Um ano que se desenhava terrível para a economia global, com a guerra tarifária do presidente Donald Trump, terminou com um crescimento normal, ao redor de 3%. Não houve a temida recessão geral, o comércio mundial não entrou em depressão e mostrou-se resistente, embora tenha mudado suas rotas, em muitos casos se desviando dos Estados Unidos. Uma boa parte das economias punidas pelas tarifas americanas conseguiu até mesmo aumentar suas exportações totais. A China, alvo principal da ofensiva protecionista dos EUA, obteve o maior superávit de sua história, de US$ 1,08 trilhão até novembro, mesmo depois que as barreiras lhes custassem US$ 100 bilhões em vendas perdidas no mercado americano. Impasses geopolíticos persistem sem solução: a Rússia avança posições na Ucrânia invadida, e o conflito de Israel com os palestinos vive uma trégua instável e precária.
A reviravolta protecionista de Trump não provocou os grandes estragos previstos por muitos motivos. O primeiro é que ele voltou atrás nas tarifas extorsivas em muitos casos, principalmente em relação à China. Movimentos de antecipação de compras diante da imposição tarifária impediram que o aumento dos preços desabasse imediatamente nos preços, diluindo-os ao longo dos meses. E, de maneira global, como explica o Relatório de Política Monetária do Banco Central (BC) de dezembro, “no curto e médio prazos, a combinação de políticas monetárias menos contracionistas e políticas fiscais mais expansionistas continuam sustentando a atividade nas principais economias e se contrapondo à persistente incerteza de política econômica”.
O ano de 2026 será definido pelo desempenho das duas maiores potências, China e EUA. A economia chinesa deve desacelerar, o que reduzirá seu apetite por commodities e a incentivará a continuar acelerando exportações enquanto tenta reerguer o consumo interno. A economia americana mantém-se forte (expansão de 4,3% no terceiro trimestre) e pode crescer mais no ano que vem, quando entra em vigor o pacote de corte de impostos de Trump. A inflação americana ainda está longe da meta, perto de 3%.
O BC brasileiro aponta dois fatos que terão implicações de 2026 em diante. O ciclo de flexibilização monetária está perto do fim em praticamente todas as economias avançadas, mas a estabilização dos juros tem se dado em um nível bem superior ao das taxas do período 2010-2019.
O endividamento crescente dos países desenvolvidos foi feito a taxas muito baixas ou até mesmo negativas até o fim da pandemia, mas isso acabou. Os juros de longo prazo serão mais altos, a rolagem de dívidas crescentes será mais cara, e as suspeitas sobre solvência fiscal, mais disseminadas e frequentes. Mesmo assim, não há sinais de que um aperto fiscal nas principais economias. Ao contrário. A Europa entrará em escalada armamentista para se reequipar, depois que o guarda-chuva de proteção americano lhe foi rispidamente fechado, e prepara gastos de 800 bilhões de euros.
Os EUA, mesmo reservando mais dinheiro a seu orçamento de defesa, reduziu impostos e seu endividamento subirá por isso algo entre US$ 4,5 trilhões a US$ 5,5 trilhões em uma década. O déficit público chinês, de 90% do PIB, e o rombo fiscal nominal, de 8,5% do PIB, tampouco declinarão. Em sua revisão da economia da China, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou políticas fiscais expansionistas para estimular o consumo, reduzir o excesso de produção, apreciar o câmbio e sustentar o crescimento. O FMI prevê que o PIB chinês cresça 4,5% em 2026 e a OCDE, 4,4%, menores taxas de expansão do país em ao menos duas décadas, exceto na pandemia.
Se o ritmo da desaceleração econômica chinesa traz preocupação sobre seu impacto, em especial nos países emergentes, possíveis instabilidades financeiras nos EUA poderão frustrar um ambiente previsto de desaceleração suave da economia mundial. Boa parte da expansão dos EUA está baseada nos investimentos em inteligência artificial das Big Techs, cuja necessidade de financiamento é estimada em US$ 1,5 trilhão pelo Morgan Stanley (FT, 24-12). As empresas não têm tido dificuldades em obter recursos, mas crescem as dúvidas sobre os resultados. Uma performance abaixo das altas expectativas criadas levará a uma correção intensa da Bolsa de Nova York, dando início a uma reprecificação abrupta de ativos globais, com forte potencial destrutivo.
Outras futuras complicações podem estar sendo gestadas nos EUA. Trump está prestes a divulgar o sucessor de Jerome Powell no Federal Reserve (Fed, o BC americano), cujo mandato expira em maio. A julgar pelos votos de outro indicado seu à diretoria, Stephen Miran, é bastante plausível que o escolhido resolva reduzir bem mais os juros, já próximos do nível neutro (3%). O secretário do Tesouro, Scott Bessent, levantou do nada a ideia de mudar a meta de inflação, acrescentando-lhe uma banda de variação.
Um erro de calibragem nos juros americanos aqueceria uma economia já impulsionada por abatimentos fiscais, derrubaria o dólar e jogaria a inflação para cima. As taxas de longo prazo disparariam, encarecendo o custo de financiamento das dívidas soberanas de países já muito endividados, Brasil incluído.