Talvez você já tenha ouvido falar em CRISPR, principalmente se você acompanha a premiação do Nobel. Em 2020, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, foram laureadas com o prêmio máximo da ciência pela descoberta de uma “tesoura genética” capaz de mudar os rumos da história da edição de DNA.
Além disso, elas foram as primeiras mulheres a compartilhar um Nobel de Química na história do prêmio. Ainda que o reconhecimento a honraria tenha sido recebida em 2020, a pesquisa da dupla já estava em andamento desde 2012, ano da descoberta da potencialidade do CRISPR.
Mas o que exatamente significa CRISPR e como ele pode contribuir para os estudos em genética e genômica? Confira como essa tesourinha consegue não apenas cortar, mas também editar e reparar moléculas de DNA.
O que é CRISPR?
CRISPR é a sigla para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, que em tradução livre seria; Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Espaçadas. Agora fez mais sentido? Ainda não?
Esse “nome” enorme representa algo conhecido em bactérias desde 1987, que é uma forma bastante interessante, e muito eficaz, de defesa “imunológica” desses microrganismos.
Quando uma bactéria é infectada por um vírus, ela recruta uma proteína, a CAS9, capaz de “picar” em pedacinhos o RNA viral, tornando mais fácil para que ela lide e elimine o invasor.
Contudo, ela não apenas retalha esse material, ela engloba em seu próprio DNA uma pequena porção desse RNA invasor, fazendo com que seu material genético guarde uma memória do bacteriófago.
Caso ela seja novamente atacada, seu DNA já possui identificação do suspeito, o eliminando mais rapidamente. Mas essa função foi descoberta mais recentemente, por volta de 2005.
Mas essa função de picar e colar mostrou-se muito útil para além da vida bacteriana, permitindo que a “tecnologia imune” desses microrganismos funcione em plantas e animais em escalas bastante promissoras para terapias genéticas.
Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Espaçadas
Como visto em outros textos, o DNA é composto por repetições de nucleotídeos, formados pelas bases nitrogenadas: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T), sempre em ligações de A-T e G-C.
Essas combinações e repetições é que guardam a receita do nosso código genético e, agora talvez, você já tenha começado a decifrar o motivo pelo CRISPR se chamar assim.
Acontece que nosso código apresenta regiões palindrômicas. Lembrando que os palíndromos são palavras que podem ser lidas da esquerda para direita, ou vice-versa, como ovo, sopapos, dentre outras.
Entre essas repetições, existem espaços regulares onde as sequências de palíndromos de DNA não se repetem. Um exemplo, seria uma sequência TACGCATATGCTACGCAT, onde TACGCAT é a sequência palíndromo e ATGC é o espaço regular.
A mágica do CRISPR é poder reconhecer essas sequências e recrutar a proteínas CAS9 para realizar os cortes precisos. Porém, além de recortar, ela também pode incorporar novos elementos no DNA.
Recorta e cola com CRISPR/CAS9
A tecnologia CRISPR/CAS9 é tão promissora, pois é um método mais preciso e “barato” de edição genética, pois é possível programar qual parte específica do código genético deve ser recortado e substituído, utilizando para isso um RNA guia.
A receita do RNA irá delimitar com precisão onde os cortes devem se iniciar e parar, potencializando a reparação com o material disponibilizado, substituindo a sequência ou então retirando a parte indesejada no DNA alvo.
Essa é uma terapia genética promissora para o tratamento de doenças onde os genes, passados hereditariamente, ou não, tem funcionamento anômalo, podendo ser substituídos por sequências funcionais e livres do defeito. É um CTRL-C + CTRL-V da genética.
Além de animais e humanos, a tecnologia também tem potencial agrícola, onde características desejáveis podem ser incluídas na receita fundamental das plantas. Porém, nem tudo que é possível, é ético.
Onde a ética não é editável
Ainda que a tecnologia CRISPR possa ser o futuro da edição genética, contribuindo para melhoria da saúde e erradicação de algumas doenças hereditárias e genéticas críticas, ainda é necessário se desenvolver normativas sobre os usos éticos dessa ferramenta em potencial.
Sempre importante salientar que essa é uma área ainda em desenvolvimento, e a “experimentação humana” é o último passo, após estudos em modelos animais e em outros seres vivos que possuem DNA.
Esses limites fundamentais têm sido construídos conforme a tecnologia e novas formas de potencializar o método avançam, e há ainda um longo caminho para ambos.
Enquanto isso, acompanhamos os ganhos na área e torcemos para que em um futuro breve, CRISPR possa ser usada com segurança e eficácia, em uma maneira mais generalista.
Falando um pouco mais sobre DNA e nosso código fundamental de existência, leia também sobre um novo capítulo do genoma humano e as últimas descobertas. Recorte e cole com segurança e até mais!