era o cenário mais provável, já que a denúncia preenche os pressupostos para ser admitida, como ter materialidade e indícios de autoria.
Há dúvidas, contudo, sobre o que acontece a partir daí.
Com a instauração do processo — e se ele não for suspenso pela Câmara, algo possível devido à imunidade parlamentar de Eduardo — essa será a primeira vez que um deputado responderá a uma ação no Supremo enquanto está fora do país.
Segundo especialistas, o caso tem um grau de ineditismo e abre margem para interpretações diferentes sobre o que pode acontecer daqui para frente.
Maíra Zapater, professora de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressalta que, quando o réu está no exterior, o instrumento legal para citação é a carta rogatória.
“Não é um procedimento simples, porque é um instrumento que combina uma cooperação política internacional, diplomacia, com comunicação processual entre dois países. Precisaria ser emitida essa carta via Itamaraty para o Judiciário americano. Demora.”
Nesse sentido, ela entende que esse rito precisa ser seguido e Eduardo precisaria ser notificado por meio desse instrumento formal, caso contrário, o processo deve ser suspenso.
O mesmo entendimento tem Dieter. De acordo com ele, quando há essa hipótese de julgamento à revelia, em que o réu é ausente, suspende-se o processo para não prescrever.
“É preciso dar a possibilidade de ampla defesa. Tocar um processo com um réu ausente é uma violação ao devido processo legal”, afirma.
“Conduzir todo um processo com o réu completamente ausente poderia causar um precedente perigoso”.
Já Davi Tangerino, advogado criminalista e professor de Direito Penal da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) não vê problemas na ausência de Eduardo, desde que tenha ocorrido a citação.
Segundo o especialista, embora a lei preveja que o denunciado seja pessoalmente notificado sobre uma denúncia ou processo — o que, no caso de alguém no exterior, ocorre por meio de carta rogatória — a jurisprudência evoluiu para permitir interpretações mais voltadas à finalidade da norma, flexibilizando essa exigência em determinadas situações.
O importante, segundo ele, é o que o indivíduo tenha ciência do processo e, assim, não seja processado sem saber.
“Se o debate da citação já foi superado, e já existe uma demonstração inequívoca que ele tomou conhecimento, porque ele se manifestou nas redes, o processo pode correr”, afirma.
“Acredito que o tribunal vai entender que isso está resguardado. Me parece que a posição de Moraes está bem clara nesse sentido, ele já considerou que o Eduardo Bolsonaro tem ciência.”
Em seu voto na sexta-feira, o ministro disse que a eventual suspensão do processo caberia ser analisada apenas após o recebimento da denúncia e com a ação penal já instaurada.

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Apesar das incertezas do que o STF fará ao longo do processo, e se o deputado vai retornar ao Brasil, Dieter destaca que há medidas processuais penais, as chamadas medidas cautelares, que poderiam assegurar a presença de Eduardo.
E é esperado que o Supremo faça uso delas.
“É possível antecipar que a ausência do Eduardo vai motivar o manejo dessas medidas, como suspender salário, congelar bens, tentar diferentes formas de constrangê-lo para voltar ao Brasil e responder ao processo.”
Zapater também pontua que o STF também pode expedir um mandado de prisão preventiva durante o curso do processo, pedindo uma cooperação da Interpol, o que restringiria a circulação de Eduardo.
Na hipótese de condenação, os especialistas ainda avaliam que é possível um pedido de extradição.
Contudo, a chance dessa medida ser cumprida é remota, devido à complexidade e dificuldade de execução.
“O acordo Brasil-EUA tem uma particularidade, tem uma lista de crimes que autoriza a extradição de parte a parte. Tem que ver se o caso do Eduardo tem alguma equivalência, se não tiver, o pedido não vai ser nem processado”, afirma Tangerino.
“E ainda que esteja na lista, a chance disso vingar no governo Trump beira a zero. Pelo desenho constitucional, a decisão de extraditar é do chefe de governo”, acrescenta.
Dieter concorda: “Os EUA não são pródigos em devolver pessoas.”
A denúncia
Entre as evidências apresentadas estão postagens feitas por ambos nas redes sociais e reportagens publicadas pela BBC Brasil e outros veículos.
Segundo a PGR, após Bolsonaro se tornar réu no STF, em março deste ano, Eduardo e Figueiredo passaram a articular, junto ao governo americano, sucessivas e continuadas ações para intervir no processo penal.
“Ambos os acusados, repetidas vezes, conforme visto, apresentaram-se como capazes de obter sanções no exterior – que obtiveram de fato –, de extrema gravidade nas suas consequências, tanto para a economia nacional como para os julgadores do caso em que Jair Bolsonaro, juntamente com Paulo Figueiredo e outros, aparece como responsável por crimes contra o Estado Democrático de Direito”, escreveu a PGR na denúncia apresentada ao STF.
“Apresentaram-se como patrocinadores dessas sanções, como seus articuladores e como as únicas pessoas capazes de desativá-las. Para a interrupção dos danos, objeto das ameaças, cobraram que não houvesse condenação criminal de Jair Bolsonaro na AP 2.668”, completou a procuradoria.

