Errou feio quem apostou no declínio da arte impressa frente às criações digitais. Se há alguns anos só se falava em NFTs (quem se lembra?), a produção de impressos por vias alternativas exala vigor, liderada por uma boa safra de criadores de zines, livros, cartazes e tudo mais o que pode ser materializado em papel.
Entre os catalisadores da cena estão as feiras de impressos, que cravaram lugar na agenda cultural. No Rio, duas já têm edições confirmadas para abril: a Flopei e a Delícia, esta recém-criada por Peu Lima. “Exibimos o não-óbvio, sãos obras que você não encontra em outros lugares, como uma livraria”, conta o idealizador, também fundador da editora Pipoca Press.
Ana Luiza Fonseca, diretora da feira Tijuana, criada há mais de dez anos, e uma das organizadoras da Flopei, acrescenta que o movimento tem se fortalecido com consistência, viabilizando publicações improváveis por outras vias. “Muitos assuntos fogem ao interesse mais geral de uma grande editora, que busca o lucro. Isso possibilita a circulação de novas ideias”, diz. Conheça, então, algumas dessas mentes fervilhantes.
Ironia fina e sutilezas do cotidiano formam o repertório desta ilustradora mineira radicada no Rio. Também uma entusiasta do trabalho manual: ela desenha tudo em nanquim ou tinta acrílica e faz as reproduções por meio de isografia. “É um jeito mais viável de a obra circular, mesmo entre quem não pode comprar a original, mas sem perder a qualidade e a força das cores”, comenta. “As pessoas se identificam com o meu trabalho e se reconhecem nas silhuetas e no humor. Adoro vê-lo por aí.”
Acostumado a fazer capas de discos de gente como Céu e Cidadão Instigado, o designer gráfico cearense e morador de São Paulo sentia pesar pelas criações que ficavam perdidas pelos arquivos digitais, durante o processo criativo. Ao começar a frequentar feiras de impresso, viu que poderia dar vazão a isso de modo concreto. Criou o projeto Risotropical e, desde então, viu seu ateliê alçar hits como as frases “Soy latino” e “Soy latina”, estampadas em cartazes e camisetas. “Quero comunicar a importância de nos libertarmos do imperialismo norte-americano e olharmos para os nossos vizinhos”, diz, sobre o tema presente também no simpático pôster “Puevo”, no bom e velho portunhol.
Nascido em Búzios, Rodrigo cresceu numa casa rodeada por livros e recorda-se de ler, aos 11 anos, o clássico “Moby Dick”, em inglês. Jamais se esqueceu da “experiência tátil” vivenciada com suas obras favoritas e, ao entrar na faculdade de Design, direcionou a pesquisa para o ramo editorial. Quando percebeu que poucos criadores negros eram citados ao longo do curso, foi atrás desses nomes. Hoje, compartilha suas descobertas por meio da própria editora, a Casa27, na forma de zines, livros e cartazes. “Mostro uma cultura visual que não vem da Europa”, diz, indicando o quanto fazer isso por meio de impressos lhe soa especial: “São produções que deixam o rastro de quem fez. Retêm memória”.
A editora Bebel Books foi fundada em 2013 e, mais recentemente, virou a ocupação principal da arquiteta Bebel Abreu. A capixaba baseada em São Paulo lidera uma equipe de cinco pessoas cuja pulsão criativa é forte o suficiente para ganhar o mundo: além do Brasil, há títulos publicados em países como Bolívia e Alemanha. O capricho nas edições, para ela, é tão importante quanto a irreverência, escancarada na coleção “Suruba para colorir”. “Publicamos o que ninguém mais publicaria”, salienta.
Dançar músicas de Britney Spears escondido e brincar com a Barbie da prima. Ao pensar sobre os prazeres simples aproveitados na “clandestinidade” por ter sido uma “criança viada”, o publicitário de Friburgo (RJ) e que mora em São Paulo resolveu criar o perfil @coisasdeviados no Instagram. Por lá, reúne histórias de pessoas que passaram pelo mesmo tipo de repressão. Rendeu tanto, que o projeto transbordou para cartazes, adesivos e camisetas. “É muito interessante enxergar e tocar em algo que começou no ambiente digital”, diz, sobre as ilustrações marcadas pelo uso do rosa, tão proibido para meninos ainda hoje. “Quando a tecnologia começa a sufocar um pouco, esse retorno ao manual é importante para o meu respiro, sobretudo, criativo.”