A Ucrânia vai começar 2025 mergulhada em incertezas a respeito do conflito no qual enfrenta a Rússia há dois anos e dez meses, devido a derrotas no campo de batalha em 2024 e mudanças políticas em países aliados que colocam em xeque sua capacidade de seguir respondendo à invasão russa.
O ano que está chegando ao fim foi marcado por fatores que deram esperança aos ucranianos, como a surpreende incursão na região russa de Kursk, iniciada em agosto; a chegada dos primeiros caças F-16, de fabricação americana (embora a maioria esteja prometida por aliados apenas para 2025); a autorização dos Estados Unidos e do Reino Unido para utilizar armas de longo alcance fornecidas pelos dois países contra alvos distantes dentro do território russo; e ações ousadas, como a morte do tenente-general Igor Kirillov, chefe das Forças de Defesa Nuclear, Biológica e Química da Rússia, numa explosão em Moscou no último dia 17, e um ataque com drones à região de Kazan.
Entretanto, analistas ponderam que a chegada dos F-16s e a autorização para o uso de armas de longo alcance vieram tarde demais e não são capazes por si sós de mudar os rumos da guerra, que estão nitidamente favoráveis aos russos.
Até recentemente, a Ucrânia falava que só aceitaria negociar com os russos se estes deixassem as áreas que ocupam no leste do país. Porém, nas últimas semanas, esse discurso vem mudando.
Após a vitória de Donald Trump na eleição americana, em novembro, o presidente Volodymyr Zelensky disse que “é certo que a guerra terminará mais cedo com as políticas da equipe que agora liderará a Casa Branca”. “Esta é a abordagem deles, a promessa deles aos seus cidadãos”, afirmou, numa entrevista à emissora ucraniana Suspilne.
Depois, admitiu ceder, ao menos temporariamente, as áreas hoje ocupadas pela Rússia, sob a condição de que a Otan proteja regiões ucranianas sob domínio de Kiev, ainda que o país não integre a aliança.
“Se quisermos parar o estágio quente da guerra, devemos proteger sob o guarda-chuva da Otan o território da Ucrânia que temos sob nosso controle”, disse, em entrevista à emissora britânica Sky News no fim de novembro.
“É isso que precisamos fazer rapidamente, e então a Ucrânia pode recuperar a outra parte de seu território diplomaticamente”, acrescentou.
Já em dezembro, afirmou que, em conversas com Trump e o presidente francês, Emmanuel Macron, discutiu o “congelamento” das atuais frentes de batalha, nas quais a Rússia domina total ou parcialmente as regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia. Desde 2014, já controlava a península da Crimeia.
A mudança de discurso de Zelensky não ocorre apenas devido aos ganhos russos em 2024, mas porque Alemanha e França, as duas maiores potências militares da União Europeia, vivem crises políticas que colocaram o apoio aos ucranianos em segundo plano e porque não se sabe ainda qual será a postura de Trump sobre o conflito.
O republicano sempre criticou os gastos do governo americano com a ajuda à Ucrânia e prometeu durante a campanha presidencial que chegaria a um acordo para dar fim à guerra antes da sua posse, em 20 de janeiro, compromisso que renovou após a eleição.
Entretanto, a cerca de três semanas dele voltar à Casa Branca, nenhuma proposta oficial surgiu. O tenente-general reformado Keith Kellogg, que foi chefe de gabinete do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca durante o primeiro mandato de Trump (2017-2021), apresentou durante a campanha um plano que bloquearia a assistência militar dos Estados Unidos caso Kiev se recuse a iniciar negociações de paz com a Rússia.
A proposta estabelece um cessar-fogo durante as negociações de paz baseado nas linhas de batalha que estão prevalecendo atualmente no conflito – ou seja, com Moscou mantendo as áreas invadidas no leste ucraniano.
Em artigo publicado este mês no site The Conversation, Stefan Wolff, professor da área de segurança internacional da Universidade de Birmingham, escreveu que a Ucrânia inicia 2025 “sem boas opções e com poucos aliados confiáveis”. Por ora, a maior preocupação é impedir um prejuízo ainda maior.
“O melhor que a Ucrânia pode esperar é ganhar tempo. Zelensky precisará acalmar Trump. Ele precisará estar aberto à ideia de negociações com a Rússia, ao mesmo tempo evitando um colapso das linhas de frente antes que um cessar-fogo possa ser alcançado”, disse Wolff.
“Se a Europa, nesse meio tempo, levar a sério sua própria defesa, isso pode finalmente levar a UE e os aliados europeus de Kiev na Otan a se manterem por conta própria e fornecerem ao continente, e à Ucrânia, uma dissuasão confiável contra a Rússia. Até agora, eles falaram bonito. Em 2025, precisarão provar que podem cumprir o que falam”, acrescentou.