A produção rural, muitas vezes descrita como uma “indústria a céu aberto”, tem sentido com intensidade crescente os impactos dos eventos climáticos extremos. Na Casa do Seguro, na COP30, em Belém, esse cenário ganhou centralidade no painel Seguros e Agronegócio, promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), pela FGV Agro e pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG).
Ao longo de quinta-feira (20), as discussões avançaram para além do diagnóstico: a empoderadora BB Seguros aprofundou o debate sobre o uso de modelagem climática para aprimorar a precificação e fortalecer a resiliência do campo, enquanto um segundo painel destacou caminhos para que o setor financeiro e segurador contribua para uma economia de baixo carbono. Também estiveram em foco os obstáculos que ainda limitam a expansão da cobertura de seguros no país.
A iniciativa da Casa do Seguro conta com o apoio de Allianz, AXA, BB Seguros, Bradesco Seguros, Caixa Seguridade, MAPFRE, Marsh McLennan, Porto, Prudential e Tokio Marine.
Confira o que rolou no décimo dia de evento.
Painel 1 – Da Modelagem Climática à Precificação Inteligente: Estratégias de Subscrição para um Agro Resiliente
Em 52 anos de existência, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu mais de 4 mil ferramentas tecnológicas que ajudaram a transformar o agronegócio em uma força responsável por cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Essa trajetória segue em curso, afirmou a presidente da instituição, Silvia Massruhá.
“Medimos o desempenho de 260 empreendimentos e constatamos que os produtores que adotam práticas sustentáveis de manejo são os que alcançam maior resiliência contra riscos climáticos”, destacou. A Inteligência Artificial (IA) tem papel central nesse processo: “Há 30 anos estruturamos dados para gerar modelos capazes de reduzir riscos e impulsionar práticas como o plantio direto e a integração lavoura-pecuária-floresta. Com dados e ciência, o setor pode produzir e preservar ao mesmo tempo”.
Incentivos à regeneração
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Para Aline Maldonado Locks, CEO da plataforma Produzindo Certo, o produtor rural já reconhece os benefícios da agricultura regenerativa. “Essa prática provoca uma mudança de mentalidade: o produtor deixa de olhar apenas para a safra atual e passa a focar no médio e longo prazos.”
Jonathas de Alencar Moreira, coordenador-geral de instrumentos de mercado e financiamento do Ministério da Agricultura e Pecuária, destacou que essa mudança também pode gerar retorno financeiro: “O prêmio de seguro tende a baixar, uma vez que o risco diminui quando se trabalha com agricultura regenerativa”.
O setor segurador já se movimenta nesse sentido, apontou Paulo Hora, superintendente-executivo de rural e resseguro da Brasilseg, uma empresa BB Seguros. “Usamos ciência para construir produtos. O seguro pode atuar como indutor de boas práticas.”
Painel 2 – Finanças Sustentáveis e Seguros: O Papel do Grupo Banco do Brasil na Transição para uma Economia de Baixo Carbono
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De todos os riscos que atingem o setor, o climático é o de maior impacto potencial, apontou Alberto Martinhago Vieira, diretor de agronegócios e agricultura familiar do Banco do Brasil. “Um evento extremo pode fazer o produtor rural sair de uma situação de tranquilidade financeira para um momento de grande dificuldade, gerando uma quebra de safra capaz de impedir o cumprimento de seus compromissos.”
Nesse contexto, o banco se aproxima da meta de garantir, até 2030, que 30% da carteira de crédito seja sustentável. “As mudanças climáticas fazem parte da nossa estratégia corporativa: nossa carteira de crédito sustentável já alcança R$ 400 milhões”, afirmou Gabriel Santamaria, head de sustentabilidade do Banco do Brasil. Ele informou ainda que, durante a COP30, o banco lançou sua mesa de comercialização de crédito de carbono.
Para Delano Valentim, CEO da BB Seguros, a busca por resiliência passa pelo setor. “Não existe transição sem seguro. E não há outra forma de entregar produtos relevantes aos produtores sem usar inteligência, tecnologia e inovação como alavancas de preservação e mitigação. Para isso, precisamos melhorar a integração entre dados públicos e privados. É importante também que a regulamentação incentive cada vez mais os produtos climáticos.”
Ampliar o acesso a financiamento segue como desafio, apontou Raquel Gaudencio, superintendente executiva de planejamento estratégico, VMO, governança e sustentabilidade da Brasilseg. “Um terço da produção rural vem dos pequenos produtores, mas eles acessam apenas 1% do financiamento. A conta não fecha. Temos a oportunidade de encarar o financiamento climático como estratégia de retomada econômica.”
Abertura: O Papel Estratégico do Seguro Agrícola Diante da Emergência Climática Global
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Ao assumir o Ministério da Agricultura, em 2003, Roberto Rodrigues instituiu o seguro rural. Em 2020, a cobertura alcançava 16% da área plantada do país — mas, ao final de 2025, a previsão é de que não chegue sequer a 3%. “É inaceitável o governo ter reduzido os subsídios para o seguro rural, que oferece um colchão de proteção aos produtores e aos bancos”, afirmou, na abertura do fórum Seguros e Agronegócio na COP30, realizado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), FGV Agro e Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG).
