Apesar de haver 32 romances, duas novelas e um spin-off com três volumes na série literária protagonizada pelo detetive e psicólogo forense Alex Cross criado por James Patterson, a adaptação do personagem em forma de série pelo Prime Video não é diretamente baseada em nenhum deles. E isso talvez seja uma boa notícia, pois os três longas que foram produzidos tendo os livros como base – Beijos que Matam e Na Teia da Aranha, com Morgan Freeman, e A Sombra do Inimigo, com Tyler Perry – além de não serem muito bons, não foram, no agregado, exatamente grandes sucessos de bilheteria, algo que minha única experiência literária com Patterson (Erupção), facilmente minha pior leitura de 2024, só confirmou.
Óbvio que não posso julgar o prolífico autor americano com base em um romance apenas e, ainda por cima, um que ele terminou de escrever com base em manuscrito original de Michael Crichton, mas minha lembrança da leitura foi suficiente para eu já começar a temporada inaugural de Detetive Alex Cross (que teve uma segunda temporada confirmada antes mesmo da estreia da primeira) com muita má vontade, o que talvez tenha me levado a demorar a entrar no ritmo da narrativa que, porém, melhora substancialmente já a partir da metade do segundo episódio. A série, produzida pela Amazon na veia de seus sucessos recentes com Jack Ryan e Reacher, adaptações de famosas (e infinitas) séries literárias de ação, é, sob diversos aspectos, um bem-vindo retorno às obras realmente investigativas no estilo velha guarda que não dependem de grandes momentos de ação para funcionar, ainda que se apoie nos quase inafastáveis e inevitáveis clichês do gênero policial.
O primeiro destaque positivo na série é a intensidade da atuação de Aldis Hodge (talvez mais lembrado como o Gavião Negro, em Adão Negro) como o personagem do título, com o ator ganhando os holofotes que merecia para mostrar a que veio como um detetive brilhante, mas psicologicamente destruído pelo assassinato sem resolução, um ano antes, de sua amada esposa Maria (Chaunteé Schuler Irving). Não só vemos a fonte de seu trauma em um prólogo, como imediatamente percebemos como Cross foi marcado pelo ocorrido, recusando-se a lidar com a questão, o que leva ao segundo destaque positivo da temporada, que é a abordagem da internalização da dor e do trauma e as maneiras como eles podem corroer uma pessoa e afetar todos aqueles ao seu redor, inclusive e especialmente a família. E Ben Watkins, o showrunner, recusa-se a deixar essa linha narrativa morrer, mantendo-a, muito ao contrário, bem viva até o final dos oito episódios, com Hodge facilmente criando a melhor versão do personagem até agora, com uma mistura eficiente de comando de cena e fragilidade.
A história em si é dividida entre dois mistérios, um envolvendo um serial killer de métodos laboriosos de transformação de suas vítimas para, depois, executá-las, e outro de cunho pessoal em relação a Cross, que precisa lidar com alguém que constantemente o vigia e vigia sua família, com clara relação com o assassinato de sua esposa. Para evitar o acúmulo de mistérios, os roteiros, já no começo da temporada, revelam para nós quem é o serial killer e o que ele quer, o que também ajuda a integrá-lo na história, já que podemos também observar seu ponto de vista doentio. E, melhor ainda, o próprio Cross descobre quem ele é já na metade da temporada, transformando o que vem a seguir em uma ótima caçada franca contra o relógio. No lado pessoal, porém, o mistério é mantido até o episódio final, com algumas conveniências de roteiro que esfriam esse caso para dar destaque ao do serial killer e um encerramento que, apesar de tematicamente satisfatório, me pareceu um tanto quanto corrido e exagerado.
Em outras palavras, a temporada teria se beneficiado de um equilíbrio melhor entre os dois casos e, também, se tivesse evitado lidar com assuntos correntes da forma que lidou. Falo especificamente da desconfiança inicial da população negra local de que a primeira vítima do serial killer que vemos ter sido executada pela própria polícia, levando a protestos do Black Lives Matter e Defund the Police que, porém, claro, não passam de meras distrações iniciais e que, por isso mesmo, talvez não precisassem ser enfocados, já que diminuem o relevante movimento, transformando-o em mero artificio narrativo barato que, se formos espremer, sequer faz muito sentido narrativo na história maior dada a sofisticação do assassino e todas as circunstâncias que giram ao redor dele e de seus atos hediondos.
Da mesma maneira, a partir de determinada altura da temporada, há um aumento significativo de reviravoltas para prender a atenção do espectador, reviravoltas essas que não só são telegrafadas a todo o instante, detraindo de seu objetivo primordial, como acabam sendo trabalhadas muito a toque de caixa, reduzindo seu impacto e de todo o trabalho investigativo. Falando no trabalho investigativo, também não sou muito amigo dos “momentos brilhantes de dedução do grande Alex Ross”, em que toda a cena para – e algumas vezes escurece – para que o protagonista, então, possa juntar peças do quebra-cabeças e apresentar suas conclusões sobre determinado assunto. Essas sequências chegam ao ponto de ter seu melhor amigo e colega detetive John Sampson (Isaiah Mustafa) literalmente pedindo silêncio à plateia para que o grande momento ganhe o destaque que merece, sem que o showrunner perceba o quão teatral, artificial e até bobo isso parece.
O primeiro ano de Detetive Alex Cross, apesar dos pesares, funciona bem e entrega uma série detetivesca de qualidade – especialmente no lado da caçada do serial killer – que merece ser depurada e ter suas arestas aparadas já para a segunda temporada. Com um elenco de qualidade liderado por um Aldis Hodge que consegue ser tão assustador e inteligente quanto terno e empático, há muito potencial nessa abordagem eminentemente investigativa que vemos nesse começo das aventuras de seu perturbado personagem.
Detetive Alex Cross – 1ª Temporada (Cross – EUA, 14 de novembro de 2024)
Desenvolvimento: Ben Watkins (baseado na série de romances escrita por James Patterson)
Direção: Nzingha Stewart, Craig Siebels, Stacey Muhammad, Director X (Julien Christian Lutz), Carl Seaton
Roteiro: Ben Watkins, Aiyana White, Ron McCants, Sam Ernst, Blaize Ali-Watkins, Jim Dunn, Gary Lundy, Ali Salerno
Elenco: Aldis Hodge, Isaiah Mustafa, Juanita Jennings, Alona Tal, Samantha Walkes, Caleb Elijah, Melody Hurd, Jennifer Wigmore, Eloise Mumford, Ryan Eggold, Matt Baram, Mercedes de la Zerda, Johnny Ray Gill, Stacie Greenwell, Dwain Murphy, Siobhan Murphy, Jason Rogel, Chaunteé Schuler Irving, Sharon Taylor, Karen Robinson
Duração: 460 min. (oito episódios)