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sexta-feira, outubro 18, 2024

Yahya Sinwar: Como vida do terrorista foi salva por dentista israelense na prisão

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Yuval Bittom trabalhou durante anos como dentista do complexo prisional de Beersheba, no deserto de Negev, em Israel. Ao aceitar o emprego, em 1996, ele pensou que cuidaria de guardas penitenciários e outros funcionários do prédio. Em vez disso, o profissional se viu atendendo terroristas do Hamas, alguns deles envolvidos em atentados suicidas contra o seu povo. Da mesma forma, Bittom tratou o judeu extremista que, em 1995, assassinou o então primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, quando o político tentava selar a paz com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

“Durante o dia, você tratava terroristas e de noite você chegava em casa e chorava”, disse o dentista ao jornal “The New York Times” numa entrevista este ano. “Uma vez, houve um ataque terrorista perto de onde meus pais moravam. Dezesseis judeus foram mortos. Quem não choraria de noite?”

Na época, Bitton dizia a si mesmo que, como um dentista, ele estava preso a seu juramento de cuidar das pessoas, sem se importar com a origem dela. Às vezes, era necessário se apegar às palavras que David Ben-Gurion, um dos arquitetos de Israel, transformou em seu mantra durante a fundação do país: “O Estado de Israel não será julgado por sua riqueza, nem pelo seu exército ou por sua tecnologia, mas por seu caráter moral e valores humanos”, afirmava o histórico líder sionista.

Um dos pacientes a passar por suas mãos foi Yahin Sinwar, o líder do Hamas morto nesta quarta-feira pelo exército israelense. Em 1989, quando tinha 27 anos, Sinwar foi condenado à prisão pela morte de quatro palestinos que o Hamas considerava suspeitos de colaborar com Israel na Faixa de Gaza.

Drone flagra momentos finais de líder do Hamas antes de ser morto pelo Exército israelense

O terrorista nascera num campo de refugiados no Sul de Gaza, para onde seus pais se mudaram após serem forçados a deixar sua terra natal durante a guerra travada entre árabes e judeus na fundação de Israel, em 1948. Estima-se que 700 mil palestinos tiveram de deixar suas casas no território onde, hoje, está o país judeu. Sinwar nunca escondeu que a sua infância cercada de miséria e sem perspectivas em um campo de refugiados estimulara nele o ódio a Israel e o levara a se juntar ao Hamas.

Nos anos 1980, o palestino chefiava uma unidade de segurança na Faixa de Gaza chamada Al Majd. O trabalho dele era encontrar e punir duramente os suspeitos de transgredir a moralidade islâmica ou de colaborar com membros do estado judeu. Durante um interrogatório após sua prisão em 1988, Sinwar confessou que tinha estrangulado um homem até a morte com as suas mãos e que usara um kaffiyeh para esganar outro. “Eles sabiam que mereciam morrer”, teria dito o terrorista no interrogatório.

Na prisão, Sinwar encontrou várias formas de continuar tramando contra Israel, enviando mensagens para líderes do Hamas por meio de advogados ou visitas e contrabandeando telefones celulares. Ele também ficou fluente em hebraico, graças a aulas on-line de uma universidade, e passou a devorar jornais israelenses para entender como pensavam seus adversários. Tão astuto quanto violento, o terrorista tinha o respeito de outros internos e, mesmo preso, expandiu sua influência no Hamas.

No início de 2004, Yuval Bittom viu colegas médicos cercando Sinwar no consultório do complexo de Beersheba. O detento parecia desorientado. O dentista chegou mais perto e perguntou o que estava havendo. Os dois já tinham se encontrado em outras ocasiões, na cadeia. Bittom tinha a confiança dos presos. Assim como o integrante do Hamas tinha aprendido hebraico, o israelense falava árabe.

Últimas imagens de Yahya Sinwar, morto em operação de Israel em Gaza — Foto: Reprodução
Últimas imagens de Yahya Sinwar, morto em operação de Israel em Gaza — Foto: Reprodução

Sinwar levantava-se para rezar e caía logo em seguida. Aparentava perder e retomar sua consciência em intervalos curtos. Mas, para o dentista, o sintoma que mais chamou atenção foi a dor na parte de trás do pescoço. Alguma coisa está errada com o cérebro dele, disse Bitton a seus colegas. O paciente precisava passar por exames em um hospital urgentemente.

O palestino foi levado às pressas para o Centro Médico de Soroka, onde médicos constataram que Sinwar tinha um tumor maligno e agressivo no cérebro. Ele foi submetido a uma cirurgia para remover o problema, que certamente o teria matado. “O tumor teria explodido”, garantiu Bitton ao “Times”.

Alguns dias depois, o dentista visitou Sinwar no hospital, juntamente com um agente carcerário. Eles encontraram o paciente na cama, com os sinais vitais monitorados e tomando soro intravenoso, mas acordado. “Sinwar pediu ao agente para explicar pra mim o que significava, no Islã, quando alguém salva a vida de outra pessoa. Ele queria que eu entendesse que ele devia a sua vida a mim”.

Os dois passaram a se encontrar com mais frequência na cadeia, para tomar chá e conversar. “As conversas não tinham nada de pessoal, eram apenas sobre o Hamas”, contou Bitton. Segundo o dentista, Sinwar conhecia o Alcorão a fundo e falava com muita convicção sobre as doutrinas de sua organização. “O Hamas vê a terra onde vivemos como a terra sagrada deles. Sinwar nunca acreditou na solução de dois estados, ele sempre dizia que o povo judeu não podia estar nestas terras”.

O terrorista deixou a prisão em 2011, como parte de um acordo que resultou na libertação de 1.027 prisioneiros palestinos e árabes israelenses em troca de um único refém israelense, o soldado Gilad Shalit, que tinha sido mantido refém pelo Hamas durante cinco anos. Sinwar foi aceito como um dos líderes do grupo assim que saiu da cadeia. Ele era considerado o arquiteto dos atentados do dia 7 de outubro de 2023, quando mais de 1,2 mil israelenses foram mortos e 240 foram sequestrados.

Em julho deste ano, Sinwar foi nomeado líder geral do Hamas, após o assassinato do chefe político Ismail Haniyeh num atentado em Teerã, no Irã. Ele vinha se escondendo das forças israelenses na Faixa de Gaza, até ser morto nesta quarta-feira durante uma operação militar no sul do território.

Na imagem fornecida ao The New York Times, Sinwar, à esquerda, e Yuval Bitton no complexo prisional de Beersheba — Foto: The New York Times
Na imagem fornecida ao The New York Times, Sinwar, à esquerda, e Yuval Bitton no complexo prisional de Beersheba — Foto: The New York Times

[Fonte Original]

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