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domingo, dezembro 21, 2025

Crítica | Avatar: Fogo e Cinzas (Com Spoilers) – Plano Crítico

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A ambição de Avatar: Fogo e Cinzas é tão colossal quanto suas imagens. James Cameron retorna a Pandora para o terceiro capítulo de sua saga com a segurança de quem domina completamente o espetáculo audiovisual contemporâneo, mas também com os vícios de um narrador que já conhece demais o próprio caminho. O resultado é um filme impressionante, emocionalmente potente em momentos específicos, tematicamente claro, porém estruturalmente circular, repetitivo e, em certos trechos, excessivamente confortável em sua própria fórmula. É um épico que fascina os sentidos, mas que avança pouco o coração dramático e o conflito central do universo Avatar.

Tendo o luto como ponto de partida, Fogo e Cinzas se ancora no trauma deixado pela morte de Neteyam (Jamie Flatters). O filme começa num registro mais introspectivo do que o habitual, com Jake Sully (Sam Worthington) visivelmente cansado, Neytiri (Zoe Saldaña) profundamente radicalizada em seu ódio aos humanos e Lo’ak (Britain Dalton) consumido pela culpa. A ideia de que a família Sully está emocionalmente fraturada é boa, necessária e coerente com o final de Avatar: O Caminho da Água. O problema é que Cameron retorna várias vezes ao mesmo ponto emocional sem permitir que ele se transforme de verdade para além de batidas emocionais conhecidas.

Jake questiona sua fé em Eywa, mas isso nunca se traduz em decisões irreversíveis. Neytiri beira a monstruosidade moral, chegando a defender a execução de Spider, mas o roteiro sempre recua no último instante. Lo’ak entra em um arco de autodepreciação e até ideação suicida, um momento surpreendentemente sombrio para a franquia, mas que é resolvido de maneira relativamente apressada, quase como um “checkpoint emocional” antes do próximo set piece. O luto existe, pesa, é bonito em certas cenas, mas não rompe a narrativa a ponto de deixar um impacto, se conseguem me entender.

Se há um verdadeiro motor dramático em Fogo e Cinzas, ele atende pelo nome de Varang (Oona Chaplin). O clã Mangkwan, o Povo das Cinzas, é a melhor ideia nova da franquia desde os Metkayina. Visualmente, são fascinantes: Na’vi mais magros, com pele acinzentada, marcas de queimadura, ornamentos agressivos e uma relação quase niilista com Pandora. Vivem sob um vulcão, em um território morto, e isso se reflete em sua filosofia.

Varang, interpretada com intensidade cruel por Oona Chaplin, é uma antagonista que finalmente rompe com a dicotomia simplista “Na’vi bons vs. humanos maus”. Ela rejeita Eywa, rejeita a ideia de comunhão espiritual e vê a destruição como força vital. Seu ressentimento por ter sido “abandonada” pela entidade do planeta é um eco perverso da própria crise de fé de Jake. É uma vilã que não quer dominar Pandora, mas provar que a dor é mais verdadeira do que a harmonia.

A relação entre Varang e Quaritch (Stephen Lang) é um dos aspectos mais interessantes do filme. Pela primeira vez, Quaritch não é apenas o símbolo da brutalidade colonial humana, mas alguém que encontra eco emocional em um Na’vi. A conexão entre os dois, mediada pelo uso do kuru como instrumento de dominação e sedução, é perturbadora e poderosa, valendo destacar a sequência psicodélica entre os dois, que dá muita personalidade à vilã e ao vínculo dos dois. Cameron sugere algo quase romântico, quase ideológico, e acerta ao deixar isso em um terreno ambíguo. Infelizmente, como acontece com frequência no filme, o potencial dramático dessa aliança é maior do que sua exploração efetiva.

Stephen Lang continua sendo um dos grandes trunfos da franquia. Seu Quaritch recombinante é mais complexo, mais irônico e, paradoxalmente, mais humano. Ele demonstra hesitação, senso estratégico e até momentos de empatia, especialmente em relação a Spider  (Jack Champion). No entanto, Fogo e Cinzas reafirma um problema que já vinha se desenhando no segundo filme: Quaritch se recusa a avançar narrativamente.

Mais uma vez, o vilão sobrevive ao clímax, mais uma vez enfrenta Jake em combate físico, mais uma vez cai “aparentemente” para a morte. A diferença aqui é que o próprio filme parece consciente desse esgotamento, usando sarcasmo e autoironia para mascarar a repetição. Funciona até certo ponto, mas não apaga a sensação de que Cameron está adiando decisões definitivas por apego ao antagonista. O momento em que Quaritch salva Spider ao final, depois de ter sido salvo por Jake, é simbólico e interessante, em uma troca de dívidas morais que humaniza ambos. Mas, novamente, nada disso gera consequências imediatas. Quaritch desaparece no abismo, pronto para retornar quando o roteiro precisar.

