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sexta-feira, novembro 21, 2025

Por que psicólogos estão cada vez mais preocupados com o efeito das mudanças climáticas na saúde mental

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O termo solastalgia, que combina as palavras solace (conforto) e algia (dor) para expressar a perda do conforto ambiental, é uma criação do filósofo australiano Glenn Albrecht, no início dos anos 2000. Mais tarde, em 2017, a ecoansiedade foi definida por um grupo de pesquisadores da Associação Americana de Psicologia (APA) como o “medo crônico de um cataclismo ambiental causado por mudanças climáticas”.

Mais precisamente, a ecoansiedade é vista como um tipo especial de ansiedade associada a eventos relacionados a mudanças no clima decorrentes do aquecimento da temperatura do planeta: inundações, incêndios florestais, ondas de calor, tufões, furacões e secas prolongadas. Eventos que causam impactos na saúde mental e física e nas relações sociais. Entre os sintomas estão o aumento da irritabilidade, dificuldades de sono e concentração, tristeza, estado de alerta contínuo e cansaço.

No Brasil, a tragédia recente do tornado em Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, às vésperas da abertura da COP30, soma-se a várias outras ainda fortemente presentes na memória: o rompimento da barragem em Mariana (2015), o desastre de Brumadinho (2019), as enchentes do Rio Grande do Sul (2024) e os grandes incêndios do Pantanal (2024).

O “Banho de Floresta”, iniciativa da Fiocruz para conectar as pessoas à natureza e proporcionar bem-estar físico e mental — Foto: Divulgação

Esses eventos foram acompanhados por psicólogos ambientais, que atuaram em várias frentes de forma a minimizar sofrimentos em diferentes aspectos. Desde dar suporte psicológico a desabrigados até juntar-se às famílias para ajudar a procurar corpos de parentes desaparecidos.

Nos países europeus, conceitos como a ecoansiedade e a solastalgia começam a ser mais difundidos. Em Paris, em 2024, o Ministério da Transição Ecológica da França, novo nome do Ministério do Meio Ambiente, promoveu um workshop de vários dias aberto a todos os seus funcionários para explicar o significado e a abrangência dessas definições no mundo contemporâneo.

O workshop foi conduzido pela psicóloga Charline Schmerber, que vive em Montpellier, no sul da França, e tem uma página na internet chamada “Ecoemoções, ecoansiedade, solastalgia e resiliência emocional – Compreender as novas emoções que surgem no mundo em mudança, acolhê-las, expressá-las e recuperar o impulso para agir”.

Foi uma inquietação existencial que levou Schmerber a se especializar no tema. “Atravessei uma fase de grande turbulência interior a partir do momento em que comecei a perceber a dimensão da questão ambiental e os riscos das tragédias que estão a caminho”, diz Schmerber ao Valor. Isso foi em 2019, e ela não encontrou ninguém que pudesse acompanhá-la ou perceber que o assunto era interessante e poderia provocar emoções totalmente legítimas.

“Ao fazer um trabalho comigo mesma para encontrar uma forma de resiliência emocional, pensei que se eu tinha atravessado essa fase e precisado de apoio, talvez outras pessoas também precisassem. Para mim também era uma forma de agir e de enquadrar essa problemática na minha formação profissional, que é atender o indivíduo e ajudá-lo a encontrar o equilíbrio.”

Para não seguir sozinha atirando no escuro em um assunto que ainda não dominava, elaborou uma pesquisa com 35 perguntas que divulgou pela internet e foi respondida espontaneamente por 1.200 franceses. “Sei que não é uma amostragem do que pensa a população francesa, mas isso me permitiu compreender as inquietações das pessoas, que começaram a escrever no meu site descrevendo suas ecoemoções”, diz.

A psicóloga Charline Schmerber tem uma página na internet para lidar com as emoções causadas pelas mudanças climáticas — Foto: Divulgação
A psicóloga Charline Schmerber tem uma página na internet para lidar com as emoções causadas pelas mudanças climáticas — Foto: Divulgação

Hoje, ela tem clientes em diversas regiões da França e atua na prevenção. Com o tempo, tornou-se uma especialista no assunto e passou a atender em parceria com equipes multidisciplinares onde há outros psicoterapeutas, psicólogos de trabalho e psiquiatras.

