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quinta-feira, dezembro 12, 2024

‘Chip da beleza’: quais implantes hormonais estão proibidos no Brasil? E quais têm indicação? Entenda após novas regras da Anvisa

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Após um apelo das principais sociedades médicas do país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mudou as regras referentes aos implantes hormonais manipulados no Brasil. Na prática, proibiu aqueles com finalidades estéticas, para desempenho esportivo e ganho de massa muscular, e manteve liberados os para tratamentos médicos. Porém, estabeleceu novas regras para tornar mais rígida a prescrição e venda e vetou qualquer propaganda sobre implantes hormonais manipulados no país, sejam eles permitidos ou não.

Os implantes são uma modalidade de terapias com hormônios – que também podem ser feitas de forma oral, com injeção, geis tópicos, entre outras vias de aplicação. No caso dos “chips”, eles são inseridos sob a pele e liberam aos poucos a substância ao longo do tempo, muitas vezes por meses ou até anos, o que os tornam mais práticos e ganham apelo entre determinados públicos.

No entanto, o único implante que foi desenvolvido pela indústria farmacêutica e aprovado pela Anvisa como medicamento, após a análise de estudos clínicos que comprovaram eficácia e segurança, é o chamado Implanon. Ele utiliza o hormônio etonogestrel e tem como finalidade apenas o uso anticoncepcional.

A questão que tem acendido o alerta de entidades médicas e da agência sanitária é sobre os implantes que são feitos em farmácias de manipulação. Isso porque a legislação brasileira permite que esses locais manipulem formulações personalizadas, o que abriu caminho para a venda dos produtos com os mais diversos fins.

— Toda medicação passa por um rigoroso processo de análise para ser aprovada, mas as farmácias de manipulação podem produzir qualquer substância que tenha esse registro na Anvisa em outros formatos. Por exemplo, se existe um comprimido de determinada substância, ela pode fazer um implante com ela — explica Maria Celeste Wender, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

No entanto, ela, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), conta que há questões técnicas relacionadas ao implante que tornam a sua manipulação mais delicada em relação a outros medicamentos:

— Os hormônios agem em inúmeros locais do organismo, então a sua prescrição precisa ser mais cuidadosa. E precisamos ter o controle de que o implante vai continuar liberando por todo o tempo indicado a medicação. E isso não tem muitas pesquisas com esses implantes de manipulação. O que nós sabemos é que eles podem levar a níveis altos do hormônio no sangue por essa dificuldade técnica e, uma vez inseridos, não conseguimos retirá-los.

Ainda assim, o principal problema tem sido a prescrição excessiva com indicações não médicas, que muitas vezes envolvem manipulações com doses elevadas de hormônios para fins estéticos, de ganho de massa muscular e desempenho esportivo – o que não conta com respaldo científico sobre eficácia e, especialmente, segurança.

Os produtos ficaram conhecidos como “chip da beleza” e são amplamente divulgados, até mesmo por celebridades. Mas os efeitos desse mau uso, por vezes graves, têm chegado com frequência aos consultórios de especialistas, alerta Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM):

— Foi se criando toda uma linha de implantes com as mais diversas substâncias e hormônios. Temos relatos de eventos tromboembólicos, como trombose, aumento de coagulação, alteração de pressão. Efeitos psiquiátricos, cardiológicos, hepáticos, renais. Além de efeitos mais leves em mulheres, como alteração na voz, crescimento de pelos na face, queda de cabelo, crescimento do clitóris, acne. Então tem toda uma série de riscos e efeitos adversos importantes.

Para ele, um dos motivos que impulsionou o uso desses implantes indevidos no Brasil foi a intensificação da divulgação em mídias sociais: — Observamos investimentos de marketing e que, nessas propagandas, as indicações são especialmente para finalidades não médicas. São demandas que as pessoas têm, porque querem viver melhor, mas esse mercado se aproveita desse desejo e leva as pessoas a riscos que muitas vezes desconhecem.

Entre os hormônios utilizados com esses fins, estão a testosterona, a gestrinona, a oxandrolona, a nandrolona e outros com efeito androgênico que os colocam na categoria de esteroides anabolizantes, assim como os popularmente conhecidos como “bomba” pelo uso injetável entre pessoas que buscam a hipertrofia de modo inadequado.

— Esses esteroides anabolizantes são medicações similares à testosterona, mas que precisam ser utilizadas em doses muito altas para promover esse ganho de massa muscular e de performance. E nessas doses, aumentam em muito o risco de problemas sérios. Provocam uma atrofia cortical e do desenvolvimento de outras regiões do cérebro, por exemplo. Esses riscos não são previsíveis e às vezes são irreversíveis — explica Andréa Fioretti, coordenadora do ambulatório de Endocrinologia do Exercício da Unifesp, serviço de referência para pacientes com sequelas de anabolizantes e vice-presidente do Departamento de Endocrinologia do Exercício da SBEM.

