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segunda-feira, junho 24, 2024

Crítica | Os Vingadores: Crepúsculo – Plano Crítico

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Nos quadrinhos de super-heróis, especialmente os mainstream, fazer e refazer futuros e também passados é uma necessidade constante. Afinal, para o mal ou para o bem, tudo pode ser desfeito depois, rearrumado a qualquer hora e reformulado a todo instante. Dentre as várias tendências embutidas nessa flexibilidade total, há a de criar “finais” para personagens, finais esses que não necessariamente são definitivos e nunca são canônicos – ou são até quando alguém muda de ideia -, normalmente em futuros distópicos sombrios, pesados, em que uma situação extrema leva a algum tipo de levante, renascimento ou ressurgimento desse ou daquela personagem, desse ou daquele grupo de heróis. Dentre os vários exemplos que poderia citar, fico com dois que considero os mais importantes, o arco Dias de um Futuro Esquecido, de 1981, da Marvel Comics e Batman – O Cavaleiro das Trevas, de 1986, da DC Comics. Posso até estar simplificando, mas tudo o que veio depois dessas duas obras deve quase tudo a elas.

E esse é o caso de Os Vingadores: Crepúsculo, que aborda mais um futuro sombrio para o Universo Marvel. Até poderia afirmar que estamos diante de uma obra fortemente inspirada no arco O Velho Logan, de 2008, que nos apresenta a um Wolverine mais velho em um futuro em que quase todos os super-heróis foram mortos ou se aposentaram, com os EUA sob o jugo totalitário, mas como o O Velho Logan é, basicamente, o Cavaleiro das Trevas com o Carcaju, Vingadores: Crepúsculo é, também, o Cavaleiros das Trevas, só que com o Capitão América. Afinal, a premissa da minissérie em seis edições com roteiro de Chip Zdarsky e arte de Daniel Acuña trabalha um Steve Rogers envelhecido e aposentado, sem o soro do super soldado correndo em suas veias, tendo que voltar ao uniforme de Capitão América para enfrentar os EUA em um regime fascista que controla sua população por meio de repressão severa aos atos mais simples, como filmar ou fotografar sem autorização e da manipulação da divulgação de informações, em uma espécie de distopia orwelliana super-heróica. E, claro, os super-heróis de outrora ou morreram ou se aposentaram, não tenham dúvida, com o descendente de um deles, James Stark, que controla drones do Homem de Ferro e cria tecnologia repressiva, fazendo as vezes de vilão ao lado de Kyle Jarvis, irmão mais novo de Edwin Jarvis – o famoso mordomo dos Vingadores – como C.E.O. das Indústrias Stark e seu manipulador.

Em outras palavras, já vimos isso antes algumas vezes e de forma muito parecida, o que inegavelmente retira o frescor da narrativa. Resta então saber se, mesmo repetindo a premissa e, convenhamos, a fórmula toda, Zdarsky e Acuña oferecem algo de diferente e/ou interessante em sua abordagem, que efetivamente acrescente ao que foi feito antes.

Essa resposta será potencialmente positiva se o leitor gostar de distopias futuristas e do Capitão América. Não tenho receio de afirmar que eu me encaixo nas duas situações, pois não só considero o Capitão um personagem fascinante, com a melhor origem dos quadrinhos mainstream de super-heróis, como acho que a liberdade que uma premissa dessas dá ao roteirista abre caminhos com possibilidades infinitas. Mas mesmo eu fiquei incomodado com Zdarsky em dois aspectos fundamentais dessa minissérie, o primeiro deles sendo o quanto ele precisa situar esse seu futuro fictício em nosso presente real e o segundo sendo o quanto ele manteve-se próximo de suas inspirações diretas a ponto de tornar toda a minissérie quase que como uma skin de O Cavaleiro das Trevas ou de O Velho Logan, podem escolher.