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, onde também coordenou o Centro de Agronegócio, Rodrigues relatou que o setor apresentou uma série de propostas para a presidência brasileira da COP30. “O modelo de negócios desenvolvido pelo agro no Brasil pode inspirar todo o Sul Global.”
Painel 1 – Seguros como instrumento de proteção da produção agrícola no contexto da transição climática: desafios do Brasil e boas práticas internacionais
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“A agricultura gera 41% dos empregos do planeta e responde por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Ainda assim, recebe apenas 4% dos investimentos do setor de seguros”, afirmou Eduardo Brito Bastos, diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). Para ele, ampliar a proteção é essencial para que o setor enfrente o desafio de garantir segurança alimentar em um mundo em crescimento.
“Precisamos de 180 milhões de hectares adicionais para alimentar a população em 2050, o equivalente à soma das áreas do Pará e de Minas Gerais. Abrir essa quantidade de terra resultaria em emissões incompatíveis com os limites do planeta. A saída é elevar a produtividade e recuperar áreas degradadas. Mas essa missão se torna muito mais difícil sem a proteção que os seguros proporcionam.”
Para Renato Buranello, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), o poder público tem papel decisivo para ampliar a presença dos seguros no campo. “Cabe ao Estado determinar a política pública adequada de incentivo”, afirmou. A baixa cobertura atual preocupa o setor: “É uma loucura imaginar que um país que é uma potência agrícola como o Brasil tenha uma cobertura de seguro tão pequena”, disse Esteves Colnago, diretor de relações institucionais da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
Rafael Marani, diretor de agronegócios da Allianz Seguros, destacou que, com políticas públicas eficazes, o setor privado pode avançar: “Precisamos desenvolver produtos cada vez mais adequados. Queremos que o produtor veja o seguro rural como vê os insumos: uma necessidade.”
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Para Pedro Loyola, coordenador do Observatório do Seguro Rural (OSR) da FGV Agro, é preciso avançar no desenho de produtos específicos para as demandas dos produtores. “Muito se fala sobre a importância do seguro paramétrico, uma tendência internacional que pode ganhar espaço no Brasil, especialmente diante de incidentes climáticos. Mas ele tem limitações, não cobre riscos múltiplos, por exemplo. É útil, mas não é uma bala de prata. Precisamos de alternativas complementares”.
Paulo Hora, superintendente-executivo de resseguro e produtos do agronegócio da Brasilseg, acrescentou que três verticais tecnológicas vêm impulsionando o setor: “Atuamos com sistemas e processos, com apoio dos avanços em geotecnologia, em modelagem de risco e em desenvolvimento de produto”.
Painel 2 – Tecnologia e inovação no campo para resiliência climática
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A tecnologia tem se mostrado uma ferramenta decisiva para fortalecer a resiliência climática no agronegócio, disse Léo Carvalho, diretor de estratégias globais da Solinftec, empresa que desenvolve robôs para uso no campo: “A robótica gera disrupção dentro do agro, porque transforma o pilar do maquinário. O agronegócio brasileiro será responsável por alimentar mais de 10% da população mundial e precisará avançar em novas práticas”.
Por outro lado, a conectividade ainda representa obstáculo. Guilherme Bastos, coordenador da FGV, lembrou que a infraestrutura digital no campo permanece limitada. Raquel Martins Montagnoli, head de sustentabilidade da Case New Holland, quantificou o problema: “A conectividade rural no Brasil é de apenas 33,9%. Quando esse cenário melhora, não é apenas a fazenda que ganha. A escola, a prefeitura e o hospital também avançam”.
Tecnologia e seguro no agro
As mudanças climáticas impactam toda a cadeia do agronegócio — inclusive muito além da porteira. Jairo Costa, gerente de seguros para a América Latina da Syngenta, destacou: “A cadeia de insumos também é afetada. Precisamos de mais políticas públicas que democratizem o acesso à tecnologia e incentivem a adoção de novas soluções”.
Murilo Oliveira, CEO da Audsat, ressaltou que o setor segurador tem papel decisivo nessa transição. “Premiar o produtor que adota um manejo mais sustentável é o futuro. As seguradoras podem avançar na precificação adequada para cada perfil de produtor.”
Nesse cenário, o manejo de florestas também ganha relevância, inclusive para reduzir riscos ao próprio agro. Ivo Kanashiro, superintendente de sustentabilidade da MAPFRE, lembrou que a empresa lançou, durante a COP, um produto de proteção florestal para reservas não financeiras.
Lançamento da ferramenta de conformidade socioambiental para seguros
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No encerramento do décimo dia de atividades da Casa do Seguro, Claudia Trindade Prates, diretora de sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), lançou a nova ferramenta de verificação de conformidade socioambiental para o seguro rural. Integrada ao Hub de Inteligência Climática da entidade, a solução reúne, organiza e produz dados climáticos e socioambientais para apoiar as seguradoras na precificação de riscos, fortalecer a resiliência econômica e social diante das mudanças climáticas e reduzir o gap de proteção no país.
O lançamento ocorrerá em três fases, até março de 2027. “A ferramenta consulta diversas bases de dados, alinhada à regulamentação recente. E vai além, para que o setor possa induzir boas práticas”, afirmou Prates.