Tanto a solastalgia quanto a ecoansiedade traduzem visões que seguem as evidências científicas sobre um futuro desafiador e a saudade de um passado melhor. Algumas vezes esses sentimentos são experimentados por pessoas que vivenciaram tragédias ambientais, seja na qualidade de espectadores ou que tiveram perdas decorrentes. Outras vezes, são apenas sentimentos que expressam medo e ansiedade com relação ao futuro.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgados num boletim de 2022, nas cinco décadas entre 1970 e 2020 os riscos relacionados com o clima aumentaram. E 50% dos eventos ocorreram a partir de 2003, afetando quase 5 bilhões de pessoas. Ao compilar esses números, a OMS adverte que as mudanças climáticas têm impactos cada vez mais fortes e duradouros nas pessoas, o que pode afetar direta e indiretamente sua saúde mental e bem-estar psicossocial.

Entre 2018 e 2019 houve um boom de procura sobre ecoansiedade e solastalgia na internet. Isso é atestado pelo psicólogo Marco Aurélio de Carvalho, que, antenado com essa tendência internacional, em 2018 criou o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, em Brasília, representante aqui da Sociedade Internacional de Ecopsicologia, com sede em Chiasso, na Suíça. Carvalho foi formado em psicologia clínica pela Universidade de Brasília e tem doutorado em desenvolvimento sustentável.

Ele conta que decidiu se especializar no assunto ao ver principalmente a nova geração, crianças e adolescentes, sofrendo mais diante da crise climática. “Além das evidências e das tragédias a que estamos assistindo, ainda vivemos um estado de negação generalizado sobre a crise que se desenrola. As pessoas se sentem angustiadas com o cenário que ameaça suas crenças e suas atividades econômicas. O desejo de não ver para não ficar aflito pelo custo financeiro que esses eventos podem representar é até compreensível, mas é criminoso estimular a desinformação e o negacionismo.”

A atuação do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia tem sido cooperar com a preparação de profissionais de psicologia para lidarem com os problemas da crise ambiental. “A maior parte das escolas de psicoterapia estão muito bem preparadas para lidar com quadros de ansiedade, angústia e quadros de luto. O que estamos vendo agora é tudo isso associado ao meio ambiente, o que leva à necessidade de adaptar os profissionais a essa nova realidade. Não se trata mais só de ameaça física a bens e propriedades, mas de como a mudança nos ecosistemas afeta profundamente a saúde mental.”

Camila Bolzan de Campos (esq.) presta atendimento em Canoas (RS) durante a tragédia das enchentes de 2024 — Foto: Gabriel Teixeira/Divulgação
Camila Bolzan de Campos (esq.) presta atendimento em Canoas (RS) durante a tragédia das enchentes de 2024 — Foto: Gabriel Teixeira/Divulgação

A preocupação, explica, é que, quando uma pessoa chega a um consultório com sintomas de solastalgia ou ecoansiedade, o profissional seja capaz de perceber e acolher aquele indivíduo. “E perceba que não se trata de um devaneio, de uma fantasia, mas de um risco real.”

Em 2020, à medida em que avançaram os estudos sobre essas emoções, o termo ecoansiedade foi atualizado pela Associação Americana de Psicologia de forma a se tornar mais abrangente, e surgiu uma definição mais completa: ansiedade climática. A ansiedade climática abarca também a percepção e preocupação dos impactos das mudanças climáticas associadas ao futuro – seja o futuro de cada um, o das próximas gerações ou do planeta – e tende a afetar mais as pessoas com maior consciência ou envolvimento em causas ecológicas.

Em São Paulo, uma referência na área é a professora Marlise Aparecida Bassani, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), que ministrou o curso “Ansiedade e Mudanças Climáticas” para alunos de mestrado e doutorado do Departamento de Psicologia Clínica. Um dos resultados dessa disciplina foi a criação da cartilha “Você sofre com ansiedade climática?”, disponível no site da universidade com informações gerais para diferentes públicos.

“Sentimos necessidade de não só capacitarmos novos pesquisadores e docentes para os estudos sobre ecoansiedade e ansiedade climática, mas de oferecermos algo à sociedade”, explica Bassani. “Quisemos tornar acessíveis nossos estudos para que informações fidedignas pudessem mitigar e, quem sabe, prevenir sofrimentos decorrentes da desinformação sobre alguns impactos das mudanças climáticas em nossa saúde mental.”

