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segunda-feira, junho 24, 2024

Crítica | O Efeito He-Man – Plano Crítico

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Em uma graphic novel de linguagem e arte simples, o cartunista americano Brian “Box” Brown, que também assina somente como Box Brown, demonstra o poder do audiovisual em moldar gostos e dirigir pensamentos usando como exemplo a indústria americana de brinquedos que, nos anos 80, basicamente “inventou” a animação que serve de publicidade disfarçada para vender seus produtos. Não é, portanto, como alguns mais afobados podem achar pelo título O Efeito He-Man, a história dessa famosa linha de brinquedos, como a série documental Brinquedos que Marcam Época, do Netflix, conta em um de seus episódios, mas sim, como o longo subtítulo Como a Indústria dos Brinquedos Moldou Sua Infância pelo Consumo que, em inglês, é ainda mais contundente Como os Fabricantes Americanos de Brinquedos Venderam a Você a Sua Infância (minha tradução direta), deixa bem claro, algo mais amplo que lida com o uso quase que completamente irrestrito de instrumentos para viciar crianças em coleções de produtos de consumo inveterado que, na mesma toada, elimina a brincadeira imaginativa, substituindo-a por animações que ditam como brincar.

Em outras palavras, a HQ de Box Brown está para a indústria de brinquedos o que Obrigado por Fumar está para as indústrias do fumo, de armas e de bebidas, ou seja, são páginas e mais páginas de verdades inconvenientes que nós até podemos saber lá no fundo de nossas mentes já completamente manipuladas, mas que, como qualquer viciado em substâncias químicas, nos recusamos a aceitar ou, na melhor das hipóteses, simplesmente não queremos enfrentar. O cartunista faz questão de escrever de maneira didática, com frases curtas, sempre ilustrando tudo com quadros básicos, igualmente didáticos, por vezes cômicos, de forma a prender nossa atenção para o assunto que discute. Essa estratégia é boa, mas ela rouba de seu trabalho qualquer traço de profundidade, algo agravado por uma tradução para o português que ficou bem aquém do que deveria ser. Apesar de usar boas fontes que ele lista ao final, o que o autor efetivamente coloca nas páginas está mais para um tira-gosto, algo como “consumismo desenfreado para leigos”.

Brown começa em priscas eras, com Júlio César fazendo sua vitoriosa campanha de auto-propaganda com seus escritos – que são sensacionais inclusive por essa razão -, depois pulando para as guerras mundiais e seguindo com diversas abordagens históricas que contextualizam muito bem a “virada” ocorrida nos anos 1980, década que foi marcada, dentre outros, pela desregulamentação da TV americana e a ascensão das narrativas audiovisuais em forma de anúncios de 20 ou 30 minutos (com anúncios, aliás) bombardeados diariamente nas mentes de crianças pequenas via “caixa de idiota”, aquela que ficava ligada na sala de estar e que, hoje, está nos bolso de todo mundo, em versão de tela minúscula para dirigir consumo. No entanto, quando ele efetivamente passa a aborda os anos 80, seu texto começa a particionar-se em “historietas de brinquedos”, como se ele estivesse mudando de foco e deixando sua interessantíssima abordagem séria e histórica para falar de seus brinquedos favoritos (que eram os meus também, por isso escrevo a presente crítica, em grande parte, em primeira pessoa do plural), um a um. Isso esvazia seu trabalho, torna-o bem mais leve do que deveria ser, com o cartunista perdendo a oportunidade de focar na influência histórica do audiovisual sobre o consumo, sobre os hábitos e sobre a cultura em geral, como as décadas em que o Cinema, especialmente o Hollywoodiano, foi usado para aumentar o consumo de cigarro e, muito pior do que isso, para normalizar a onipresença representativa de apenas uma parcela da população.

Da mesma maneira, quando Brown ultrapassa os anos 80 e afirma que a manipulação dos que viveram a década tornou-se perpétua, não só criando novas gerações viciadas em outras animações e seus respectivos brinquedos, como destrancando, nos agora adultos o cofre da nostalgia que leva ao que vemos mais crescentemente hoje em dia: o racismo, a misoginia, a xenofobia e a intolerância em geral quando modificações são empreendidas naquilo que ficou “marcado em brasa nos cerebrozinhos de ervilha deles” quando pequenos (como afirmou Paul Cleveland, ex-vice-presidente sênior de marketing da Mattel). No momento em que o autor chega nesse ponto, sua obra acaba e ele não desenvolve esse aspecto tão onipresente hoje em dia, o que tira um pouco da provocação necessária que ele deveria ter empreendido para além da manipulação das massas.

Mesmo com seus vários problemas, o mais sério deles sendo a falta de profundidade, e mesmo demonstrando acanhamento onde não devia, o trabalho de Box Brown merece comenda por funcionar não como uma condenação daqueles que foram e ainda são “vítimas” da manipulação das mais diversas indústrias, mas sim como um forte lembrete de que vivemos nesse mundo e que precisamos ficar sempre alertas para as circunstâncias dele. Afinal, “saber é metade da batalha”, se é que me entendem. O Efeito He-Man, assim, é uma graphic novel que funciona como as pílulas azuis e vermelhas da franquia Matrix: podemos escolher ficar como estamos ou acordar para a realidade e fazer algo. Qual é a sua escolha?

O Efeito He-Man: Como a Indústria dos Brinquedos Moldou Sua Infância pelo Consumo (The He-Man Effect: How American Toymakers Sold You Your Childhood – EUA, 2023)
Roteiro: Brian “Box” Brown (Box Brown)
Arte: Brian “Box” Brown (Box Brown)
Editora original: First Second
Data original de publicação: 11 de julho de 2023
Editora no Brasil: Editora Mino
Data de publicação no Brasil: 31 de agosto de 2023
Tradução: Dandara Palankof
Páginas: 272



[Fonte Original]

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