Marcado por obstáculos na mensuração da qualidade dos ativos e uma compressão nos volumes de negociação nos últimos anos, o mercado de carbono foi um dos mais cobiçados pelo setor privado durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30).
Algumas instituições financeiras procuraram se posicionar como lideranças no setor desde já, a despeito das questões regulatórias e de integridade ainda pendentes.
O mercado de carbono voluntário atingiu em 2024 o menor volume de negociação desde 2018, de acordo com dados da plataforma Carbon Credits. Uma das razões são as dificuldades do setor, em nível global, para medir a integridade (qualidade dos ativos) e o grau de compensação de emissões.
Mesmo assim, o mercado de carbono é uma das apostas dos bancos na transição climática. Esse ponto é reforçado em artigo da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado no início da COP30. O documento afirma que a atividade traz oportunidades para instituições financeiras contribuírem com o processo de descarbonização e de desescalar a crise climática.
Com um caminho marcado por dúvidas sobre governança e um mercado ainda em maturação, a movimentação dos bancos na conferência refletiu uma tentativa de ocupar espaço. Por outro lado, a falta de transparência, de padronização e o monitoramento de resultados são alguns riscos.
Ao Valor, executivos de Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Caixa ressaltaram o potencial do setor, com destaque para os avanços do governo brasileiro na regulação do mercado.
O Itaú tem como meta R$ 1 trilhão em financiamento para transição climática até 2030. Para o banco, o mercado de carbono ainda depende de avanços de regulamentação em escala global, sobretudo exportação de créditos. Embora o Brasil tenha alta capacidade de emissão de créditos de carbono, a maior parte da demanda está no Hemisfério Norte, em especial, nas big techs, afirma Eric Altafim, diretor de produtos do banco. “A discussão que o mercado vai ter é sobre poder vender [para fora] e ter mais demanda para aumentar esse preço e viabilizar outros projetos.”
Caso o país tenha de cumprir a própria Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) antes de comercializar os créditos, poderá haver um achatamento nos valores, segundo o executivo.
Esse questionamento também foi mencionado em estudo feito pelas universidades de Oxford e Pensilvânia, divulgado poucos dias antes da COP30. Se for exigido que países façam ajustes para compensar e cumprir suas NDCs e o custo ficar perto de US$ 100 por tonelada, como sugere o Banco Mundial, os compradores podem passar a buscar reduções diretas de emissões. Também segundo o artigo, o impacto das emissões de créditos de carbono era superestimado de cinco a dez vezes.
A diretora de sustentabilidade do Bradesco, Fabiana Costa, reconhece os desafios de integridade e demanda, embora se mantenha otimista sobre as perspectivas. “Não é um mercado que está previsto para estar funcionando, tudo pronto, no próximo mês”, diz. O banco atingiu a meta de negócios sustentáveis de R$ 350 bilhões neste ano, estabelecida em 2021.
Costa acrescenta que o mercado de carbono precisa evoluir em termos de estruturação, mas diz que a atuação do governo em termos regulatórios indica um caminho positivo. Para a executiva, o mercado de carbono, tal qual outros mecanismos, como a emissão de títulos verdes, conversa com as agendas de descarbonização das empresas. “Vejo o setor financeiro trabalhando muito no apoio da estruturação desse mercado e com os clientes.”
Durante a COP30, o Bradesco lançou uma certificadora de créditos de carbono chamada Ecora, em parceria com o BNDES. A operacionalização está prevista para meados de 2026, embora a estrutura societária e o volume de investimento ainda não estejam definidos.
No Banco do Brasil (BB), a atuação na COP30 teve como eixo o avanço da estratégia para o mercado de carbono, com a estruturação de uma mesa dedicada à comercialização de créditos. Segundo Gabriel Santamaria, gerente-geral de sustentabilidade, a instituição buscou apresentar soluções financeiras com ênfase em energias renováveis, agricultura sustentável, eficiência energética e bioeconomia. Na conferência, o BB firmou parcerias que resultaram em mais de R$ 3,5 bilhões captados para projetos de sustentabilidade.
Para Santamaria, o desafio é criar mecanismos que permitam “destravar o potencial brasileiro” de geração de créditos por meio de florestas, agricultura regenerativa e energia renovável. “O grande ponto é criar mecanismos de financiamento a esses projetos, de maneira a escalar e garantir o máximo de integridade e transparência”, diz.
O mesmo movimento de fortalecimento institucional é a aposta do Santander, que teve na COP uma agenda centrada em soluções baseadas na natureza (NbS), parcerias estratégicas, “blended finance” e no avanço das estruturas necessárias para o mercado regulado. Para Leonardo Fleck, chefe da área de sustentabilidade do banco, o mercado brasileiro de carbono passa por uma fase decisiva, impulsionado pela legislação, mas ainda precisa de regulamentação dos setores obrigatórios e de metodologias robustas de mensuração, reporte e verificação.
“Por enquanto, atuamos principalmente na estruturação e originação de créditos de alta integridade, assessorando clientes corporativos e desenvolvedores, com apoio da WayCarbon, e conectando projetos a compradores e investidores internacionais, inclusive via mesa de carbono de Madri.”
O vice-presidente em exercício de sustentabilidade e cidadania digital da Caixa, Jean Benevides, acredita que a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões posiciona o Brasil como protagonista na transição para uma economia de baixo carbono. “Mas os desafios persistem, notadamente a necessidade de o ministério responsável [autoridade nacional perante a ONU] definir e enviar as diretrizes essenciais para a plena operação do sistema”, diz.
A instituição foi responsável pela neutralização das emissões totais da COP30, de cerca de 170 mil toneladas de CO2. Também instalou tótens de compensação voluntária, que registraram mais de 233 mil quilos de CO2 compensados por participantes.