- Author, Hugo Bachega
- Role, Correspondente da BBC News no Oriente Médio
A estrada para Idlib, um recanto remoto no noroeste da Síria, ainda tem os sinais das antigas linhas de frente de combate: trincheiras, posições militares abandonadas, projéteis de foguetes e munição.
A partir de Idlib, rebeldes liderados pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) lançaram uma ofensiva surpreendente que derrubou o presidente Bashar al-Assad — e pôs fim à ditadura de cinco décadas de sua família na Síria.
Como resultado, eles se tornaram, na prática, as autoridades do país — e parecem estar tentando levar sua forma de governar para o resto da Síria.
No centro da cidade de Idlib, as bandeiras da oposição, com uma faixa verde e três estrelas vermelhas, estavam sendo hasteadas em praças públicas e agitadas por homens e mulheres, idosos e jovens, após a queda de Assad. Grafites nas paredes comemoravam a resistência contra o regime.
Embora os prédios destruídos e as pilhas de entulho fossem uma lembrança da guerra não tão distante, as casas reformadas, as lojas recém-abertas e as estradas bem conservadas eram a prova de que algumas coisas haviam, de fato, melhorado. No entanto, havia reclamações sobre o que era visto como um governo linha dura por parte das autoridades.
Quando visitamos a cidade no início desta semana, as ruas estavam relativamente limpas, os sinais de trânsito e os postes de iluminação funcionavam, e havia policiais nas áreas mais movimentadas. Coisas simples que não existem em outras partes da Síria — e que são motivo de orgulho aqui.
O HTS tem suas origens na Al-Qaeda, mas, nos últimos anos, tem tentado ativamente se reposicionar como uma força nacionalista, se distanciando do seu passado jihadista, e com a intenção de derrubar Assad.
Enquanto os combatentes marchavam para Damasco no início deste mês, seus líderes falavam sobre a construção de uma Síria para todos os sírios.
No entanto, o grupo ainda é descrito como uma organização terrorista pelos EUA, pelo Reino Unido, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outros países, inclusive a Turquia, que apoia alguns rebeldes sírios.
Em 2017, o grupo assumiu o controle da maior parte desta região, onde vivem 4,5 milhões de pessoas, oferecendo estabilidade após anos de guerra civil.
A autoridade administrativa da província, conhecida como Governo da Salvação, controla a distribuição de água e eletricidade, a coleta de lixo e a pavimentação de estradas.
Os impostos cobrados de empresas, agricultores e travessias para a Turquia financiam seus serviços públicos, assim como suas operações militares.
“Sob Assad, costumava-se dizer que Idlib era a cidade esquecida”, afirma o cardiologista Hamza Almoraweh, enquanto atende pacientes em um hospital instalado em um antigo depósito dos correios.
Ele se mudou de Aleppo com a esposa em 2015, quando a guerra se intensificou, mas não estava planejando voltar, mesmo com a cidade sob controle dos rebeldes.
“Vimos muito desenvolvimento aqui. Idlib tem muitas coisas que não tinha sob o regime de Assad.”
Ao moderar seu tom, buscando obter reconhecimento internacional em meio à oposição local, o HTS revogou algumas das rígidas regras sociais que havia imposto quando chegou ao poder, incluindo códigos de vestimenta para as mulheres e a proibição de música nas escolas.
E algumas pessoas citam protestos recentes, inclusive contra os tributos impostos pelo governo, como prova de que um certo nível de crítica é tolerado, em contraste com a repressão de Assad.
“Não é uma democracia plena, mas há liberdade”, afirma o ativista Fuad Sayedissa.
“Houve alguns problemas no começo, mas, nos últimos anos, eles têm agido de uma maneira melhor, e estão tentando mudar.”
Nascido em Idlib, Sayedissa agora vive na Turquia, onde dirige a organização não governamental Violet. Assim como para milhares de sírios, a queda de Assad permitiu que ele visitasse sua cidade natal novamente — no caso dele, pela primeira vez em uma década.
Mas também foram realizadas manifestações contra o que alguns dizem ser um governo autoritário. Para consolidar o poder, afirmam os especialistas, o grupo atacou extremistas, absorveu rivais e prendeu oponentes.
“Como o governo vai agir em toda a Síria é uma história diferente”, diz Sayedissa.
A Síria é um país diverso e, após décadas de opressão e violência perpetradas pelo regime e seus aliados, muitos estão sedentos por justiça.
“As pessoas ainda estão comemorando, mas também estão preocupadas com o futuro.”
Tentamos entrevistar uma autoridade local, mas fomos informados que todos tinham ido a Damasco para ajudar no novo governo.
A uma hora de carro de Idlib, no pequeno vilarejo cristão de Quniyah, os sinos da igreja tocaram pela primeira vez em uma década, em 8 de dezembro, para comemorar a queda de Assad.
A comunidade, próxima à fronteira com a Turquia, foi bombardeada durante a guerra civil, que começou em 2011, quando Assad reprimiu com violência protestos pacíficos contra ele — e muitos de seus moradores fugiram.
Apenas 250 pessoas permaneceram.
“A Síria está melhor desde a queda de Assad”, diz o frei Fadi Azar.
A ascensão islâmica levantou, no entanto, o temor de que as minorias, incluindo os alauítas, como Assad, possam estar em risco, apesar das mensagens do HTS assegurando aos grupos religiosos e étnicos que eles seriam protegidos.
“Nos últimos dois anos, eles [HTS] começaram a mudar… Antes, era muito difícil”, observa o frei.
As propriedades foram confiscadas, e os rituais religiosos restringidos.
“Eles deram [à nossa comunidade] mais liberdade, convocaram outros cristãos que eram refugiados a voltar para pegar suas terras e casas.”
Mas será que a mudança é genuína? É possível confiar neles?
“O que podemos fazer? Não temos outra opção”, ele responde.
Perguntei a Sayedissa, o ativista, por que até mesmo os oponentes relutavam em criticar o grupo.
“Eles agora são os heróis… [Mas] temos limites. Não permitiremos ditadores novamente, Jolani ou qualquer outro”, ele disse, referindo-se a Ahmed al-Shara, o líder do HTS que abandonou seu nome de guerra, Abu Mohammad al-Jolani, depois de chegar ao poder.
“Se eles agirem como ditadores, as pessoas estarão prontas para dizer não, porque agora elas têm sua liberdade.”