A informação comum a todas as cartilhas é que a ansiedade climática é um estado emocional e não uma doença. “Podemos controlar, manejar e prevenir. E temos recursos e conhecimento em psicologia ambiental e em psicologia clínica para contribuir para prevenção e tratamento da ansiedade climática”, diz a especialista.

Bassani entrou em contato com o tema em 1998 no Congresso da Sociedade Interamericana de Psicologia, que aconteceu na PUC-SP. Havia representantes de vários países europeus, da América do Sul e do Norte. Em seguida, ela foi designada para desenvolver um Centro de Estudos e Pesquisa em Psicologia Ambiental e Saúde, especialmente em saúde mental, na universidade.

“Podemos controlar, manejar e prevenir”, diz Marlise Bassani — Foto: Gabriel Reis/Valor
“Podemos controlar, manejar e prevenir”, diz Marlise Bassani — Foto: Gabriel Reis/Valor

Não apenas tragédias, mas fatos mais genéricos, como o aumento da temperatura da Terra, já estão no escopo da ansiedade climática, diz Bassani. “O impacto disso é cada vez maior em relação ao modo de vida das pessoas e à sua organização. Isso se manifesta numa busca de bem-estar ou por um sofrimento que leva a doenças e pode comprometer a saúde mental. Então, essas questões não podem mais escapar das pesquisas e da formação de pesquisadores no Brasil.”

No caso de tragédias como Mariana e Brumadinho, que implicam um deslocamento, ela explica que o apego ao lugar, o afeto que se tem ao ambiente e a perda de tudo isso pode ter consequências devastadoras também do ponto de vista psicológico. “São coisas que levam muito à depressão e à violência, inclusive, porque geram uma revolta muito grande. Por isso, precisamos informar as pessoas e ensinar resiliência.”

Resiliência é a palavra-chave, diz a psicóloga ambiental Helcia Veriato Teixeira, que atuou em campo nas tragédias de Mariana e Brumadinho. Depois de dar suporte às vítimas de Mariana e seus familiares, ela mudou-se para Brumadinho em 2018. Menos de um ano depois, em janeiro de 2019, aconteceu o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, que resultou em 272 mortos.

“Eu já tinha experiência de intervenção na tragédia com a lama, mas em Mariana atuei como pesquisadora, aqui fiquei na condição de impactada também”, relembra. “Na emergência do desastre você faz tudo, porque a pessoa perdeu a casa, perdeu tudo, tem que achar abrigo e tua função é dar acolhimento material e psicológico. Eu ajudei famílias a encontrarem os restos mortais de parentes, porque os corpos foram ‘minerados’, como a gente fala, fragmentados pela violência da lama. Isso é uma dor incomensurável.”

Dez anos depois de Mariana, a psicóloga diz que ainda é muito doloroso falar sobre o assunto. “Em Mariana tivemos a contaminação da bacia do rio Doce que provocou a morte de um ecossistema. Então, não sei mensurar o adoecimento mental que isso provocou.” Ao comparar os dois casos, afirma que em Brumadinho a contaminação foi menor; em compensação, ocorreu uma grande tragédia humana.

Em termos de depressão, há diferenças também no impacto na saúde mental de um morador da área urbanizada, de um quilombola ou de um indígena. “Na comunidade urbana o adoecimento está muito relacionado à perda de um ente querido: um parente, um amigo. E na cidade todos nós tivemos algum tipo de luto. Outra dor é ter a casa arrastada pela lama. Teve gente que sofreu as duas: perdi a pessoa que amo, a casa onde moro e meu mundo acabou!”

De forma diversa para o indígena ou o quilombola, diz Teixeira, o luto é a perda da biodiversidade. “O indígena vive da natureza, planta na beira do rio e o peixe que ele pesca está impossibilitado de viver nesse rio.”

Para que serve a psicologia ambiental nessas horas? “Ah, é um desafio”, responde ela. “Eu tenho aprendido muito mais do que ensinado, porque nós somos profissionais da escuta. E num momento de tanto desconforto, de tanta destruição, de tanta dor é preciso acolher esse luto e começar a construir possibilidades.”

Ainda vivemos um estado de negação generalizado sobre a crise que se desenrola”

— Marco Aurélio de Camargo

Uma das soluções é encontrar alternativas econômicas para um território baseado apenas na mineração. “É preciso ressignificar a economia para sair da minério-dependência. Criar outras formas de sobrevivência. Valorizar a gastronomia, o artesanato, a cultura local.”

