O governo da Espanha aprovou uma mudança legal para promover a regularização em massa de imigrantes no país e flexibilizar suas regras de imigração.
De acordo com as previsões do Ministério de Inclusão, Seguro Social e Migração, aproximadamente 900 mil estrangeiros em situação irregular vão poder legalizar sua situação no país nos próximos três anos, graças às mudanças aprovadas no Regulamento de Imigração.
Ao apresentar as mudanças, a ministra da pasta, Elma Saiz, disse que “o objetivo é reforçar e ampliar os canais de acesso à regularização de migrantes que estão na Espanha, para que eles possam levar uma vida plena como cidadãos”.
A reforma, informou a ministra, “representa um equilíbrio entre a extensão e proteção dos direitos dos indivíduos migrantes e o rigor jurídico e a atenção às necessidades da Espanha”.
A reforma coloca a Espanha na contramão de outros países, em um momento em que outros governos de nações desenvolvidas estão impondo restrições cada vez maiores à imigração.
De acordo com o governo, a mudança aprovada visa atender às demandas do mercado de trabalho e das empresas espanholas, assim como às necessidades dos migrantes.
O regulamento estabelece novas modalidades de “arraigo”, uma fórmula contemplada na legislação espanhola pela qual um estrangeiro em situação irregular na Espanha pode regularizar sua situação quando houver vínculos com o local onde ele reside, sejam eles econômicos, sociais, familiares, de trabalho ou educacionais.
Dezenas de milhares de estrangeiros em situação irregular na Espanha vão poder se beneficiar de uma das cinco novas modalidades de “arraigo” (social, sócio-ocupacional, familiar, socioeducacional e de segunda chance).
De acordo com os cálculos do governo espanhol, eles vão permitir a regularização de 300 mil pessoas por ano nos próximos três anos.
Mas a nova regulamentação também inclui a flexibilização e a simplificação de muitos procedimentos de imigração, assim como melhorias específicas para outros grupos de migrantes.
Ela oferece facilidades para que estudantes estrangeiros trabalhem na Espanha e facilita a residência no país europeu para estrangeiros que tenham um familiar que tenha obtido a nacionalidade espanhola.
De acordo com o comunicado à imprensa divulgado pelo Ministério da Inclusão, “a maioria das pessoas que vão se beneficiar” da nova regulamentação de “arraigo” familiar “são pessoas que obtiveram a nacionalidade espanhola e podem trazer sua família”.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, mais de 240 mil estrangeiros residentes na Espanha adquiriram a nacionalidade espanhola somente em 2023.
Os familiares de todos eles estão entre os possíveis beneficiários da mudança aprovada.
O novo regulamento também prevê o reagrupamento familiar na Espanha para casais que não sejam casados nem tenham união estável, mas que possam comprovar “uma relação afetiva análoga”.
Isso abre as portas para casais não heterossexuais que não estão autorizados a registrar-se como tal pelas leis do seu país de origem, o que ainda é o caso em países latino-americanos de onde vêm muitos imigrantes que vivem na Espanha, como o Peru.
As principais mudanças aprovadas
O novo Regulamento de Imigração estabelece ainda uma série de outras mudanças. Entre elas, estão:
– Abre as portas para a regularização de estrangeiros que já tiveram uma autorização de residência na Espanha, mas a perderam;
– Não será mais necessário sair do território espanhol para solicitar uma residência de longo prazo depois de ter tido uma residência temporária;
– O tempo de permanência na Espanha necessário para justificar o “arraigo” foi reduzido de três para dois anos;
– A duração do visto para procurar emprego foi ampliada de três meses para um ano;
– É permitido trabalhar desde o primeiro dia sem precisar solicitar a autorização específica que era exigida até agora;
– Os estrangeiros que estudam na Espanha também podem trabalhar até 30 horas por semana;
– Os estrangeiros que concluírem seus estudos na Espanha vão poder solicitar rapidamente um visto de trabalho assim que concluírem sua formação para se integrar ao mercado de trabalho espanhol;
– Os estrangeiros naturalizados espanhóis podem solicitar o reagrupamento familiar na Espanha com seus filhos estrangeiros de até 26 anos. Anteriormente, o limite de idade era 21 anos.
Por que a Espanha aposta na regularização de imigrantes
Enquanto outros países europeus e os Estados Unidos estão endurecendo suas políticas migratórias, a Espanha parece estar nadando contra a corrente nesta questão.
Na Itália, a primeira-ministra, Giorgia Meloni, está tentando fazer com que os tribunais italianos deem sinal verde para seu plano de enviar os solicitantes de asilo para a Albânia.
Mas o governo espanhol tem uma visão diferente do fenômeno migratório.
O chefe do governo da Espanha, Pedro Sánchez, disse durante uma viagem que o levou à Mauritânia, Gâmbia e Senegal em agosto que os migrantes representam “riqueza, desenvolvimento e prosperidade”.
“A contribuição dos imigrantes para a nossa economia é fundamental, assim como para a sustentabilidade do nosso sistema de seguro social e previdência”, afirmou Sánchez.
Embora um levantamento publicado pelo Centro de Pesquisas Sociológicas, em outubro, tenha mostrado que a imigração era o principal problema do país para os entrevistados, e a questão comece a ser alvo de controvérsia política, o governo espanhol vê nela uma oportunidade.
Em abril, o Congresso dos Deputados (a câmara baixa do país) admitiu a tramitação de uma iniciativa legislativa popular que, se aprovada, significaria ainda mais regularizações de estrangeiros.
Várias organizações apontaram o impacto da imigração no bom desempenho atual da economia espanhola.
Se as previsões de organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI) se concretizarem, será a economia desenvolvida que mais crescerá em 2024, à frente até mesmo dos Estados Unidos — e, de acordo com especialistas, a contribuição dos imigrantes está sendo significativa.
Estudos mostraram que os imigrantes ajudaram a aliviar a escassez de mão de obra em alguns setores particularmente pesados, como a agricultura, aumentaram a demanda e o consumo e contribuíram para a concorrência por meio da criação de pequenas empresas.
Além disso, de acordo com dados oficiais, 2,9 milhões de trabalhadores estrangeiros contribuem para o sistema de seguro social espanhol, representando 13,6% do total.
Dada a baixa taxa de natalidade da população nativa e seu consequente envelhecimento, a contribuição dos trabalhadores estrangeiros é fundamental para a manutenção do sistema público que, na Espanha, garante uma pensão de aposentadoria e outros benefícios.
Como disse à BBC Javier Díaz Giménez, professor de economia da escola de negócios IESE, a Espanha viveu um baby boom entre meados da década de 1950 e os anos 1970, mas isso foi seguido por uma queda acentuada nos nascimentos, de modo que esta geração está se aproximando da idade de se aposentar sem que haja trabalhadores suficientes para substituí-la.
“Os próximos 20 anos serão cruciais porque cada vez mais trabalhadores vão se aposentar”, afirmou Díaz-Giménez, lembrando que “de acordo com as projeções demográficas mais recentes, 14,1 milhões de trabalhadores vão se aposentar nesse período”.
Nesse sentido, um relatório publicado em abril pelo Banco da Espanha estimou que o país europeu vai precisar de 24 milhões de imigrantes para manter a proporção atual de trabalhadores ativos em relação aos aposentados.
E, de acordo com o Ministério da Inclusão, a Espanha perde cerca de US$ 17,95 bilhões por ano devido à “discriminação trabalhista e educacional da população estrangeira”.
Os atuais governantes estão convencidos de que regularizá-los é um bom negócio para a Espanha.