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Ao mesmo tempo em que deu um respiro para quem ganha até R$ 5.000 por mês, isentando do pagamento do IR (Imposto de Renda), a Lei 15.270 de 2025 trouxe, em compensação, a tributação de 10% sobre lucros e dividendos. A lei prevê uma data limite para a deliberação de resultados isentos, o que está forçando as empresas a anteciparem assembleias para aprovar a distribuição ou a capitalização de reservas e lucros acumulados.
O motivo é que, a partir de janeiro de 2026, a retenção na fonte de 10% incidirá sobre pagamentos mensais a pessoas físicas que ganhem acima de R$ 50 mil. Além disso, rendimentos acima de R$ 600 mil por ano, incluindo todos os tipos de rendimentos tributáveis, passarão a ter uma tributação mínima. Ou seja, para escapar do desconto, tudo deve estar regularizado até, no máximo, às 23h59 do dia 31 deste mês.
Pelos cálculos da Quantum Finance, entre os dias 1º de setembro deste ano e a última quarta-feira (2), foram protocolados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) 59 anúncios de proventos e JCPs (Juros sobre Capital Próprio) de empresas abertas. O número supera os 56 registrados em igual período de 2024. Grandes companhias já fizeram anúncios, e a lista inclui Vale, Itaú e WEG, entre outras.
Os valores exatos só devem aparecer na divulgação dos resultados do quarto trimestre deste ano, previstos para o início de 2026. Porém, dois dados indicam que 2025 ficará marcado não só pelos recordes recorrentes da B3, mas também como um dos anos em que mais se pagou dividendos na história das companhias de capital aberto no Brasil.
O primeiro número vem de um estudo do analista de informações econômicas Einar Rivero, sócio fundador da consultoria Elos Ayta. Com base nos dados já divulgados pelas companhias listadas na B3, ele concluiu que foram pagos R$ 227,27 bilhões entre janeiro e setembro deste ano. O valor é 6,33% superior ao registrado no mesmo período de 2024, que somou R$ 209 bilhões.
Outro dado que sinaliza o apetite das empresas na distribuição de dividendos vem das análises da XP e da Eleven Financial. Fernando Siqueira, head de research da Eleven, estima que, só em dezembro, os dividendos anunciados já somam quase R$ 30 bilhões. Além disso, pelo menos mais R$ 30 bilhões foram anunciados para o início de 2026. A XP estima que esse número pode chegar a R$ 84 bilhões.
O ano de 2025 estava sendo considerado normal em termos de dividendos. Mas, com a mudança na tributação, empresas como Vale e Itaú anunciaram dividendos extraordinários e bilionários que serão pagos em breve, o que deve fazer de 2025 e 2026 um período acima da média em distribuição de lucros, afirma Siqueira.
O tal do copo meio vazio
As recentes altas da B3, que na terça e na quarta-feira ficaram acima dos 161 mil pontos, poderiam então ser creditadas ao movimento de antecipação dos dividendos? Para Eduardo Carlier, codiretor da Azimut Brasil Wealth Management, ainda não há confirmação suficiente para isso. Segundo ele, os dividendos distribuídos podem ser alocados em outras classes de investimento.
Ele diz também ser cedo para afirmar se a corrida para distribuir dividendos pode gerar efeitos como queda nos pagamentos futuros ou pressão no caixa das empresas. De qualquer forma, a mudança na legislação já vem alterando estruturalmente o comportamento das companhias em relação à política de remuneração. Além disso, alternativas de distribuição na linha do que foi anunciado pela Eletrobras (atual Axia Energia) podem acontecer com mais frequência, avalia Carlier.
Um potencial aumento do dividend yield (a relação entre o lucro obtido e o distribuído aos acionistas) poderia ser positivo para todos os investidores. Porém, segundo o analista, é necessário verificar caso a caso a sustentabilidade dos pagamentos. Há também o risco de empresas se alavancarem em dívida para pagar dividendos, o que não seria saudável, afirma.
Pontos de atenção jurídicos
A proximidade da entrada em vigor da nova legislação não movimenta apenas tesourarias, auditores e consultores, mas também escritórios de advocacia. O consenso é que há espaço para uma tempestade perfeita, que combina insegurança jurídica, dificuldades operacionais e falta de integração entre a tributação da pessoa jurídica e da pessoa física.
Segundo o tributarista Diego Miguita, sócio do Tauil & Chequer Advogados, associado ao escritório norte-americano Mayer Brown, a situação está levando companhias a reorganizar estruturas societárias, aelerar a destinação de reservas e até adotar estratégias que podem resultar em fuga de capital.
É praticamente impossível apurar o valor exato do lucro de 2025 no último dia do ano-calendário, diz Miguita. Segundo ele, esse é o principal motivo que leva as empresas a se anteciparem na deliberação sobre lucros em formação e, principalmente, sobre reservas.
Esse ponto se agrava pelo fato de que a legislação atual pode conflitar com a Lei das S.A., que prevê que o dividendo deve ser pago no exercício social em que for declarado. Na visão do advogado, as decisões sobre o lucro corrente e sobre as reservas decorrem da incerteza sobre como o tema será interpretado pelos tribunais administrativos e judiciais nos próximos anos.
Outra reação à lei que entrará em vigor no início de 2026 é a prática de algumas empresas de distribuir suas reservas de lucro ainda em 2025, sobretudo quando têm dinheiro parado sem uso definido. Outras pagam dividendos agora e depois captam recursos para repor o caixa ou transformam esses valores em dívidas com os próprios sócios.
Beneficiários de dividendos no exterior
Nesta quarta-feira (2), a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado aprovou o Projeto de Lei 5.473/2025, que amplia o prazo para as empresas distribuírem lucros sem pagar imposto de renda. Pela proposta, os lucros referentes a 2025 poderão ser distribuídos até 30 de abril de 2026 com isenção, e não até o dia 31 deste mês.
Se o novo texto passar, as companhias ganham mais quatro meses para decidir o uso dos lucros do ano. Porém, isso ainda depende de nova análise pela Câmara dos Deputados, para onde o texto foi enviado, e de sanção presidencial.
Independentemente do resultado, a conta pode sair bem amarga. Segundo estudos do Itaú Unibanco, a mudança na regra pode desempenhar um papel importante na deterioração do câmbio no curto prazo.
Isso porque a expectativa é de que investidores ampliem o envio de remessas maiores de lucros e dividendos para o exterior no fim do ano para algo ao redor de US$ 25 bilhões (R$ 132,75 bilhões) e US$ 35 bilhões (R$ 185,85 bilhões), uma tentativa de se antecipar e reduzir o impacto da taxação que se inicia em 2026. Para comparação, a média histórica de remessas gira ao redor de US$ 15 bilhões.