Crédito, Instagram/Eduardo Bolsonaro
Uma reportagem da BBC News Brasil, que noticiou que o deputado conduzia campanha para que autoridades americanas exercessem pressão política sobre Moraes, é citada na denúncia.
Publicada em fevereiro, a reportagem registrou que, desde a posse de Trump, Eduardo havia realizado três viagens consecutivas ao país, estando uma quarta já programada para a semana seguinte.
“Novamente, os relatos [da reportagem] vieram a ser confirmados meses mais tarde”, escreve a PGR, na denúncia, se referindo à imposição dos EUA de tarifas de 50% contra produtos brasileiros.
“O ineditismo da sanção econômica realça a sua ligação com as intensas e constantes gestões dos denunciados junto às mais elevadas autoridades norte-americanas”, considera a PGR.
A procuradoria também menciona entrevistas de Eduardo a veículos de imprensa nacionais e estrangeiros, defendendo sua atuação na imposição das tarifas.
Eduardo também afirmou que estava disposto a ir “até as últimas consequências” para tirar Moraes do poder, a quem ele chamou de “psicopata”.
Momentos antes da entrevista à BBC, o deputado esteve reunido com autoridades do governo americano para discutir possíveis novas sanções ao Brasil ou a autoridades brasileiras.
Ele disse que pleiteava “sanções individuais para pessoas específicas” e citou a esposa de Alexandre de Moraes, a quem ele se referiu como “braço financeiro” do ministro.
O parlamentar ainda afirmou que não descartava sanções aos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), caso eles não dêem início à tramitação do projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e ao processo de impeachment de Moraes.
Articulação para sanções
A primeira sanção dos EUA contra o Brasil foi anunciada no início de julho.
Trump utilizou motivos políticos para justificar a imposição das tarifas, entre eles o tratamento dado pelo Judiciário do Brasil a Bolsonaro e a empresas de tecnologia americanas.
Segundo o americano, o ex-presidente, sua família e seus apoiadores estariam sofrendo uma “caça às bruxas” devido ao julgamento que no STF.
Na ocasião, Eduardo Bolsonaro se manifestou agradecendo Trump. “Espero que as autoridades brasileiras agora tratem esses assuntos com a seriedade que merecem”, disse na rede social Truth Social.
O governo brasileiro acusou Eduardo de articular sanções e o presidente Lula disse que não aceitaria interferência externa em processos judiciais envolvendo pessoas acusadas de participar de golpe de Estado.
Cerca de duas semanas depois, no dia 18 de julho, o governo americano anunciou sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo de Bolsonaro no STF.
“A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não só viola direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil e atinge os americanos”, argumentou Rubio.
O ministro argumentou que Jair Bolsonaro estaria atuando de forma deliberada e ilícita, junto com Eduardo, para estimular sanções estrangeiras contra agentes públicos brasileiros.
Após o anúncio da revogação dos vistos, Eduardo Bolsonaro parabenizou Rubio nas redes sociais e disse: “tem muito mais por vir”.

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Novas sanções vieram dias depois. Ainda em julho, o governo americano anunciou a inclusão do nome do ministro na lista de estrangeiros punidos pela Lei Magnitsky.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano.
A sanção já era uma possibilidade desde maio, quando Rubio disse que ela estava sendo considerada.
No fim de setembro, os EUA também sancionaram a esposa de Moraes, Viviane Barci de Moraes, com a mesma lei. A empresa administrada por Viviane e os três filhos do casal também foi incluída na lista.
Essa última rodada de sanções aconteceu após o STF condenar Jair Bolsonaro por golpe de Estado e outros crimes, no dia 11 de setembro.