A ata da reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom) retirou boa parte das restrições a uma mudança do ciclo monetário e abriu caminho para a queda de juros. No cenário de referência para o horizonte do Banco Central, o segundo trimestre de 2027, a inflação projetada é de 3,2%, considerados os cortes da taxa Selic previstos no boletim Focus: 12,25% em 2026 e 10,5% em 2027. O IPCA está quase na meta em 2027 e, salvo imprevisto, o afrouxamento da política monetária poderá ser feito em janeiro ou março. O BC não tem sinalizado seus próximos passos e repetiu o comportamento agora: tudo dependerá dos dados.
Há um alívio geral, na ata, das condições que recomendavam um tom duro contra a inflação e pela manutenção de uma taxa fortemente contracionista. A mudança é muito clara no que se refere ao cenário externo, mas não só nesse ponto. O mundo continua um lugar perigoso e, apesar de todos os riscos, “o cenário internacional está menos incerto do que esteve há alguns meses, com o fim do government shutdown nos EUA e evolução de negociações comerciais”, diz a ata. Efeitos muito relevantes disso para a inflação e os juros domésticos são que “os preços das principais commodities permaneceram contidos e as condições financeiras, favoráveis”.
Um dos grandes motivos da resistência inflacionária tem sido a evolução dos preços dos serviços, impulsionados pelo aumento da renda e por um mercado de trabalho aquecido. O aperto monetário, mesmo sendo fragilizado por estímulos fiscais e parafiscais, está diminuindo as pressões dos serviços. Na ata do Copom, em vez de uma posição ativa de “dinamismo” usada para caracterizar o mercado de trabalho, é empregado agora o termo passivo “resiliente”, o que indica que a direção agora é de uma desaceleração no ritmo de criação de empregos, já sentida nos indicadores mais recentes.
O mercado de trabalho foi um ponto de debate especial na reunião, como fora o crédito na ata anterior. O Copom buscou deslindar os fatores conjunturais do atual aquecimento, e os estruturais, de mais longo prazo, que influenciam percepções e os indicadores. A conclusão é que ele “está em patamar bastante apertado”, porém “há sinais incipientes de desaquecimento”. O Copom, assim, “seguirá acompanhando detidamente” o que acontece no mundo do emprego. Outro componente-chave de influência no IPCA, o consumo das famílias, que “vinha em ritmo forte em função de ganhos reais de renda”, mostrou redução de ímpeto, assim como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
O cenário de risco traçado pelo BC continua apontando riscos iguais de alta e de queda da inflação. Mas há melhoras importantes e graduais. A dinâmica inflacionária continua sendo “melhor do que se previa no início do ano”. Entre as razões está a combinação do câmbio mais apreciado com a queda das commodities, que permitiu uma redução na inflação de bens industrializados e alimentos. A inflação de serviços também mostrou “algum arrefecimento”.
Os tons mais sombrios sobre as perspectivas futuras da inflação foram substancialmente atenuados. As expectativas de inflação mantêm-se em declínio, ainda que acima da meta em todos os horizontes. Mais do que insistir na desancoragem, palavra que povoava a ata anterior, o BC prefere agora “vetores inflacionários adversos”, possivelmente mais adequados para indicar que a autoridade monetária está muito mais perto de atingir seus objetivos do que antes. Assim, a ata é mais assertiva que a anterior sobre o cenário esperado pelo Copom, ao registrar que “prosseguem a moderação gradual da atividade em curso, a diminuição da inflação corrente e a redução nas expectativas de inflação”, em vez de colocar, como no documento anterior, o termo “alguma” sobre as três afirmações, que colocava dúvida sobre a intensidade e a continuidade desses movimentos.
O BC manteve a prescrição de “política significativamente contracionista por período bastante prolongado”. De setembro de 2024 a junho passado, os juros subiram até atingir 15%, mas partiram então de uma base que já era muito acima (10,5%) do nível neutro real de juros, de 5% naquele ano, ou 9% nominais. Os efeitos cumulativos estão se manifestando com a força possível agora. Além disso, desde março de 2022 a economia brasileira convive com uma taxa Selic acima de 10%.
O custo da necessidade dos juros altos é devastador para a dívida pública, para famílias e empresas. O maior tomador de crédito, o governo, pagará este ano mais de R$ 1 trilhão de juros, sem produzir qualquer superávit primário, como fora previsto no regime fiscal original, posteriormente modificado. O governo federal prepara novos programas Desenrola para renegociação de dívidas em atraso de pequenos e médios empresários, que por seu lado crescem pelos juros extorsivos, quando mais eficaz seria reduzir estímulos à economia e permitir que a taxa Selic pudesse cair logo e com celeridade. O governo está em modo eleitoral e esse cenário ideal não acontecerá, legando para o futuro uma dívida muito maior do que a que assumiu e a qual prometeu conter e estabilizar em futuro próximo, o que não ocorrerá.