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sábado, outubro 19, 2024

Crítica | As Crônicas de Frankenstein – A Série Completa – Plano Crítico

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Uma série visualmente deslumbrante, com elenco de primeira linha, mas que se perde em seu excesso de subtramas. Assim é o desenvolvimento das duas temporadas de As Crônicas de Frankenstein, criada pela dupla formada por Barry Langford e Benjamin Ross. Ao estrear em novembro de 2015, a produção britânica nos apresentou o gênero drama policial de época, que inspirada no romance Frankenstein, o clássico de Mary Shelley, mas com a oferta de uma nova perspectiva sobre a história, unindo elementos de mistério e horror com investigação, numa costura que envolve uma teia gigantesca de personagens que referenciam nomes da literatura e da cultura da época, sem necessariamente manter uma conexão fidedigna com suas contribuições sociais ou filosóficas. O enredo gira em torno do inspetor John Marlott, interpretado por Sean Bean, que também atua como produtor associado da primeira temporada. Ele é um policial fluvial do início do século XIX, homem que se depara com um crime horrendo: a descoberta de um cadáver composto por partes de corpos de oito crianças desaparecidas. Este evento macabro o impulsiona a investigar os responsáveis e, nesse processo bizarro, o protagonista mergulha em uma trama complexa que explora questões morais, a dualidade da natureza humana e os limites da ciência.

O enredo coloca em cena as discussões sobre o Ato de Anatomia de 1830, um ponto crucial para o comércio de cadáveres e a formação médica. A narrativa o apresenta como uma batalha entre o cristianismo tradicional e as forças da modernidade, porém não se compromete a apoiar um lado. O lado cristão é retratado de forma negativa, com seu protagonista, Eliot Cowan, revelando-se um hipócrita. Por outro lado, o materialismo é representado através de Sir Robert Peel e dois cirurgiões, que são caricaturas extremas do cientista cínico e do estuprador, respectivamente. Mary Shelley é apresentada como personagem, seu livro aparece algumas vezes em cena, tal como uma representação teatral da obra-prima da escritora, em segundo plano por aqui, haja vista o protagonismo da figura ficcional de Sean Bean. Confrontos políticos, exploração sexual de menores, abuso de poder e outras temáticas gravitam em torno dos 12 episódios, seis em cada temporada, mas a falta de um ritmo mais dinâmico e a necessidade de empacotar tantos personagens imponentes torna o exercício criativo demasiadamente cansativo para o espectador.

Na primeira temporada, começamos com o protagonista e sua equipe, abismados, ao encontrar um cadáver em decomposição às margens do rio Tâmisa. O bizarro aqui é a percepção de que o corpo é uma montagem feita de partes de várias crianças. Essa descoberta macabra leva Marlott a uma investigação que o coloca no caminho de charlatões, cientistas, religiosos e aristocratas, enquanto lida com suas próprias tragédias pessoais. Sean Bean, um ator de carreira sólida, entrega um desempenho convincente e carismático como o inspetor. Richie Campbell como Nightingale, o parceiro de Marlott, e Vanessa Kirby como Lady Jemima Hervey, uma aristocrata com segredos próprios, também entregam desempenhos dramáticos que complementam bem o protagonista. O roteiro, frequentemente sombrio e introspectivo, destaca a degradação ambiental e social de uma Londres e se preocupa em mostrar o impacto visceral das desigualdades sociais e das condições de vida da época, numa mixagem de realismo associado aos elementos gráficos do horror gótico. Em linhas gerais, o primeiro ano traça um estudo sobre a monstruosidade humana disfarçada de progresso científico, fazendo uma crítica social relevante, mas perdida na quantidade de subtramas que desalinham o ponto nevrálgico da narrativa. Assumida pelo streaming Netflix em seu segundo ano, a produção reinicia alguns pontos do período antecessor e traz o mesmo clima de paranoia, violência e criminalidade, agora voltada aos assassinatos de figuras religiosas, numa aposta dos realizadores em questões que envolvem profanações do ambiente cristão, também consumido pela corrupção e pela ambição de poder.

É tudo muito estiloso e repleto de boas intenções. Há esmero estético, os diálogos são elegantes, mas o excesso de tramas paralelas e o interesse em mesclar tantas figuras históricas em um só enredo, um esquema de erudição que é puro gozo psicanalítico para quem possui amplo repertório cultural, acaba por fazer a série se perder e, nesses desencontros, nos entediar. Diante do exposto inicialmente, à medida que o protagonista se aprofunda no mistério, ele encontra uma série de personagens intrigantes, cada um com suas próprias motivações e segredos. O ambiente vitoriano, meticulosamente retratado pelo design de produção de Ashleigh Jeffers, cria uma excepcional atmosfera sombria e opressiva que complementam o tom da narrativa, pois nos ajuda a refletir sobre as ansiedades sociais da época em relação à inovação científica e à ética, mas ainda assim, não é um recurso suficiente em uma produção que depende do texto e do desenvolvimento dos arcos narrativos para funcionar.

É inegável como a série ousa ao combinar elementos de suspense e drama, oferecendo uma reflexão sobre o que significa ser humano em um mundo em rápida mudança. Versa sobre situações no século XIX, mas faz pontes com temáticas do século XXI. A direção de fotografia de Ian Moss (primeira temporada) e Joel Devlin (segunda temporada) capta emoções do elenco talentoso, contempla bem os espaços cênicos repletos de adereços que emulam o espírito da época radiografada, mas a sensação é a de uma maldição para a dupla de criadores, figuras que desejaram ser, tal como Victor Frankenstein, deuses da dramaturgia, com resultados que não foram os almejados previamente ao experimento. A condução musical de Roger Goula no primeiro ano ganha o mesmo tom sombrio no segundo, assinado por Harry Scott. O trabalho de maquiagem, essencial para uma narrativa do tipo, também cumpre muito bem as suas funções, setor assinado com esmero por Barrie Gower. Como já mencionado, deslumbrante visualmente, os problemas de As Crônicas de Frankenstein estão em suas estruturas dramáticas. É tudo muito excessivo, bifurcado e, nessa tentativa de ser sofisticada demais, acabou se tornando banal.

As Crônicas de Frankenstein – A Série Completa (The Frankenstein Chronicles | EUA, 2015-2017)
Showrunners:
Benjamin Ross, Barry Langford
Diretores: Benjamin Ross, Alex Gabassi
Roteiristas: Barry Langford, Benjamin Ross, Michael Robert Johnson, Stacey Gregg, Mike Walden, Colin Carberry, Glenn Patterson, Paul Tomalin
Elenco: Sean Bean, Richie Campbell, Tom Ward, Ryan Sampson, Ed Stoppard, Eloise Smyth, Vanessa Kirby, Frank Blake, Paul Kennedy, Maeve Dermody, Laurence Fox, Robbie Gee, Elliot Cowan, Aaron Kelly, Martin McCann, Charlie Creed-Miles, Stuart Graham, Jessie Ross
Duração: 2 temporadas – 12 episódios (6 por temporada) – 48 minutos em média cada episódio



[Fonte Original]

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