A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou antes do recesso parlamentar a extinção da Lei de Alienação Parental de modo conclusivo, que prescinde da discussão em plenário. É essencial que o Senado se debruce com mais vagar sobre o tema e promova uma ampla discussão em busca de um ponto de equilíbrio entre a extinção, como quer a Câmara, ou a manutenção da situação atual.
O termo “alienação parental” resume as condutas e posturas de casais em separação litigiosa, ou de suas famílias, que usam os filhos para atingir o outro lado no conflito. Entre as práticas condenáveis classificadas pela lei estão: dificultar o contato da criança ou adolescente com pai ou mãe; mudar de endereço sem informar ao outro responsável; criar narrativas falsas para desqualificá-lo; impedir ou dificultar o acesso a informações sobre saúde, escola e outras atividades.
Em sua essência, a lei, aprovada em 2010, estabelece referências para que juízes decidam, com a maior segurança possível, em favor de pai ou de mãe, mas sempre em busca do melhor, do ponto de vista psicológico e afetivo, para os filhos. Desde 2020, os processos abertos com base na legislação não param de crescer. De 4.341 no início da década, chegaram a 7.157 no ano passado. Neste ano, até 31 de outubro já haviam sido instaurados 6.958. Ao todo, há 13.845 dessas ações tramitando, à espera de julgamento.
Há muito tempo a Lei de Alienação Parental é acusada por seus críticos de servir de instrumento de vingança de ex-marido contra ex-mulher. Um estudo do Núcleo de Pesquisas em Psicologia Jurídica com base em 404 acórdãos judiciais de quatro estados verificou que, em 63% dos casos, o pai é o autor da denúncia. Em muitos desses casos, argumentam os críticos, a guarda da criança acaba transferida a pais acusados de agressão ou abuso.
A revogação da lei, contudo, poderia abrir uma lacuna jurídica, deixando crianças e adolescentes desprotegidos em meio a conflitos familiares tóxicos, segundo Caio Morau, representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões. Ele argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não compensaria a falta da lei. Morau propõe que se tornem mais duras as punições a quem manipula a legislação, desde que haja provas robustas. A solução, no entender dele, é aperfeiçoar a lei. “Não se pode penalizar uma legislação por eventuais usos abusivos”, afirmou à reportagem do GLOBO.
A tramitação na CCJ foi contaminada pela polarização política. Deputados do PT lideraram os votos favoráveis à extinção da lei, e o PL puxou a fila dos contrários. A divisão ficou expressa no placar de 38 votos pela revogação e 28 contra. Enxergar questões dessa natureza apenas pelas lentes ideológicas não contribui para construir uma legislação que assegure a melhor assistência possível aos filhos. Se o Senado referendar a revogação, perdem-se balizas legais em vários processos. Ainda que os tribunais resgatem jurisprudências já firmadas, tudo ficará mais difícil, mais lento e mais caro. Os senadores deveriam se esforçar por reformular a legislação de modo a corrigir as falhas, evitando criar um vácuo jurídico.