Crédito, Kevin Lamarque
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto nesta quinta-feira (20/11) suspendendo as tarifas de 40%, anunciadas em abril, sobre diversos produtos agrícolas importados do Brasil.
Quando essas tarifas começaram a valer, em 30 de julho, o governo americano anunciou uma lista de exceções, com quase 700 produtos.
Agora, Trump ampliou essa lista, adicionando dezenas de outros itens, entre eles café, diversos cortes de carne bovina, açaí, tomate, manga, banana e cacau.
A suspensão das tarifas é retroativa e vale para mercadorias que chegaram aos Estados Unidos a partir do dia 13 de novembro. Nessa data, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, se reuniram em Washington, para mais uma rodada de negociação das tarifas.
A reunião ocorreu na esteira de uma série de conversas do governo brasileiro com os Estados Unidos, incluindo uma conversa telefônica entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Trump, no dia 6 de outubro.
No decreto, Trump mencionou expressamente essa ligação, “durante a qual concordamos em iniciar negociações”.
O presidente americano afirmou também que recebeu recomendações de diversos funcionários americanos sobre a suspensão de “certas importações agrícolas do Brasil”.
Na opinião desses funcionários, disse Trump, “certas importações agrícolas do Brasil não deveriam mais estar sujeitas à alíquota adicional” porque, “entre outras considerações relevantes, houve progresso inicial nas negociações com o governo do Brasil.”
Trump afirmou, no entanto, que o Secretário de Estado, Marco Rubio, “continuará monitorando as circunstâncias relativas” às razões pelas quais os Estados Unidos impuseram tarifas ao Brasil.
“O Secretário de Estado me informará sobre qualquer circunstância que, em sua opinião, possa indicar a necessidade de novas medidas por parte do presidente”, escreveu Trump.
‘Medida positiva’
O presidente Lula, que participava da abertura do Salão do Automóvel, em São Paulo, afirmou, após anúncio de Trump, que “ninguém respeita quem não se respeita”.
“Hoje eu estou feliz porque o presidente Trump já começou a reduzir algumas taxações que tinha feito em alguns produtos brasileiros. Essas coisas vão acontecer na medida que a gente consiga galgar respeito das pessoas. Ninguém respeita quem não se respeita”, afirmou.
“Em política, em economia, não tem mágica. Você tem que fazer aquilo que é possível fazer, na hora que é possível fazer, sem pegar ninguém de sobressalto.”
Já o Itamaraty afirmou, por meio de nota, que recebeu a decisão de Trump “com satisfação”.
“O governo brasileiro reitera sua disposição para continuar o diálogo como meio de solucionar questões entre os dois países, em linha com a tradição de 201 anos de excelentes relações diplomáticas.”
A nota também diz que “o Brasil seguirá mantendo negociações com os EUA com vistas à retirada das tarifas adicionais sobre o restante da pauta de comércio bilateral.”
“É uma medida positiva. É resultado de um trabalho cuidadoso no nível político, diplomático e no das negociações. É um passo na direção certa”, disse o embaixador pouco antes de embarcar para a África do Sul, onde será realizada a Cúpula de Líderes do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo.
Quando anunciou as tarifas, Trump alegou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria sofrendo uma perseguição política classificada por Trump como uma “caça às bruxas” que precisava parar. Na época, Bolsonaro ainda não havia sido condenado no processo que o condenou a 27 anos de prisão por crimes como tentativa de golpe de Estado.
O governo brasileiro afirmou que não cederia à pressão americana e que o julgamento de Bolsonaro seguiria de acordo com os trâmites determinados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A crise diplomática instaurada entre o Brasil e os EUA só começou a dar sinais de arrefecimento em setembro, quando os dois presidentes se encontraram em Nova York, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas. O encontrou, segundo relatos, durou menos de um minuto e abriu caminho para uma aproximação entre os dois.
Após o anúncio feito por Trump nesta quinta, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) escreveu em sua conta no X que “a diplomacia brasileira não teve qualquer mérito na retirada parcial dessas tarifas de hoje”.
“Assim como beneficiou outros países, a decisão dos EUA decorreu apenas de fatores internos, especialmente a necessidade de conter a inflação americana em setores dependentes de insumos estrangeiros”, escreveu.
Eduardo atribuiu as tarifas à “instabilidade jurídica criada por Alexandre de Moraes”. O ministro é relator do inquérito que acabou condenando o ex-presidente.
