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quarta-feira, dezembro 25, 2024

Para Big Techs, lei de redes sociais na Austrália ‘isola’ jovens, mas debate pode trazer melhorias às plataformas

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Mesmo antes de ser aprovada pelo Parlamento australiano no final de novembro, após meses de debates e uma votação criticada por ter ocorrido a toque de caixa, a lei que veta redes sociais para menores de 16 anos deixava mais dúvidas do que certezas ao público e ao setor de tecnologia. As empresas alegam que não há meios viáveis para aplicar a proibição, e apontam que a pressa do governo do premier Anthony Albanese pode ter mais atrapalhado do que ajudado a sociedade.

Um dos primeiros movimentos foi feito em maio, quando Albanese determinou a criação de uma comissão para investigar os impactos das redes sociais sobre a vida e a saúde mental dos australianos. Para ele, as empresas de tecnologia não fazem o suficiente para barrar conteúdos e interações nocivas para os jovens, e uma ação legislativa seria uma forma contundente de pressioná-las.

“As empresas de mídia social têm responsabilidades sociais. Elas precisam ser mais responsáveis e transparentes”, afirmou, em declarações divulgadas pelo governo, Michelle Rowland, ministra das Comunicações. “O Parlamento precisa entender como as empresas de mídia social aumentam e diminuem o conteúdo que apoia democracias saudáveis, bem como o conteúdo antissocial que prejudica a segurança pública.”

Durante o processo, surgiu a proposta da idade mínima: 16 anos, três a mais do que o limite normalmente estabelecido pelas empresas de tecnologia. Segundo pesquisas, 77% dos australianos, incluindo adolescentes, eram favoráveis à proibição, mesmo sabendo que não seria uma solução mágica ou definitiva.

Nem todos viram a ideia com o mesmo otimismo.

“O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança afirma que ‘as políticas nacionais devem ter como objetivo fornecer às crianças a oportunidade de se beneficiar do envolvimento com o ambiente digital e garantir seu acesso seguro a ele’”, afirmou, em carta aberta a Albanese, um grupo de 140 acadêmicos, em outubro. “Uma proibição não funciona para melhorar os produtos que as crianças poderão usar.”

Um ponto corroborado pela organização que representa as empresas de tecnologia no país, a DIGI: em argumentos à comissão parlamentar, ela “observa que uma ampla proibição de jovens em espaços online, incluindo as mídias sociais, pode ter uma consequência não intencional no aumento de barreiras ao acesso a recursos e serviços de saúde mental que estão disponíveis por meio desses canais”.

— As plataformas trazem essa ideia de que você vai isolar uma população desse universo digital, o que de certa forma tem um pouco de verdade. Mas o interesse deles acaba sendo no modelo de negócios focado nas plataformas — afirmou ao GLOBO Diogo Cortiz, professor da PUC-SP. — Banir usuários de até 16 anos impacta o modelo de negócios não só de hoje como do futuro, porque essas pessoas que estarão de fora também serão os usuários amanhã, e isso pode trazer mudanças de comportamento geracionais.

A comissão estabelecida pelo governo também não recomendou a proibição: em seu relatório final, os senadores disseram que a idade mínima não afasta os riscos relacionados às redes sociais, afirmaram que as empresas devem empregar mais recursos em análises de conteúdo e proteção ao usuário, e sugeriram que os jovens também sejam ouvidos.

Em um tópico igualmente polêmico, o setor de tecnologia apontou que a legislação deveria ser aprovada após o desenvolvimento de meios confiáveis para garantir que apenas os maiores de 16 anos possam acessar seus produtos.

Em comunicado, dias antes da votação, a Alphabet, que controla o Google e o YouTube, afirmou que a “pressa” do governo para avançar com o texto “era preocupante”, e que os testes de mecanismos de verificação de idade só terminarão “em meados de 2025”.

O X, de Elon Musk, disse que a lei se tratava de uma “grande ameaça à liberdade de informação”, e que era uma “porta de entrada” para controlar o acesso de todos os australianos à internet. A Meta, controladora do Facebook, declarou em comunicado que a medida seria “inconsistente e ineficaz”.

— A abordagem do governo provavelmente exigirá que cada provedor de aplicativo colete dados de identificação pessoal ou biométricos de todos os australianos para impedir que menores de 16 anos acessem seus serviços, um processo ineficiente e oneroso para todos — disse um porta-voz da Meta, citado pelo portal ACS.

Para Cortiz, o modelo de identificação deverá incluir ferramentas de inteligência artificial (IA), capazes de reconhecer o comportamento dos jovens em um ambiente digital, mas ele aponta uma contradição: para que a IA identifique um jovem, ela terá que coletar dados desse usuário, de uma forma que ainda não foi definida por Canberra ou pelas big techs.

— É preciso estabelecer uma transparência para a finalidade do uso dos dados, porque sem usar os dados do comportamento dos jovens fica difícil treinar modelos que garantam um ambiente mais seguro dessa própria população.

Críticas e oportunidades

A aprovação foi recebida com uma enxurrada de críticas do setor de tecnologia. E não apenas à multa de 50 milhões de dólares australianos (R$ 193,66 milhões) para quem não impedir que menores de idade acessem as plataformas.

A Meta afirmou que as empresas tiveram pouco tempo para expressar seus argumentos e fazer sugestões ao projeto, atacou o fato das autoridades terem ignorado “o que a indústria já está fazendo para criar experiências seguras e adequadas a cada idade”, e lamentou que os políticos não tenham “escutado as vozes das pessoas mais jovens”.

A Snap, controladora do app Snapchat, reafirmou que cumprirá a legislação, mas destacou as opiniões contrárias vindas de especialistas e do lobby do setor de tecnologia. A Alphabet disse, em nota, estar “decepcionada com a aprovação precipitada” da lei, que considera ignorar “as diferenças fundamentais entre os serviços e os benefícios exclusivos que eles podem oferecer aos jovens australianos”.

Albanese e seu governo sabem que a aprovação foi um passo inicial, e talvez o mais simples do processo. Os primeiros testes de um sistema nacional de identificação digital de idade, que promete não envolver informações pessoais, só começam em janeiro, e as big techs destacaram que querem participar e “contribuir” com o processo.

Pode ser uma oportunidade de abertura de diálogo entre governo, empresas de tecnologia e a sociedade, e até evitar a proibição aprovada pelo Parlamento.

— É necessário construir um ambiente mais saudável online, e exigir das plataformas algumas mudanças para que ela seja menos ‘viciante’, um ambiente menos polarizador. E isso conseguimos levantar nessa discussão — opinou Cortiz. — Mas a proibição cria uma ‘solução mágica’ que talvez não funcione, e perderemos a oportunidade de cobrar mudanças das plataformas que poderiam ser benéficas para a sociedade.

[Fonte Original]

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