Em Canoas, no Rio Grande do Sul, a psicóloga ambiental Camila Bolzan de Campos também participou de um mutirão múltiplo de ajuda. Sua atuação começou em 2023 quando ocorreu o ciclone extratropical que atingiu vários municípios do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. “Fui para uma cidade pequena do litoral com 7 mil habitantes onde ocorreram 11 mortes.”

No mesmo ano, ela esteve no Vale do Taquari, onde houve uma enchente que atingiu dez municípios. No ano passado, em 2024, Campos participou no apoio às vítimas das chuvas e das enchentes no Rio Grande do Sul, que atingiram mais de 2 milhões de pessoas e foram consideradas o maior desastre natural da história do estado.

“A rotina de Canoas mudou. Como o aeroporto de Porto Alegre estava fechado, as pessoas embarcavam na Base Aérea da Canoas, que não é aeroporto. Muita gente teve que sair de casa e ir para o abrigo ou para a casa de outros familiares. Quanto mais impactada por um evento climático extremo, maior a possibilidade dessas pessoas desencadearem sintomas vinculados a transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.”

Agora, existe o medo de que o evento se repita. “Há um clima de medo. Como sou professora, quando a previsão indica chuvas, já começo a receber mensagens no meio da tarde, perguntando se as aulas serão canceladas…”, conta, e explica que certos estudos comparam as emoções das pessoas que vivenciaram esse tipo de evento à dos soldados que voltaram da guerra e continuam atormentados por pesadelos.

Campos se queixa de que quando essas tragédias ocorrem dezenas de pessoas se mobilizam e há gente que quer vir para ajudar de diversos pontos do país. Depois, essa ajuda desaparece. “Some todo o mundo. E agora, como vamos pedir apoio? O que a gente vai fazer? Vamos dizer que as pessoas estão destruídas? O jeito é capacitar profissionais da área de saúde mental do município e apelar para a resiliência comunitária, para o apoio mútuo entre eles.”

Independentemente de tragédias, há iniciativas que começam a acontecer para conectar as pessoas à natureza e proporcionar bem-estar físico e mental. Uma delas é o “Banho de Floresta”, organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia. “O Banho de Floresta é uma prática que surgiu no início da década de 1980 no Japão, onde pesquisadores começaram a identificar que estar em contato com a natureza trazia benefícios”, diz Guilherme Franco, médico sanitarista e coordenador do projeto.

Na verdade, a experiência se resume a caminhadas na floresta em grupos. A primeira ocorreu no Parque Nacional de Brasília e se estendeu por oito semanas com prática apenas aos sábados e domingos. “Queremos elaborar um relatório técnico-científico para submeter aos órgãos públicos de forma a colocar o projeto na Política de Práticas Integrativas e Complementares que já existe no SUS.”

Franco avalia que muitos sintomas do mundo contemporâneo estão associados ao que chama de “déficit de natureza”, um conceito da ecopsicologia que traduz o quanto nos distanciamos por completo da natureza numa sociedade “artificializada e dominada pela lógica do consumo, que nos afasta das relações naturais e da nossa origem”.

Usar a arte para transcender a dor das tragédias é o que buscou fazer o arquiteto mineiro Gustavo Penna, autor do Memorial Brumadinho, espaço dedicado à preservação da memória das vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, inaugurado neste ano.

“Acho que nossa missão em Brumadinho foi ouvir, humildemente, aquela dor imensurável e transformar aquilo num lugar”, diz Penna. “Porque, assim como o sofrimento, a arte não tem dimensão. Como você vai medir qualquer sentimento? Você não mede quilos de amor, metros de amizade, garrafas de angústia e de dor. A única maneira que o ser humano descobriu para transcender a dor é a arte. Ao transformar a dor numa coisa visível, você tridimensionaliza o sentimento.”

Essa dimensão imaterial da arte pode ser sentida pelos visitantes que percorrem as salas a céu aberto e o bosque onde foram plantados 272 ipês amarelos em homenagem a cada uma das vítimas fatais. Para o arquiteto, mesmo que materializada num memorial de concreto, a dor continua imaterial. “O memorial é apenas uma forma de tornar visível o invisível. De fazer da matéria, poesia.”

[Fonte Original]

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