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sábado, dezembro 21, 2024

Regulação do mercado de carbono ajuda, mas não é ‘bala de prata’ para descarbonização

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O mercado regulado de carbono é um passo importante rumo à descarbonização da economia brasileira e ao cumprimento de metas nacionais de redução de emissões acordadas no Acordo de Paris. Porém, ele não é uma “bala de prata”, solução única para o Brasil atinja suas metas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) acordadas no âmbito do Acordo de Paris. Mesmo assim, ele é uma peça importante em uma grande engrenagem de inciativas que, juntas, precisam rodar para que o país não apenas alcance o status de net zero – quando as emissões líquidas chegam a zero – mas também possa ser provedor de soluções para outros países seguirem pelo mesmo caminho. Foi esse o principal recado que representantes do setor público e privado, advogados e especialistas passaram durante o “Fórum Valor Mercado de Carbono no Brasil”, evento organizado pelo jornal Valor Econômico para discutir a nova lei, suas nuances, desafios e seu potencial.

O governo federal sancionou na última semana a Lei 15.042/2024, que estabelece as regras para criação do mercado regulado de carbono no Brasil, a partir da criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O Brasil vai implementar o mecanismo de cap and trade, que coloca limitação de emissões a grandes emissores e estabelece um comércio de permissões de emissões (quem ultrapassar a cota, pode comprar de quem está com crédito).

Pelo texto, empresas que emitirem mais de 10 mil toneladas de CO2e por ano deverão reportar suas emissões, enquanto aquelas com mais de 25 mil toneladas serão obrigadas a reduzi-las.

“O setor industrial é bastante importante no mercado de carbono”, comenta David Bomtempo, Superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confereração Nacional da Indústria (CNI). O mercado regulado de carbono no Brasil vai abranger basicamente setores industriais, uma vez que o agronegócio acabou ficando de fora do PL, assim como em outros países, pela dificuldade de contabilização de emissões de remoção de carbono.

Bomtempo explica que desde 2014 o Banco Mundo e o Ministério da Fazenda sentaram juntos para definir a melhor forma de precificar as emissões no Brasil e passaram a trabalhar em um modelo que melhor e adapta ao país. Isso resultou, segundo o executivo, em uma estratégia própria de descarbonização que vem sendo proativamente implementada e ganhou fôlego este ano com iniciativas para incentivar a indústria verde, como a lei que incentiva ‘combustíveis do futuro’, regulações de economia circular e agora o mercado de carbono.

“O mercado de carbono, em conjunto com programas de eficiência energética, expansão de renováveis, com programas para atrair novas tecnologias, desenvolver o hidrogênio verde e captura de carbono, além da valorização de biocombustíveis, tem uma agenda bastante propositiva”, diz.

Contudo, o próprio executivo da CNI reforça que a indústria sozinha não faz verão, uma vez que só representa, no Brasil, cerca de 15% das emissões de gases de efeito estufa. “Não é bala de prata.”

Estão previstos dois anos para o governo regulamentar os detalhes do seu funcionamento. Mas, para o professor do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVCes) Guarany Osório, dificilmente o mercado regulado começar a valer antes de quatro anos, considerando que ainda precisará ser acordado o plano de alocação de metas de cada setor, a definição da governança e fiscalização, a aprovação de quais metodologias de projetos de carbono poderão ser certificadas, entre outros detalhes.

“O primeiro desafio é a lei ‘pegar’. Como o Herman [ Herman Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça, que participou do evento] comentou, não é pequeno o histórico no Brasil de leis no campo ambiental que passam, mas não ‘pegam’”, comenta.

Fórum Valor tratou sobre o tema do Mercado Regulado de Carbono com presença de autoridades públicas, empresários, especialistas e acadêmicos — Foto: Valor Econômico

Para a regulação se tornar, de fato, operacional e ser efetiva, destaca Osório, a legislação precisará “de um esforço gigante” para fazer as mudanças internas necessárias nas práticas, regulações e políticas públicas vigentes, além de ter clareza sobre o funcionamento do SBCE e sua seriedade. “É preciso cuidar da governança para que seja robusta.”

O professor da FGV lembra que as definições que faltam da lei precisarão ser blindadas dos múltiplos interesses setoriais e políticos. “Tem que ter um governo muito forte para não deixar passar metodologias fracas. Pelo contrário: o mercado regulado, por ter um carimbo e auditoria a mais, do governo, precisa ter mais regulação mais forte que o mercado voluntário, para garantir transparência e integridade ambiental em primeiro lugar”, diz. Isso é necessário para que o Brasil tenha credibilidade e consiga, se quiser, acessar mercados internacionais no futuro.

Guarany Osório participou do painel sobre a interoperabilidade entre os mercados regulado e voluntário, previsto na nova legislação. Na prática, os projetos de crédito no mercado voluntário poderão submeter seus ativos para serem vendidos no mercado regulado a empresas que ultrapassarem seu teto de emissões permitidas. A partir do momento em que “entram” no mercado regulado, serão comercializados sob o nome de Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). As metodologias, porém, ainda devem ser analisadas e aprovadas pelo SBCE.

Laura Albuquerque, diretora na Future Climate Group, comentou no mesmo painel que o mercado europeu, um dos mais antigos e bem estruturados do mundo, usou em seus anos iniciais o mecanismo da interoperabilidade para dar maior flexibilidade para as empresas fazerem sua transição energética com mais tranquilidade e tempo.

“Hoje, o mercado regulado europeu já está na quarta fase. Foram anos até chegar ao ponto de não ter mais a interoperabilidade com o mercado voluntário. Mas, ele nasceu com essa permissão de offsetting”, comenta.

