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terça-feira, junho 25, 2024

Haddad entre Lula e Maquiavel

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Uma das lições mais populares que Nicolau Maquiavel deu a Lourenço de Médici, Duque de Urbino e governante de Florença, foi que o mal se faz de numa tacada só, enquanto as bondades devem ser diluídas ao longo do tempo. “As injúrias devem ser feitas todas de uma vez, a fim de que ofendam menos; já os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreados”, recomendou o precursor dos consultores políticos atuais.

Maquiavel escreveu suas cartas ao príncipe de Florença em 1513. Séculos depois, em 1975, o economista William Nordhaus criou um modelo teórico para explicar os ciclos políticos. Baseado no pressuposto de que os eleitores têm memória curta, para o vencedor do prêmio Nobel de 2018 os governantes se veem motivados a apertar os instrumentos de política econômica no início de seus mandatos, gerando condições para afrouxar os gastos no último ano. Com desemprego baixo e crescimento acelerado ao final do mandato, os “príncipes” atuais têm melhores condições de se reelegerem ou fazerem seus sucessores.

O terceiro mandato de Lula desconsidera o conselho de Maquiavel e a lógica dos ciclos de política econômica de Nordhaus.

Eleito com uma margem muito estreita em outubro de 2022 (uma vantagem de pouco mais de dois milhões de votos, num universo de quase 150 milhões de eleitores), o petista ainda recebeu a economia turbinada por uma série de benefícios eleitoreiros concedidos no último ano do ciclo político de Jair Bolsonaro.

Temendo que sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto se iniciasse sob forte pressão, Lula se viu obrigado a conceder uma série de bondades logo na largada: reajustou o Bolsa Família para R$ 600, com um adicional de R$ 150 para crianças abaixo de cinco anos de idade, e autorizou reajustes do salário-mínimo e para o funcionalismo público, entre outras medidas de forte impacto popular, mas também fiscal.

Para demarcar o território e confrontar-se com Bolsonaro, Lula subverteu a ordem do ciclo político, manobrando as ferramentas da política fiscal para estimular a economia no início do seu mandato. O resultado do PIB do primeiro trimestre, com um bom crescimento de 2,5% frente ao começo de 2023, reflete esse movimento.

O consumo das famílias subiu 4,4%, impulsionado pela elevação da massa salarial, que expandiu a circulação de valores em quase R$ 20 bilhões de reais por mês, pela injeção de R$ 90 bilhões com o pagamento dos precatórios e pelo reajuste dos benefícios sociais – só o bolsa família saltou de R$ 105 bilhões para R$ 170 bilhões ao ano, de 2022 para cá.

Fazendo a bondade toda de uma vez, e logo no início do mandato, o governo se vê agora compelido a arcar com as consequências fiscais e econômicas de sua estratégia política. E quem paga o preço é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A tarefa de Haddad para manter de pé seu arcabouço fiscal implica desafiar setores poderosos da economia (como no caso das batalhas da desoneração da folha ou dos créditos de Pis/Cofins) e desagradar o eleitorado petista ao propor a revisão das vinculações de políticas sociais ao salário-mínimo ou à arrecadação.

Em outras palavras, para colocar as contas públicas em ordem e evitar o desarranjo da economia na metade final do mandato, Haddad precisará subverter o conselho de Maquiavel e utilizar os instrumentos de tortura da política fiscal (aumento de impostos ou corte de gastos) para fazer o mal pouco a pouco.

Para piorar ainda mais essa missão inglória, Lula e o PT não parecem dispostos a pagar esse preço. Temendo danos a seu projeto de reeleição, a ala política do governo tende a resistir à apresentação de medidas econômicas impopulares, além de não ter uma base sólida no Congresso capaz de implementá-las.

Com as perspectivas de 2026 se impondo de forma antecipada sobre o cenário político atual, Lula se vê tentado a seguir o maquiavélico conselho de que “os fins justificam os meios”.

Resta saber como Haddad lidará com essas pressões.

[Fonte Original]

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