Na semana passada, o Supremo tornou Eduardo réu por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de influenciar o julgamento de seu pai.
Eduardo diz ser vítima de perseguição judicial e nega ter cometido o crime de coação.
Tarifas recíprocas e inflação
Em 14 de novembro, Trump já havia anunciado a suspensão de parte das “tarifas recíprocas” de 10% aplicadas em abril passado a todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos sobre uma série de produtos agrícolas.
Entre eles, estavam itens produzidos pelo Brasil como o café, cortes de carne bovina, açaí, castanha-do-Pará, tapioca, mandioca e frutas como banana, laranja e coco, dentre outros.
No entanto, a tarifa adicional de 40%, imposta por Trump sobre vários produtos brasileiros em julho, havia sido mantida naquele momento, embora já houvesse então expectativa do governo brasileiro de que fossem revertidas em um futuro próximo, como disse Vieira após a última reunião com Rubio.
O anúncio ocorre em um momento em que o governo americano enfrenta crescente pressão devido ao aumento da inflação no país.
Uma análise do centro de pesquisas Tax Foundation destaca o Brasil como quarto maior fornecedor de alimentos para os EUA, com US$ 7,4 bilhões em importações, atrás de União Europeia (US$ 31 bilhões), México (US$ 17,6 bilhões) e Canadá (US$ 15,6 bilhões).
O Brasil é o principal fornecedor de café para os EUA, e responde por cerca um terço de todas as importações. Ao passo que os EUA, embora seja o maior consumidor deste produto do mundo, praticamente não produz a commodity.
O preço do café acumula neste ano uma forte inflação nos EUA, e a tarifa imposta sobre a produção brasileira estava agravando esse cenário — causando preocupação em Trump por pressioná-lo em uma frente importante para seu eleitorado, a economia.
Segundo um cálculo da BBC News Brasil a partir de dados oficiais do MDIC, em setembro, a quantidade de café brasileiro enviada aos EUA caiu quase pela metade (-47%) em relação ao mesmo mês de 2024.

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Na primeira conversa travada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tratar das tarifas, no início de outubro, o presidente americano admitiu que os EUA estava “sentindo falta” de alguns produtos brasileiros afetados pelas tarifas, e citou especificamente o café, segundo apurou a BBC News Brasil na época.
O Brasil também é o quarto maior fornecedor de mangas e goiabas (que estão juntos na nomenclatura de mercadorias usada no comércio exterior) para os americanos, tendo embarcado cerca de US$ 56 milhões desses produtos ao país em 2024.
Produtores brasileiros de manga foram duramente afetados pelas tarifas americanas, com produção encalhada diante do cancelamento de pedidos, como mostrou a BBC News Brasil.
O Brasil é ainda o maior exportador de carne bovina do mundo e responde por 23% das importações americanas do produto, segundo cálculo da Genial Investimentos.
Os EUA são o segundo maior mercado para o produto brasileiro, atrás apenas da China.
Mas, ao contrário do café e de frutas como a manga, no caso da carne os EUA são também um grande produtor.
No entanto, o país enfrenta uma queda histórica na oferta de carne bovina.
Atualmente, os EUA têm o menor número de cabeças de gado em 74 anos, depois que os pecuaristas reduziram a produção após vários anos de seca e preços baixos.
Paralelamente, a demanda dos consumidores se manteve firme, fazendo com que os preços nos supermercados aumentassem.
A suspensão das tarifas sobre a carne anunciadas na semana passada também deve beneficiar a Argentina, que responde por 2,1% das importações americanas e é governada pelo presidente Javier Milei, aliado de Trump.
No início de novembro, Trump disse que compraria mais carne argentina para baratear o produto no mercado americano, o que deixou produtores nacionais enfurecidos.
Trump sempre afirmou que suas tarifas não levariam ao aumento de preços para os consumidores americanos, mas as isenções recentes sinalizam uma mudança de postura.
Economistas já haviam alertado que as empresas repassariam o custo das tarifas de importação, gerando preços mais altos para os consumidores.
Embora a inflação tenha permanecido mais moderada do que muitos analistas previam em setembro, a maioria dos itens monitorados no relatório de inflação do Departamento do Trabalho apresentou aumento, com os alimentos subindo 2,7% em relação ao ano passado.