Há casos ainda de “chips da beleza” com hormônios como a ocitocina, que levou duas mulheres saudáveis a serem internadas em unidades de terapia intensiva recentemente. O episódio deixou os médicos em alerta, lembra Maria Celeste, da Febrasgo:

— A ocitocina é produzida principalmente pela mulher porque tem um papel importante na contração do útero durante o parto e na amamentação. Mas começaram falas nas redes sociais de que seria o hormônio do prazer, do bem-estar, o que tem zero evidências científicas. Essas mulheres foram internadas com um edema cerebral porque a ocitocina tem um efeito similar ao hormônio antidiurético, que faz com que a gente retenha líquidos. Isso leva ao acúmulo, e o órgão que mais sofre com isso é o cérebro.

Por isso, as entidades médicas têm se engajado pedindo regras mais rígidas para os implantes hormonais manipulados. A primeira reação veio em abril de 2023, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu médicos de prescreverem tratamentos com esteroides androgênicos e anabolizantes para as finalidades estéticas e esportivas.

Já agora, em outubro, a Anvisa também atendeu aos pedidos das sociedades médicas e levou a proibição mais longe: não apenas os implantes hormonais não podem ser prescritos para esses casos, como também não podem ser manipulados, vendidos e usados em território brasileiro. Além disso, criou regras para tornar mais rígida a prescrição dos itens.

Em primeiro lugar, determinou que apenas poderão ser manipulados implantes com insumos farmacêuticos ativos (IFA) que já tiveram eficácia e segurança avaliadas pela agência e que tenham sido devidamente registrados. Também tornou obrigatória a apresentação de receita de controle especial para a compra, que deverá ser registrada pelas farmácias de manipulação no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC).

O médico que prescrever o implante, por sua vez, deverá inserir na receita médica o código CID da condição clínica a ser tratada com aquela formulação. A prescrição deverá estar acompanhada de um Termo de Responsabilidade/Esclarecimento assinado pelo médico, pelo paciente e pelo responsável da farmácia de manipulação.

A Anvisa disse ainda que dará continuidade ao programa de fiscalização de farmácias que manipulam os implantes hormonais para verificar se as regras estão sendo seguidas e tornou obrigatória a notificação de eventos adversos pelos profissionais de saúde e pelas farmácias de manipulação.

Marianne Pinotti, doutora em Obstetrícia e Ginecologia pela Universidade de São Paulo (USP) e cirurgiã do Grupo de Oncologia mamária e pélvica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, diz que a medida é importante justamente para conter o abuso referente aos implantes. Mas destaca que, quando utilizados corretamente, há indicações médicas importantes:

— Terapia hormonal de reposição na menopausa é a indicação mais usada. As mulheres têm uma baixa de hormônios nessa época e sofrem com muitos sintomas. A reposição é algo que já fazemos desde a década de 80, mas que fomos melhorando. Hoje, o ideal é fazermos por via de absorção direta, que são cremes e geis que passamos na pele, uso de injetáveis e o implante. Eles são colocados uma vez ao ano ou a cada seis meses. É uma forma prática e com bons resultados se usada corretamente. O problema é o uso indevido, com doses altíssimas, que levam aos inúmeros riscos à saúde.

A farmacêutica Carla Hartmann, de 51 anos, utiliza há dois anos um implante para reposição hormonal após ter entrado na menopausa. A indicação veio depois que os sintomas começaram a afetar o seu dia a dia, até mesmo no ambiente de trabalho, conta a moradora de São Paulo:

— Comecei a me deparar com algo que foi um divisor de águas. Sintomas como os fogachos, os calores intensos, suores, principalmente à noite, que estavam afetando demais a minha qualidade de sono, o meu desempenho nas minhas tarefas cotidianas, minha atenção no laboratório. Tentei outros tratamentos, mas nenhum deu certo. O implante melhorou os sintomas e me deu mais disposição. Mas tenho um acompanhamento, faço o uso adequado e com uma dose baixa. Até porque tenho alopecia androgenética, que é hormonal, então não posso usar qualquer implante.

Carla Hartmann faz uso de implante hormonal para reposição devido a sintomas fortes da menopausa, uma das indicações que é permitida. — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Quem também se beneficiou com o uso de implantes hormonais para fins médicos foi a estudante de medicina Joana Carvalho, de 31 anos. Após ter sofrido com um quadro de mielite transversa, uma inflamação grave da medula espinhal, ela ficou com sequelas que se manifestam principalmente ao menstruar.

— Quando eu menstruo, isso afeta a minha parte neurológica, tenho espasmos, dificuldade para me locomover. Então uso o implante para interromper a menstruação. Primeiro eu comecei apenas com o Implanon, mas ainda vinham alguns escapes, então acrescentamos a gestrinona. Mas não são as doses absurdas do “chip da beleza” e tem todo o acompanhamento médico. Antes cheguei a tentar pílulas anticoncepcionais e outros tratamentos, mas nenhum deu certo — diz ela, que também mora na capital paulista.

[Fonte Original]

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