Sou fã de carteirinha dos jogos da franquia Tomb Raider, então fiquei animado quando a Netflix anunciou uma nova adaptação das aventuras de Lara Croft, dublada aqui pela excelente Hayley Atwell. Obviamente que as outras adaptações da personagem são bem medíocres, apesar dos filmes da Angelina Jolie terem marcado uma geração, mas sempre tive comigo que a arqueóloga britânica tem muito potencial para o audiovisual, seja nas telonas ou nas telinhas. O formato animado também me chamou atenção pela falta de amarras e liberdade criativa que a mídia tem, especialmente em um streaming que vem acertando e apostando muito em séries animadas. Infelizmente, porém, o resultado da produção desenvolvida por Tasha Huo é outra bola fora para a entrada da personagem longe do universo dos games.
Inicialmente, é importante pontuar que a série se passa na mesma continuidade da trilogia de videogame iniciada em 2013 – que é excelente, aliás -, após os eventos do jogo Shadow of the Tomb Raider, de 2018. Basicamente, somos apresentados para uma história com premissa padrão da personagem, envolvendo uma coleção de pedras mitológicas que prometem grande poder e que ameaçam a balança entre caos e ordem do mundo. Lara está envolvida na busca desses artefatos antigos, mas sua missão muda quando a personagem percebe o perigo das pedras e quando um antagonista chamado Devereaux (Richard Armitage) decide usá-las para realizar uma vingança. A partir daí, uma jornada com deuses, espíritos e apocalipses se inicia.
O sobrenatural sempre fez parte da franquia, mas o seriado abusa demais do lado místico e absurdo, chegando ao ponto da narrativa não fazer nenhum sentido. Se nos jogos esse lado da franquia é usado para enfatizar os aspectos de survival e de puzzles da história, aqui a showrunner Tasha Huo simplesmente tem uma abordagem ilógica, quase de um conto de fadas ruim, em que tudo acontece sem explicação, sem conclusões e sem construção, descartando quase que completamente a verdadeira essência da aventura: o senso de exploração, de lendas, de História e resolução de pistas. A animação chega a se tornar algo meio camp, cheia de exageros, poderes e momentos em que Lara Croft vira efetivamente uma super-heróina com força descomunal – sem falar do uso bem ruim de gore na obra, que aparece de maneira gratuita ao longo dos episódios.
Durante essa jornada, vemos vários personagens da série de videogame, que até agregam humor e emoção para as interações com a personagem, mas em participações pouco inspiradas com diálogos ruins e situações piegas – o que falar do terrível uso de flashbacks aqui, ein? Falta muita personalidade para o texto, que segue a toada de outras adaptações da protagonista: desenvolvimentos genéricos, reviravoltas clichês e personagens esquecíveis, principalmente os antagonistas caricatos que preenchem todos os pontos batidos de vilões ruins, com frases de efeito, motivações bregas e até gargalhadas malévolas.
Assim, a narrativa vai se tornando tão boba e patética que o interesse resta mesmo no lado mais despretensioso da produção, que consegue sim agradar de maneira ligeira com a ação e cenas de luta, apesar da animação 3D causar estranhamento em diversos momentos. A narrativa também é ágil, passando por vários países, ilhas e templos, o que tira pelo menos qualquer senso de monotonia dos episódios. Ainda assim, essa “despretensão” parece mesmo preguiça e falta de criatividade, em mais uma adaptação audiovisual da Lara Croft que deixa muito a desejar, seja em termos de continuidade, de homenagear a essência de sobrevivência ou de aventura dos jogos, ou até mesmo de algum tipo de desconstrução da personagem e da sua mitologia com uma história fantasiosa que parece, anda e fala como qualquer outra aventura de fantasia genérica por aí. É uma pena, porque a arqueóloga, os jogos e os fãs mereciam mais.
Tomb Raider: A Lenda de Lara Croft (Tomb Raider: The Legend of Lara Croft) – 1ª Temporada | EUA, 2024
Criação: Tasha Huo (baseado na franquia Tomb Raider)
Direção: Cassie Urban, Giselle “Faragon” R.
Roteiro: Tasha Huo, Troy Dangerfield, Shakira Pressley
Elenco: Hayley Atwell, Allen Maldonado, Earl Baylon, Richard Armitage, Zoe Boyle, Roxana Ortega, Nolan North, Karen Fukuhara, Ming-Na Wen
Duração: 08 episódios (c. 20-30 min. cada um)