Alburquerque lembra que não há, porém, um consenso no mundo sobre o percentual permitido de compra de créditos no mercado regulado. O risco é flexibilizar demais e acabar desincentivando as empresas a investirem em redução de suas emissões, ou seja, investimentos em novas tecnologias, eficiência, troca de matriz energética, entre outras iniciativas. Segundo a executiva, há casos de países que permite a compensação de 5% do excedente de emissões; outros 20% e tem até os que permitem 100%. “Em média, estamos falando de 20%”, traz. Para ela, esse equilíbrio é a chave para o sucesso da implementação da interoperabilidade.

“Entre os aprendizados dos mercados já vigentes, é exatamente essa responsabilidade de assegurar a quantidade de permissões que é o ponto mais chave para buscar o equilíbrio para este mercado”, comenta. Ela reitera ainda que outro aspecto que o Brasil precisará decidir é se quer valorizar os projetos locais e cita o caso da China, que permite offsetting, mas apenas de créditos domésticos. “O importante é olhar para diferentes experiências e entender o que queremos valorizar e o que queremos que nosso mercado valorize para alavancar.”

Janaína Dallan, co-CEO da Carbonext, presidente da Aliança Brasil NBS, outra palestrante do tema, pontua que o mercado regulado no Brasil ainda é pequeno e não justifica a preocupação que alguns atores manifestaram com a possibilidade de ele vender no sistema regulado. “O mercado voluntario já existe, está consolidado e hoje a maioria das vendas é para o exterior e não para o Brasil”, diz.

Ela cita que o Brasil tem 2 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa e, desses, 300 milhões vem da indústria, ou seja, é o escopo da regulação. Se a permissão de offsetting for de até 20%, seriam 40 milhões de toneladas, um volume baixo. “Vamos nos preocupar em como essas indústrias e setores regulados vão fazer a transição de forma coerente. O percentual [de offsetting] é pequeno. Vamos nos preocupar com o que é grande”

Dallan também é enfática em dizer que a participação da sociedade civil nas discussões sobre a regulação nos próximos anos é fundamental. Como membro da Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (CONAREDD+), ela reforça que órgãos como este terão um papel crucial na definição de metodologias que serão aceitas no mercado voluntario, mas é preciso cobrar que haja entregáveis bem definidos, prazos de entregas e datas limites para acelerar o processo e não deixar para muito longe a implementação efetiva do mercado regulado. A pressão da sociedade civil, diz, é fundamental para agilizar as coisas.

Ainda no Fórum Valor de Mercado de Carbono, que aconteceu presencialmente em São Paulo nesta segunda-feira (16) com transmissão paralela pela internet, outros importantes temas ligados ao assunto foram abordados, tais como a segurança jurídica que a nova lei traz e que pode impulsionar os investimentos de empresas em redução e projetos voluntários de carbono; o desafio de achar o equilíbrio do percentual das emissões que poderá ser compensado com a compra de crédito do mercado voluntário; a precificação de cotas de emissões dos setores que poderão ser comercializadas, assim como os valores dos Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), vindos do mercado regulado; a preocupação com a integridade dos projetos, que devem incluir também o desenvolvimento social; e a importância de garantir transparência e governança série à área.

No primeiro painel, direcionado para explicar a nova legislação do setor, a Lei 15.042, aprovada pelo Congresso em 19 de novembro e sancionada pelo presidente da República em 12 de dezembro, o deputado Aliel Machado (PV/PR), que foi relator do projeto na Câmara, reforçou que a legislação pode ampliar a proteção ao meio ambiente e ajudar na emergência climática, ao lado de outros instrumentos, como a remuneração por boas práticas ambientais.

Cita com entusiasmos as previsões da consultoria McKinsey, que apontam para um crescimento de 15 vezes até 2030 da demanda por créditos de carbono no cenário global e 100 vezes mais até 2050 no mercado voluntário, saindo de US$ 1 bilhão em movimentação financeira em 2021 para US$ 50 bilhões em 2030.

Machado acredita que o setor poderá posicionar o país como um provedor global de soluções de compensação de emissões e movimentar a economia nacional. “Um estudo do Ministério da Fazenda mostra que, entre 2030 e 2040, o mercado pode ter impacto de 5,8% no PIB brasileiro, gerando até 4 milhões de empregos. Cerca de 20% das terras produtivas legais do Cerrado podem optar pelo mercado de carbono e não pela atividade poluente”, diz.

Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a regulação do Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE) pode ser, futuramente, a porta de integração do mercado global de carbono.

“Nesse primeiro momento, no entanto, pensamos o instrumento mais como um mecanismo para regular preços para o mercado regulado, fazer o ‘offset’ [recompensa]. Se o preço do mercado regulado começar a ficar muito caro, o CRVE vai ajudar a equilibrar esse preço”, afirmou Mello. Para ele, o modelo adotado pelo Brasil dialoga com o que está sendo feito no mundo “e prepara o Brasil para o momento de internacionalização dos mercados de carbono, que certamente está perto”.

Ana Toni, secretária de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), reforçou que vê um potencial relevante para o país também no mercado internacional, uma vez que, em paralelo à aprovação da regulação aqui, os países signatários do Acordo de Paris também aprovaram na conferência do clima da ONU (COP 29) em Baku, no Azerbaijão, o Artigo 6, que instituiu o comércio global de créditos. Em ambos os casos – aqui e no mundo – ainda há muitos detalhes a serem apresentados e aprovados, mas não deixa, segundo ela, de ser uma boa notícia.

A questão, reforçou, é que a busca pela integridade dos projetos de crédito de carbono será importante para que ele dê certo. “Temos que assegurar a integridade, porque, sem integridade, o mercado pode ser péssimo para a mudança do clima. Pode-se vender créditos de carbono sem valor nenhum em termos de perspectiva climática”, diz.

[Fonte Original]

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