As mais recentes sanções dos Estados Unidos contra a indústria petrolífera da Rússia, que entraram em vigor em outubro, impactou em grande escala a Bulgária, dona da Neftohim — subsidiária da Lukoil PJSC, de Moscou.
O governo do presidente americano, Donald Trump, confiscou as instalações da Neftohim e outros ativos da Lukoil. Além disso, revogou os direitos dos acionistas e nomeou um administrador para negociar uma possível venda da empresa. Uma comissão parlamentar levou apenas 26 segundos para desfazer 26 anos de propriedade e aprovar a medida, antes do prazo iminente imposto pelos EUA para uma solução.
Essa reviravolta representou o maior golpe na presença econômica da Rússia nos Balcãs em décadas. A ação de Trump contra as empresas petrolíferas russas atingiu o cerne do poder do Kremlin, em uma região onde o Oriente e o Ocidente disputam influência há séculos.
Na Sérvia, o governo considera recomprar a empresa petrolífera e de gás do país, Naftna Industrija Srbije AD, assumindo o controle da proprietária russa Gazprom PJSC. O presidente Aleksandar Vucic, pressionado pela crise, quer evitar nacionalização, mas precisa convencer Washington de sua intenção de se desfazer da Gazprom para driblar as sanções que poderiam prejudicar o país.
Na Bulgária, políticos e analistas vêm expressando preocupação há anos com a participação desproporcional da Rússia na economia, principalmente no setor energético. A Lukoil denuncia pressão política para vender sua refinaria e seus 220 postos de gasolina espalhados pelo país. Mas até agora nada aconteceu.
“O cerne da influência russa se baseia no domínio energético por meio do petróleo e do gás, resquícios da era soviética que persistiram por anos”, afirmou Ruslan Stefanov, economista-chefe do Centro de Estudos da Democracia na Sófia. “Grande parte disso já se foi. São os últimos suspiros, e por isso causam tanta ansiedade.”
Autoridades em Sófia e Belgrado perceberam que permanecer na órbita da Rússia tornou-se insustentável após a invasão em larga escala da Ucrânia por Vladimir Putin em fevereiro de 2022.
A Bulgária é membro da União Europeia e está prestes a adotar o euro, enquanto a Sérvia almeja um dia ingressar no bloco. Mas, unidos pela história e pela dependência da energia russa, os governos protelaram.
Após séculos de laços estreitos, o poder econômico da Rússia nas duas nações aumentou em 1999. A Lukoil comprou a Neftohim, hoje a maior empresa da Bulgária. A Sérvia, por sua vez, se viu isolada após o bombardeio da OTAN ao país para forçar a retirada de seu exército do Kosovo, pondo fim à última grande guerra sangrenta dos Bálcãs. A Rússia se tornou uma aliada fundamental no apoio à recusa da Sérvia em reconhecer a independência do Kosovo.
“A mudança se deve inteiramente à pressão dos EUA, pois a UE não tem poder de influência”, disse Stefanov. “Sem as sanções, isso não teria acontecido”, afirmou.
Uma vez concluída, a pressão para expulsar as gigantes petrolíferas russas da Bulgária e da Sérvia ajudará a neutralizar a influência de Putin, segundo Mario Bikarski, analista sênior para a Europa da empresa de pesquisa Verisk Maplecroft. Isso ocorre num momento em que “as oportunidades para lobby e outras formas de interação com as elites políticas e empresariais diminuíram”, afirmou.
Os laços da Bulgária com a Rússia são profundos. O país conquistou a independência do domínio otomano em 1878, durante a Guerra Russo-Turca, um evento comemorado com um feriado nacional em 3 de março. Os habitantes locais ainda depositam flores em monumentos, incluindo a estátua do czar Alexandre II em Sófia.
O país também foi o aliado mais próximo da União Soviética durante o comunismo, apelidado de 16ª República porque o ex-ditador Todor Zhivkov tentou se unir à URSS. Mas, ultimamente, a relação tem se baseado mais em interesses comerciais convenientes do que na história.
A Bulgária aprovou à força um projeto de lei que permite a apreensão da Neftohim horas depois de o Departamento do Tesouro dos EUA ter descartado a empresa de comércio de commodities Gunvor como potencial compradora dos ativos internacionais da Lukoil, classificando-a como “fantoche do Kremlin” em 7 de novembro.
Dez dias depois, o administrador nomeado pelo governo para a empresa, Rumen Spetsov, assumiu formalmente o cargo. Ex-chefe da Receita Federal e campeão de fisiculturismo, sua nomeação ajudou a Bulgária a convencer os EUA de que nenhum financiamento proveniente das operações locais da Lukoil estava sendo enviado de volta à Rússia.
Isso permitiu que a Neftohim obtivesse uma prorrogação para continuar operando até abril. Se a refinaria não mudar de proprietário, o governo buscará mais seis meses de prazo, afirmou o primeiro-ministro Rosen Zhelyazkov. Do contrário, o dinheiro da venda será depositado em uma conta à qual a Lukoil não terá acesso enquanto estiver sob sanções.
Potenciais compradores dos EUA, Europa e do Golfo Pérsico já manifestaram interesse. A Lukoil afirmou na última quarta-feira (19) que está tomando “todas as medidas necessárias” para vender a refinaria de Neftohim, sua rede de postos de gasolina e outros ativos na Bulgária.
“A questão não é se a transição da propriedade russa para a búlgara acabará acontecendo. Ela acontecerá”, disse Ilian Vassilev, que se tornou embaixador da Bulgária em Moscou em 2000, logo após a privatização da Neftohim. “A verdadeira questão é se a Bulgária moldará esse processo ou se será moldada por forças totalmente fora de seu controle.”
Na Sérvia, a situação é menos clara. A refinaria NIS, de propriedade russa, perdeu o fornecimento de petróleo no mês passado, após o vencimento de várias isenções de sanções americanas. O presidente Vucic pediu à Gazprom que encontrasse um comprador para evitar a nacionalização da empresa. A Gazprom apelou aos EUA para que prorrogassem a licença de operação da NIS enquanto busca transferir o controle para uma terceira parte.
Mas a NIS tem suprimentos de petróleo para apenas cerca de uma semana, antes que o governo tenha que recorrer às suas reservas ou comprar petróleo bruto de outros destinos, mais caros. Isso torna mais provável que Vucic tome medidas para confiscar a refinaria. Ele afirmou que uma solução precisa ser encontrada até 23 de novembro.
“Se eles não concordarem com o preço de compra, minha proposta é que ofereçamos um preço melhor”, disse Vucic em novembro. “Custe o que custar, nós encontraremos o dinheiro”, acrescentando que o governo quer “evitar a confiscação e a nacionalização”.
Isso também comprometeria a influência da Rússia no país, que foi reacendida pelos nacionalistas sérvios com a dissolução da Iugoslávia. O equilíbrio entre o Oriente e o Ocidente tem definido líderes como Vucic, juntamente com uma enorme dependência do Kremlin para o fornecimento de gás.
A Rússia pode tentar recuperar sua influência econômica nos Bálcãs, mas isso será difícil, segundo Bikarski, o analista. “Mesmo depois que a guerra entre Rússia e Ucrânia terminar e as sanções forem potencialmente suspensas, a Rússia terá dificuldades para recuperar sua influência nos mercados de energia da região, dado o maior número de fornecedores e países parceiros mais confiáveis”, afirmou. “Moscou teria que buscar vias alternativas para manter a influência geo-econômica sobre a região.”