Se Jake e Neytiri parecem presos a um arco de desgaste, Kiri (Sigourney Weaver) e Spider são o verdadeiro futuro emocional de Avatar. A revelação de que Kiri é fruto de uma partenogênese induzida por Eywa, uma espécie de clone espiritual de Grace Augustine, finalmente dá substância à aura messiânica que a personagem carrega desde o filme anterior. Sigourney Weaver, mais uma vez, impressiona ao equilibrar inocência, curiosidade e transcendência.

O momento em que Kiri desperta seu poder total, comandando a flora e a fauna em escala quase apocalíptica, é visualmente avassalador e também narrativamente arriscado. Cameron flerta perigosamente com a ideia de transformar Kiri em uma entidade quase divina, o que pode enfraquecer conflitos futuros se não houver limites claros. Ainda assim, a decisão de vinculá-la diretamente à consciência planetária de Eywa é coerente com a lógica interna da franquia.

Spider, por sua vez, passa pela transformação mais radical do filme. Sua adaptação biológica a Pandora, adquirindo a capacidade de respirar sem máscara e desenvolver um kuru, é uma mudança sísmica para o universo da saga. Ele deixa de ser apenas “o humano entre os Na’vi” e se torna uma ponte viva entre os mundos. O dilema moral envolvendo sua possível execução por Jake e Neytiri é um dos momentos mais fortes do filme, justamente porque Cameron não suaviza imediatamente a crueldade da escolha.

Temos também o retorno dos ótimos Tulkuns e o discurso ambiental da trama. Cameron nunca foi sutil em seu ambientalismo, e aqui ele decide abandonar qualquer verniz de alegoria. A caça aos Tulkuns durante o evento de acasalamento é brutal, gráfica e deliberadamente revoltante. Mick Scoresby (Brendan Cowell) retorna como caricatura do capitalismo predatório, e sua morte pelas mãos de Tan’ok é uma catarse quase primitiva. Do lado oposto, temos Ian Garvin (Jemaine Clement), o cientista humano que se opõe à matança e funciona como consciência moral tardia, mas seu arco é subdesenvolvido. Ele existe mais como ferramenta narrativa do que como personagem completo em uma péssima sequência colada no salvamento de Jake.

O terceiro ato de Fogo e Cinzas é um paradoxo. Visualmente, é talvez o ponto mais impressionante de toda a franquia até aqui: Toruk retornando aos céus, batalhas aéreas, fluxos magnéticos destruindo frotas inteiras, vulcões em erupção e oceanos em convulsão. É cinema-espetáculo em seu estado mais puro. Narrativamente, porém, é onde o filme mais tropeça. A estrutura lembra demais os filmes anteriores: ataque humano, contra-ataque Na’vi, sequestros, separações, resgates e um confronto final que demora a terminar.

No saldo final, Avatar: Fogo e Cinzas é um grande filme, mas não um grande avanço. Ele amplia o mundo, aprofunda temas, introduz personagens excelentes e entrega algumas das imagens mais impressionantes da história do cinema blockbuster. Ao mesmo tempo, ele gira em torno dos mesmos conflitos, evita decisões definitivas e posterga resoluções que já poderiam (e talvez deveriam) ter acontecido.

James Cameron continua sendo um mestre absoluto do espetáculo cinematográfico. Poucos diretores conseguem criar experiências tão imersivas, tão sensoriais e tão tecnicamente impecáveis. Justamente por isso, é frustrante perceber que sua imaginação está presa a uma engrenagem narrativa que avança em marcha lenta e a um universo que não parece propor nada novo ao cineasta.

Fogo e Cinzas não é um filme ruim, longe disso. É um filme bonito, grandioso, emocionalmente sincero em muitos momentos. Mas também é um capítulo que confirma a sensação de que Avatar, como saga, está mais confortável em expandir seu mundo lateralmente do que em transformá-lo de verdade. Resta saber se Cameron, nos próximos capítulos, terá coragem de quebrar Pandora para além de suas cinzas.

Avatar: Fogo e Cinzas (Avatar: Fire and Ash – EUA, 2025)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver (baseado em história de James Cameron, Rick Jaffa, Amanda Silver, Josh Friedman, Shane Salerno)
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Oona Chaplin, Cliff Curtis, Britain Dalton, Trinity Bliss, Jack Champion, Bailey Bass, Kate Winslet, Giovanni Ribisi, Joel David Moore, CCH Pounder, Edie Falco, Brendan Cowell, Jemaine Clement, Filip Geljo, Duane Evans, Jr., Dileep Rao, Matt Gerald, David Thewlis
Duração: 197 min.



[Fonte Original]

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