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As ações dos filhos de Jair Bolsonaro — Eduardo e Flávio — foram fundamentais para determinar tanto a prisão temporária do ex-presidente, em agosto, quanto a preventiva, no sábado (22/11), segundo as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas, ao mesmo tempo que a atuação dos dois tem agravado a situação jurídica de Bolsonaro, ela também tem sido uma maneira de a família tentar manter o bolsonarismo vivo e dominante no debate para as eleições de 2026, avalia o analista político Creomar de Souza.
“A grande necessidade do bolsonarismo para 2026 é fazer com que a eleição seja um plebiscito sobre Jair Bolsonaro. E como se faz a eleição ser um plebiscito sobre Jair Bolsonaro? Mantendo ele no foco do debate político o tempo todo”, analisa o sócio-fundador da consultoria Dharma e professor da Fundação Dom Cabral.
Souza avalia que uma parte essencial do bolsonarismo é parecer ser “antissistema” — e, para isso, é preciso desafiar as instituições o tempo inteiro.
“É a colocação do Bolsonaro nessas situações difíceis que mantém o bolsonarismo vivo na ideia de que sofre injustiças, de que é perseguido, de que há uma grande conspiração para livrá-lo do jogo.”
Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar em agosto e encarcerado na sede da Polícia Federal em Brasília no último sábado, num inquérito que apura a conduta de Eduardo nos Estados Unidos pelos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação.
Nos dois movimentos jurídicos contra Bolsonaro, Flávio também foi citado pelo ministro Alexandre de Moraes. Primeiro, foi ele quem mostrou o pai numa ligação para manifestantes no Rio de Janeiro, em agosto, quando o ex-presidente estava proibido de usar redes sociais, mesmo que por meio de outras pessoas.
Agora, na ordem de prisão preventiva, Moraes descreve que o risco de fuga foi identificado após Flávio convocar uma “vigília” em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente, além de também ter sido detectada uma tentativa de violação da tornozeleira que ele usava.
Por ora, as prisões temporária e preventiva de Bolsonaro não têm relação com sua condenação no julgamento na tentativa de golpe, em setembro. Mas isso pode acontecer nesta semana, com o julgamento final dos recursos da defesa.
Creomar de Souza avalia que, caso os filhos esperassem a prisão de Bolsonaro no trâmite natural do processo do golpe no STF, eles perderiam uma oportunidade de mais um “enfrentamento da institucionalidade”, no caso com a Justiça.
“No padrão de aprisionamento de político no Brasil pós-Lava Jato, não tem espetáculo, não tem ‘Japonês da Federal’, não tem algema, não tem nada. O cara entra no carro, ninguém vê, o cara chega na PF e ninguém vê e está tudo bem. E aí a figura do Bolsonaro ia para onde?”
Segundo o analista, a família aprendeu que precisa atuar “no limite” — caso contrário, algum novo ator político chega e toma o espaço na direita, como foi o caso do candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), em 2024.
Considerado outsider, o empresário e ex-coach terminou em terceiro lugar no primeiro turno, mas acabou dominando o debate político e estremecendo a direita na maior cidade do país.
“Esse eleitor antissistêmico não está num cabresto. Ele vive em um mundo de incerteza e um mundo onde a regra do jogo parece não satisfazer nenhuma das suas necessidades. E, nesse aspecto, para você manter sempre esse pessoal focado em termos de atenção, você tem que jogar um jogo que é no limite.”
“A família sabe que se eles não continuarem sendo sinônimo de direita, não lhes resta nada”, diz Souza.
Flávio surge como herdeiro do pai?

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A direita tem discutido dois caminhos para as eleições de 2026. O primeiro é se unir na escolha de um governador alinhado ao bolsonarismo para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O segundo é tentar uma “solução familiar” para manter o poder dentro do clã Bolsonaro.
Caso o caminho escolhido seja o segundo, é Flávio Bolsonaro que hoje apresenta as melhores condições para estar na urna no ano que vem, com a ex-primeira-dama Michelle correndo por fora, avalia Creomar de Souza,
No início do ano, era o nome de Eduardo que aparecia mais forte na lista de presidenciável, mas isso foi ruindo diante da escolha do deputado de se mudar aos EUA para fazer campanha por sanções contra o Brasil e contra o ministro Alexandre de Moraes.
“Me parece que, à medida que a candidatura do Eduardo foi se tornando inviável no horizonte, porque eu acho que ninguém considera hoje que o Eduardo consegue descer de um avião num aeroporto brasileiro e não ser preso, Flávio foi tentando tracejar esse caminho de dizer ‘olha, a família tem um candidato'”, diz Souza.
Segundo o analista, desde o sábado, Flávio tem se mostrado mais claramente como a liderança da família.
“Ele tem evocado dois grandes elementos: um de longo prazo, que é a ideia do Bolsonaro como mártir; e um de curto prazo, que nasceu agora, que é a ideia da perseguição política-religiosa.”
Na ordem de prisão, Moraes descreve que o risco de fuga foi identificado após Flávio Bolsonaro convocar uma “vigília” em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente. O evento, segundo Moraes, poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.
Em resposta, Flávio disse que decisão do ministro do STF “criminaliza o livre exercício da crença”.
“O que está escrito aqui nessa sentença é que eu não posso orar pelo meu pai, que eu não posso orar pelo meu país, que eu não posso pedir a um padre para rezar um pai nosso em cima de um carro de som, porque isso seria um subterfúgio e uma fuga do Bolsonaro”, disse Flávio.
O senador disse ainda que Moraes fez “perseguição religiosa”.
Mesmo após a prisão, Flávio manteve a vigília junto ao irmão Carlos e se reuniu com apoiadores.
Para Creomar de Souza, os filhos de Bolsonaro estão vendo essa eleição como uma batalha pelo “legado” do pai, tendo em vista que a condenação e uma saúde frágil o impediriam de concorrer novamente no futuro.
“Por isso, talvez haja uma enorme resistência da família de incensar nomes que sejam de fora, porque o legado tem que ir para um dos filhos.”
Governadores ainda dependem do bolsonarismo

