No momento em que o país precisa conter os gastos públicos para equilibrar suas finanças, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ressuscitaram, a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o pagamento de reajustes automáticos de 5% aos magistrados a cada cinco anos, conhecido como quinquênio. Extinta em 2006, essa benesse não obedece a nenhum parâmetro de mérito e deixa de considerar a situação fiscal crítica do país. O salário dos magistrados — uma das categorias mais privilegiadas do funcionalismo público — sobe por inércia com o passar do tempo, mesmo que a Justiça seja conhecida por lentidão e burocracia.
A decisão deixa dúvida se será obedecido o teto salarial do setor público, estabelecido pela Constituição em R$ 44.088,52, remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A bolada que juízes receberão com os atrasados e o próprio quinquênio, oficialmente chamado de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), é considerada “indenizatória” e não se submete ao limite constitucional. Por enquanto, apenas o TST determinou o pagamento dos atrasados. É difícil, porém, que o STJ resista a pressões e não siga a Justiça do Trabalho. E é evidente que o sucesso incentivará juízes e desembargadores dos demais tribunais a tentar obter o mesmo privilégio.
No início do ano, houve uma tentativa de ressuscitar o quinquênio por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), encaminhada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A reação forçou um recuo, enquanto o Congresso se concentrava em aprovar medidas para socorrer o Rio Grande do Sul. Agora, o caminho escolhido foi administrativo, certamente para evitar a exposição que o assunto teria se voltasse ao Congresso. A PEC, que também concedia a regalia ao Ministério Público, chegou a ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O governo calculou que representaria R$ 40 bilhões por ano a mais no gasto público. De acordo com nota técnica da Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado, a despesa adicional chegaria a R$ 81,6 bilhões até 2026.
Os tribunais brasileiros, de acordo com o Tesouro Nacional, gastam 1,61% do PIB, ante 0,3% nos países desenvolvidos e 0,5% nas demais economias emergentes. Os gastos do Judiciário são quatro vezes a média mundial, que gira em torno de 0,4%. A experiência mostra que os gastos efetivos ultrapassam as estimativas, porque vantagens obtidas por corporações do serviço público costumam passar por um efeito cascata e beneficiar outras categorias. Cria-se um festival de bondades à custa do contribuinte. Em maio, pesquisa da Quaest revelou que 76% da população rejeitava a PEC.
Há no STF, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, impetrada pelo Partido Novo, contra a regalia. É imperativo rejeitar a volta do quinquênio, por ser imoral, custoso e anacrônico. Os juízes já estão na elite do funcionalismo, têm direito a dois meses de férias (pagos em dinheiro se desejarem) e a todo tipo de auxílio. Em contraste, as finanças públicas padecem de desequilíbrio crônico. São urgentes medidas estruturais de ajuste fiscal. Manter os privilégios de categorias no Judiciário só faz aumentar o custo do ajuste necessário, invariavelmente pago pelo resto da população.