Expandindo meu comentário sobre o primeiro aspecto, não tenho absolutamente nada contra obras que refletem e criticam o tempo presente. A arte é justamente isso, um exercício criativo que olha para o presente, compreende a situação, foca seu comentário e entrega um comentário sobre o que ocorre dentro de um contexto que parece ser diferente. Mas Zdarsky é didático até não poder mais e cansa em uma extrapolação óbvia demais que parece seguir o manual dos pontos controversos modernos que precisam ser abordados para que o leitor médio entenda que ele está falando do mundo atual e não de algo completamente inventado por ele. Com isso, temos a manipulação da mídia, a desinformação, as fake news em destaque, a opressão policial evidenciada, a intervenção americana em países estrangeiros descortinada, o tratamento da população como massa de manobra trazido à tona e assim por diante em uma interminável lição de 5ª série que se vale muito mais de memorização na base da repetição do que ensino verdadeiro. E eu entendo que, às vezes, é necessário encontrar um denominador comum para que o máximo de pessoas entenda a mensagem, mas o que Zdarsky faz é subestimar o leitor e tratá-lo justamente como alguém que precisa de ajuda até para atravessar a rua no sinal de trânsito.

Sobre o segundo aspecto, não tenho muito o que falar além do que já falei. Se o leitor nunca tiver lido as obras que mencionei acima ou outras que seguem o mesmo conceito, talvez apreciem Os Vingadores: Crepúsculo mais completamente. No meu caso, o que eu li foi a mesma coisa de novo, só que sem o finesse de Frank Miller ou a porralouquice sem freios de Mark Millar. Não há nem mesmo a crítica no ponto, mas inteligentemente indireta de Chris Claremont. Aqui, o roteiro é apenas repleto de “entradas triunfais”, de uma sucessão de momentos do tipo “como é que [inserir personagem] está nesse futuro”, de “reviravoltas inesperadas que todo mundo esperava” e de longas “explicações à la vilão de James Bond” que ninguém aguenta mais ler ou ouvir. Não é de forma alguma uma leitura ruim ou inútil, mas o que Zdarsky faz é muito básico, sem voz própria, sem uma assinatura realmente diferenciada que destaque a minissérie para além do momento “ahá”.

Por outro lado, a arte de Acuña é uma beleza. Seu traço levemente sujo e inacabado, seu uso de quadros que sangram um no outro, de pano de fundo urbano sombrio e repleto de detalhes são aspectos que imediatamente chamam a atenção do leitor, assim como as feições envelhecidas de personagens clássicos, como o Capitão, claro, mas também Luke Cage e Matt Murdock. Da mesma maneira, seu design de novos uniformes para os mesmos personagens ou para versões novas de personagens mortos consegue unir o útil ao agradável, ou seja, ele não reinventa a roda completamente, apenas repagina-a de maneira a emprestar seu estilo e traço a cada um deles. Com um roteiro realmente sem freios e sem uma editora que muito claramente determinou que o uso de violência explícita deveria ser implícito, consigo imaginar Acuña alçando voos memoráveis de verdade, o que não é o caso aqui.

Os Vingadores: Crepúsculo é um descarado mais do mesmo que faz um esforço enorme para jogar seguro o tempo todo e não inovar nunca. Ainda é o tipo de premissa que atrai só pelo que ela é e ver um Steve Rogers idoso voltando à ativa é inegavelmente bacana e inspirador. Mas faltou aquele “algo mais” à minissérie, aquela qualidade indefinível que retira uma obra do lugar-comum e a alça a algo mais, algo especial que fica com o leitor mais do que 15 minutos após a última página ser virada. Se comparar com O Cavaleiro das Trevas é covardia – e realmente é -, afirmo com bastante tranquilidade que O Velho Logan é uma obra bem mais interessante dentro desse conceito. E olha que eu queria gostar muito do retorno do Velho Rogers…

Os Vingadores: Crepúsculo (Avengers: Twilight – EUA, 2024)
Conteúdo: Avengers: Twilight #1 a 6
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Daniel Acuña
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Tom Brevoort, C.B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
Datas originais de publicação: 17 de janeiro, 31 de janeiro, 28 de fevereiro, 13 de março, 17 de abril e 29 de maio de 2024
Páginas: 212



[Fonte Original]

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