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Para Creomar de Souza, desde quando surgiu, o bolsonarismo virou o “guarda-sol da direita” no Brasil. Isso é, todos os movimentos de alguma forma estão abaixo dele.
A questão é o que acontece caso alguém decida “sair do guarda-sol.”
“Será que vai germinar em solo fértil ou derreter no deserto? Esse me parece que é o grande medo dessas forças políticas da direita”, diz o cientista político.
É por isso, na visão de Souza, que os governadores considerados presidenciáveis seguem num discurso de defesa do ex-presidente.
Governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) classificou a prisão como “arbitrária” e afirmou que a ação se trata de “revanchismo político”.
Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, disse que prisão de Bolsonaro é ‘insensibilidade do Poder Judiciário”.
Já Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, chamou a prisão de ‘injustiça’ e que seguirá firme ao lado do ex-presidente.
Ronaldo Caiado (União), de Goiás, classificou a prisão como “tentativa de envergar dignidade” de Bolsonaro.
Essas declarações são “um marcador de que, por mais que o bolsonarismo esteja perdendo tração talvez seja precoce dizer que para 2026 ele é carta fora do baralho”, avalia Creomar de Souza.
O analista exemplifica que, de 2017 até 2025, políticos de direita que tentaram bater de frente com os Bolsonaros saíram derrotados, como o caso do ex-governador de São Paulo João Doria e da ex-deputada Joice Hasselmann.
“Enfrentar Bolsonaro é um esporte de altíssima periculosidade, é guiar na Fórmula 1 sem capacete, sem freio e sem airbag.”
Mas o professor avalia que já pode estar acontecendo um movimento na direita de conversas “à boca pequena” — ou seja, não falar publicamente sobre o desejo de ver a família Bolsonaro fora do jogo, mas internamente isso estar claro.
“Para eles (os governadores), o melhor dos mundos seria uma campanha sem Bolsonaro com os votos do Bolsonaro.”

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‘Surto’ de Bolsonaro dá ‘curto-circuito’ no eleitor
O desenrolar dos fatos sobre a prisão preventiva de Bolsonaro também causou um “curto-circuito” no eleitor bolsonarista, avalia Creomar de Souza.
Ele relatou que foi a primeira vez a ter um “surto” e que estava fazendo uso de pregabalina — medicamento indicado para o tratamento de dores crônicas e dores de origem neurológica — e de sertralina — antidepressivo indicado para o tratamento de depressão e transtornos de ansiedade.
De acordo com Bolsonaro, a associação desses remédios teria provocado efeitos colaterais. Ele relatou ter acreditado que a tornozeleira eletrônica pudesse conter um dispositivo de escuta clandestino, o que teria motivado sua tentativa de mexer no equipamento.
“É o famoso, na gíria, ‘foi mal, tava doidão'”, diz Creomar.
“Mas isso é muito difícil de defender, porque o arquétipo político que o bolsonarismo construiu em volta do Bolsonaro ao longo dos últimos anos é de um homem forte, resistente, mártir, que parte para o sacrifício e está sendo castigado porque enfrentou o sistema.”
“Isso não combina com o ato do cara que teve um surto e tentou destruir a tornozeleira eletrônica. Gera um curto-circuito interpretativo para o eleitor”
No âmbito do Congresso, diz Souza, os deputados mais alinhados ao bolsonarismo devem continuar na tentativa de emplacar uma anistia ao ex-presidente, mesmo com os novos fatos.
“A prisão preventiva do Bolsonaro coloca os aliados do Bolsonaro numa posição muito difícil, que é explicar algo que tem um elemento de certa surrealidade, por assim dizer”.
“Não há alternativa a não ser a ideia de seguir vendendo essa narrativa (anistia), porque ela é parte do processo de competitividade eleitoral.”
