A segurança pública voltou a ser a principal preocupação dos brasileiros, segundo as mais variadas pesquisas recentes de opinião. Em meio a uma série de discussões sobre como combater o crime organizado, que vem ocupando espaços inclusive na economia formal de Norte a Sul do país, o Planalto cogita colocar os investimentos em segurança fora das metas do regime fiscal, um expediente que se tornou comum e desmoralizou-o.
Os objetivos do governo são eleitorais. Recentemente, sem que qualquer urgência os recomendasse, o Planalto acertou investimentos de R$ 30 bilhões em Defesa, em parcelas de R$ 5 bilhões fora dos limites estabelecidos para a meta fiscal e para os gastos. O Congresso está contribuindo para a contabilidade frouxa da União empilhando gastos. No mês passado, os deputados aprovaram uma PEC que garante aposentadoria integral e paridade com os reajustes do pessoal da ativa para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Eles poderão se aposentar mais cedo do que determinam as regras atuais da Previdência. Em três anos, isso custará R$ 11 bilhões aos cofres públicos, segundo os técnicos. O Judiciário obteve aval da Câmara para reajuste de 26% para seus servidores, uma conta de R$ 8,7 bilhões.
O Congresso articula ainda um presente de Natal, a liberação de mais R$ 3 milhões extras para cada deputado e senador, benesse já batizada de “emenda panetone”.
No período 2024-2026, o governo conseguiu até agora retirar R$ 157,3 bilhões das regras fiscais, numa sequência de exceções em progresso, que não incluem segurança pública. Apesar disso, o governo até agora só colecionou déficits e tem preferido a lei do menor esforço, de atingir o piso da meta fiscal, o que em 2025 significa um resultado negativo de R$ 31 bilhões.
A maior ajuda ao Planalto para evitar que houvesse um fechamento de atividades do governo por falta de recursos para cobrir as despesas discricionárias, que envolvem o custeio da máquina pública, previsto pela maioria dos analistas, foi dada pelo Congresso com a extensão da contabilização dos precários por 10 anos, quando eles deveriam constar integralmente da peça orçamentária a partir de 2027.
Não só o risco de um “shutdown” à brasileira foi evitado com a aprovação das propostas do governo no Congresso, mesmo com a rejeição da MP 1303 (taxação de investimentos isentos, bets, juros sobre capital próprio etc.), como se permitirá que o governo feche também as contas do ano que vem (superávit de 0,25% do PIB) com alguma tranquilidade, segundo os economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público da entidade (Valor, 17-11).
Isso não significa que as contas públicas estarão perto do equilíbrio. Ao contrário. Pires e Borges elaboraram um modelo fiscal de médio prazo, adaptando a metodologia do Congressional Budget Office dos EUA, tendo como ponto de partida o Relatório de Receitas e Despesas do Tesouro do quarto bimestre, o mais recente disponível. Pelo modelo, os déficits primários estendem-se até 2036, por mais dez longos anos, se nada mudar.
Há, além disso, uma piora do déficit a partir de 2029, para perto de 1% do PIB. Isso porque em 2028 a União já estará aportando recursos ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com desembolso de R$ 160 bilhões em quatro anos, até 2032. A situação fiscal piora até 2032 também porque a produção de petróleo começa a cair a partir da virada da década, e, com ela, a arrecadação de royalties e participações.
Com essas inclusões, da obrigação de colocar recursos no fundo e da queda da produção do petróleo, que os economistas não parecem estar levando em conta, segundo Pires, o esforço fiscal para se atingir o piso da meta exigirá um superávit de 1% do PIB em 2029. Como o rombo no ano é estimado em 0,6% do PIB, será preciso uma reviravolta de 1,6% do PIB para manter o regime fiscal funcionando.
O pacote de medidas que o governo conseguiu passar dá uma folga de 0,18% no ano das eleições, considerado o projeto de orçamento atual. O buraco de 0,75% previsto para 2027 será tapado e zerado.
O rombo fiscal total, o déficit nominal, que contempla o resultado primário e a conta de juros, no entanto, é maior e preocupante. Não houve superávit no terceiro governo de Lula e a conta de juros pagos pelo Tesouro por uma dívida que não para de crescer é de pelo menos 8% do PIB nos últimos dois anos. Como o governo não deverá deixar de bancar a investida eleitoral com mais gastos, a dívida bruta chegará a 83,6% do Produto Interno Bruto, 11 pontos percentuais acima daquela com que Lula assumiu em 2023, ou um avanço de R$ 1,2 trilhão em valores correntes. Se pelo efeito do estímulo dos gastos na economia a inflação parar de cair, o Banco Central acabará por manter os juros muito altos e o prejuízo para as contas públicas será ainda maior do que já é.