Os últimos dois meses foram marcados por eventos globais com objetivo de acelerar as ações ambientais de combate à crise climática e reversão da perda de biodiversidade, ao mesmo tempo de reduzir as desigualdades sociais.
Em Cali, aconteceu a COP16 da Biodiversidade que procurava dar continuidade sobre a implementação das metas do Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal, aprovado em 2022. No Rio de Janeiro, berço da agenda de desenvolvimento sustentável, reuniam-se os chefes de Estado do G20, as economias mais poderosas no mundo. Do outro lado do planeta, em Baku, acontecia a COP29 de Clima com o desafio de aprovar o mercado de carbono do Artigo 6, bem como aumentar o financiamento para os países em desenvolvimento alavancarem suas ações climáticas.
Apesar dos três eventos terem ocorrido em lugares diferentes, eles estavam conectados por um denominador comum: como acelerar a implementação de soluções efetivas tanto do ponto de vista científico quanto de amplitude de abrangência para não deixar ninguém para trás. Mas agora, com o término desses eventos, fica a dúvida se a palavra do dia é comemoração ou frustração em relação ao que foi atingido em cada um desses eventos.
Se considerarmos o contexto geopolítico global atual, pode-se dizer que avançamos na agenda (se é o suficiente ou não é uma outra questão). Por outro lado, se usarmos a referência do contador regressivo de limitar o aquecimento global à 1.5ºC, não avançamos o suficiente. No encerramento da COP29, a Câmara de Comércio Internacional (ICC), instituição que representa o setor privado em 170 países, deixou uma mensagem muito contundente para os representantes de governos presentes. “Vocês precisam entregar mais. Sabemos que isso é possível”.
Em Baku, a Nova Meta Quantificada Coletiva de Financiamento Climático (NCQG em inglês) de 300 bilhões de dólares anuais, apesar de triplicar o que havia sido definido em 2015, não são consistentes para entregar as metas do Acordo de Paris. O número mínimo apresentado por especialistas, como Sir Nicholas Stern, é de, no mínimo, 390 bilhões de dólares.
Países em desenvolvimento e nações especialmente vulneráveis a crises climáticas demandavam algo em torno de um trilhão de dólares. A eleição de Donald Trump, cuja gestão pode oficializar a saída do Acordo de Paris, deve dificultar ainda mais o atingimento da meta de 300 bilhões e demandará que a União Europeia, Reino Unido e China arquem com maior parte desse financiamento. Em Cali, a COP da biodiversidade, apesar dos avanços nas discussões, terminou sem um grande acordo.
Sem dúvida, um ponto positivo a ser destacado foi o papel protagonista que o Brasil voltou a ocupar, tendo destaque nas duas conferências. Em Cali, apresentando uma nova proposta para o mecanismo de informações de sequências digitais (DSI em inglês). Em Baku, ajudando a destravar a Nova Meta Quantificada Coletiva de Financiamento Climático. No G20, a diplomacia brasileira ficou evidente, seja ajudando a reverter a posição da Argentina – que ameaçava sair do Acordo de Paris – seja articulando uma declaração de líderes em meio a muitas resistências.
Muitas ações devem ser debatidas nos próximos meses até a COP30, em Belém, sendo que quatro temas devem ser o foco de atenção. O primeiro deles é que os países precisam entregar as revisões de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs em inglês). A maior preocupação é se o financiamento de 300 bilhões de dólares aprovado em Baku acabará limitando a revisão de metas que sejam mais ambiciosas.
O segundo é que, sob a presidência do Brasil, foi feito o lançamento este ano da Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia, incluindo a adoção dos 10 princípios de alto nível sobre bioeconomia. A África do Sul, que assume a presidência do G20 no próximo ano, já se comprometeu a manter esta iniciativa. Se acreditamos no potencial de soluções baseadas na natureza, por que não imaginar a bioeconomia no coração da economia global?
Da mesma forma, a agricultura regenerativa tem potencial enorme para contribuir positivamente tanto para as agendas de clima quanto de biodiversidade. Hoje apenas 2,5 a 4% do financiamento climático é destinado para agricultura e sistemas alimentares.
Segundo estimativas do Food System Economics Commission, precisamos de, pelo menos, 260 bilhões dólares anuais – que equivale a quase todo montante de financiamento aprovado em Baku. Precisamos encontrar soluções de diminuir os riscos de investimentos e destravar o financiamento, sobretudo para pequenos produtores e comunidades rurais.
O futuro dos mercados de carbono deverá ser o terceiro tema de atenção. O Projeto de Lei nº 182/2024 – que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (“SBCE”), recém aprovado pelo Congresso e submetido para sanção Presidencial, se conecta diretamente com as discussões sobre as regras de implementação do Artigo 6.
Por último, porém não menos importante, está o tema de eliminação dos incentivos e subsídios de combustível fósseis. Reino Unido, Nova Zelândia e Colômbia, se juntam a 13 países que trabalham na Coalização, desenvolvendo plano nacional de descontinuidade de subsídios para combustíveis fósseis (COFFIS em inglês).
O tema financiamento sempre foi o grande entrave, seja para questões relacionadas ao clima, seja para biodiversidade. Se o Fundo de Cali e a Nova Meta Quantificada Coletiva de Financiamento Climático não agradaram a todos, novos instrumentos precisam ser desenvolvidos e escalonados. Um dos instrumentos financeiros de destaque é o blended finance, que permite unir setores público-privado para alavancar recursos.
Na operacionalidade financeira, os bancos multilaterais de desenvolvimento terão um papel cada vez mais crucial. Mais do que nunca precisamos que eles sejam melhores, maiores e mais eficazes, inclusive para mobilizar mais investimentos do setor privado.
A crise climática é a apólice de seguro da humanidade, quanto mais demoramos para reduzir as emissões, maior será o custo a ser pago. Ações de curto, médio e longo prazo precisam ser executadas, planos de adaptação precisam fazer parte do modelo de gestão de todos os setores.
Sempre bom relembrar que, dentre as grandes economias, o Brasil é o que tem maiores chances de alcançar primeiro nas emissões líquidas zeradas (Net Zero). E para que isso aconteça, precisamos eliminar o desmatamento ilegal. Sabemos que o caminho não é simples e um consenso entre os países é extremamente difícil. No entanto, é nosso dever continuar ativamente trabalhando no tema, ajudando a fortalecer as colaborações e acelerar as ações.
- Keyvan Macedo é consultor sênior em mudanças climáticas e biodiversidade. Atua como vice-presidente da Câmara Global de Meio Ambiente e Energia da ICC ( International Chamber of Commerce). Já atuou como diretor de sustentabilidade da Natura&Co, foi membro do Conselho Consultivo Empresarial de Gestão da Biodiversidade da WWF e trabalhou na Unilever. Formado em Engenharia pelo Instituto Mauá de Tecnologia, possui especialização em Gestão e Estratégia de Empresas e Marketing Organizacional pela Universidade Estadual de Campinas, e Gestão para o Baixo Carbono pela Fundação Getúlio Vargas.
- Gabriella Dorlhiac é diretora executiva da ICC Brasil. Ela ingressou na organização em 2017 como Senior Policy Advisor e ocupou a posição de Head of Policy. Anteriormente, foi diretora executiva do Instituto de Relações Internacional e Comércio Exterior (IRICE) em São Paulo. Em Washington D.C., foi senior director na Albright Stonebridge Group.É formada em Comunicação pela PUC-SP e possui mestrado em Estudos de Segurança pela Georgetown University.
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