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domingo, dezembro 22, 2024

A contabilidade climática revela o que podemos fazer

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A revolução industrial trouxe inovações que moldaram o mundo moderno. As grandes cidades floresceram como símbolos de progresso e o petróleo prometeu liberdade sobre rodas. A fumaça das chaminés, aparentemente inofensiva, dispersava-se no ar, enquanto prevalecia a crença de que a natureza absorveria pacientemente cada tonelada de gás liberada. No entanto, ao buscar prosperidade e conforto, inauguramos uma nova era geológica: a era do carbono. O acúmulo do carbono na atmosfera nos obriga a olhar a contabilidade climática, que nos revela o problema que precisamos enfrentar.

Assim como na contabilidade financeira, em que cada débito é compensado por um crédito, a contabilidade climática oferece uma nova perspectiva sobre o crescimento econômico. Durante séculos, ativos naturais como florestas e ecossistemas foram ignorados nas métricas econômicas, mas, como sumidouros de carbono, esses ativos funcionam como “créditos” climáticos, compensando parte das emissões humanas.

Vamos falar de números. Atualmente, florestas e oceanos removem, respectivamente, entre 30 e 33% e 20 a 22% das emissões globais de CO₂. Por isso a compensação climática por meio de créditos de carbono é uma ferramenta muito importante. Nos mercados voluntários, uma tonelada de CO₂ é negociada por valores entre 5 e 50 dólares; em mercados regulados, como o Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (ETS), o valor ultrapassa 80 euros. Para uma ideia da necessidade de neutralização, as emissões giram em torno de 38 bilhões de toneladas de CO2 por ano.

Esses mercados podem incentivar a preservação de florestas, como a Amazônia, que, sem intervenção, pode perder até 70% de sua cobertura, agravando ainda mais o aquecimento global. Além disso, o degelo das calotas polares pode liberar até 200 bilhões de toneladas de gases, intensificando o efeito estufa. Se a temperatura global subir para 4°C — um dos cenários projetados —, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo poderão se tornar inabitáveis durante parte do ano devido ao estresse térmico.

Desde 1850, foram emitidas entre 1,8 e 2 trilhões de toneladas de CO₂. Após a criação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em 1988, mais de 1 trilhão de toneladas foram adicionadas à atmosfera. Desde o Acordo de Paris, em 2015, acumulamos cerca de 300 bilhões de toneladas. Ou seja, não estamos reduzindo as emissões. A dificuldade de estabelecer uma coordenação global para diminuir as emissões é evidente, pois o benefício é muitas vezes intangível e difícil de ser percebido no curto prazo.

Por outro lado, muitos reconhecem o bem-estar proporcionado pelo contato com a natureza e as florestas desempenham um papel essencial no equilíbrio climático. Em média, cada árvore sequestra entre 10 e 20 kg de CO₂ por ano. Para compensar uma tonelada de emissões, são necessárias entre 50 e 100 árvores crescendo durante um ano, esforço que varia de acordo com as condições ambientais. Plantar árvores é uma alternativa mais agradável e eficaz do que simplesmente restringir emissões de maneira drástica.

Precisamos assumir um protagonismo ativo. Devemos contabilizar nossa pegada de carbono e plantar árvores! Somos mais de 200 milhões de brasileiros, se cada um plantasse uma árvore por ano sequestraríamos 4,47 milhões de toneladas de CO2 por ano, mas como? Percorra as estradas do país e encontrará terras desmatadas, muitas delas abandonadas, onde apenas alguns animais vagam. Sim, ao adquirir essas terras e com pouco esforço permitir o reflorestamento natural, veremos a natureza se regenerar. Realizei esse processo pessoalmente, inspirado pelo documentário de Sebastião Salgado, e relato essa experiência em meu site pessoal .

As empresas também devem seguir esse caminho, reflorestando e divulgando suas pegadas de carbono em seus balanços patrimoniais. Profissionais que trabalham com relatórios de sustentabilidade se engajarão na recuperação de florestas, mangues e biomas, colaborando com uma solução integrada.

A natureza tem um extraordinário poder de recuperação e a expansão das florestas oferece benefícios tanto econômicos quanto climáticos. Além de sequestrar carbono e mitigar o efeito estufa, as florestas asseguram estabilidade hídrica, fertilidade do solo e sustentabilidade agrícola. Elas também impulsionam empregos verdes, atraem investimentos sustentáveis e geram crescimento por meio de produtos não madeireiros e ecoturismo.

Projetos de restauração florestal têm o potencial de remover até 6 bilhões de toneladas de CO₂ por ano, se implementados em uma área de 6 a 7 milhões de km² de florestas. Embora tecnologias de captura de carbono possam complementar esses esforços, seus custos elevados — entre 200 e 500 dólares por tonelada — reforçam a importância de priorizar soluções baseadas na natureza.

O IPCC adverte que precisamos alcançar emissões líquidas zero até 2050. Reduzir emissões pode implicar desconforto — abrir mão de geladeiras e ar-condicionado, por exemplo. Estamos dispostos a fazer isso? Se não, por que não adotar um estilo de vida que reconecte com a natureza? Imagine uma semana de quatro dias úteis, com o quinto dedicado ao plantio de árvores. O impacto positivo desse esforço seria surpreendente, contribuindo para a neutralização do carbono e para a regeneração dos ecossistemas.

A transição para uma contabilidade climática vai além de uma simples questão técnica; é uma mudança paradigmática que redefine o valor dos recursos naturais e a lógica econômica. Integrar essas soluções em uma nova estrutura de contabilidade representa uma oportunidade única para alinhar prosperidade e sustentabilidade, evitando os custos irreparáveis de um futuro dominado pelas consequências do aquecimento global.

A restauração de ecossistemas, a transição para energias limpas e a implementação de políticas climáticas ambiciosas são fundamentais para garantir um futuro habitável e evitar que o planeta ultrapasse pontos de não retorno. Além disso, essa transformação é uma oportunidade para vencermos nossos condicionamentos egocêntricos e abraçarmos uma consciência sistêmica ampla e integrada com a natureza.

Claudio de Moraes é professor de Macroeconomia e Finanças do Coppead UFRJ. Doutor em Economia com ênfase em macroeconomia e Finanças. Atua no Banco Central do Brasil na área de estabilidade financeira, com experiência em regulação e supervisão bancária. Mantém projeto de pesquisa com pesquisadores da UPB Medellin-Colômbia e é Revisor de periódicos internacionais. Atualmente participa da coordenação de projetos de mestrado e doutorado que visam discutir soluções para a maior eficiência e segurança do sistema financeiro.

(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

[Fonte Original]

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