Envelhecer é um caminho sem volta. Desde a concepção, nossas células iniciam um processo natural de senescência que irá contribuir para o amadurecimento celular, fazendo com que nossas unidades vitais atinjam sua máxima funcionalidade, e também sinalizam o organismo quando é chegada a hora do adeus.
As células ‘velhas’ ou muito danificadas por agentes internos ou externos como irradiação, trauma ou ainda por patologias, ativam um processo de autodestruição chamado de apoptose celular, que é responsável por realizar essa reciclagem.
Contudo, algumas células podem escapar desse desfecho mortal se tornando uma espécie de zumbi. Em um novo estudo publicado na Revista Aging Cells, pesquisadores da Mayo Clinic, descobriram que células senescentes acumuladas na pele podem manter um funcionamento bastante atípico, estimulando que outras células, sistemas e estruturas do cérebro, envelheçam mais rápido.
Entenda um pouco mais sobre as células zumbis que moraram na pele e confira a entrevista com o Doutor Nathan LeBrasseur, pesquisador e co-autor do estudo.
Por que “células zumbis”?
Pode parecer estranho dizer que células da pele tem a capacidade de estimular estruturas cerebrais a envelhecerem. Mas é preciso lembrar que nosso corpo é um maquinário uno, onde cada uma das células é capaz de gerar sinais à sua vizinhança.
No caso das células epiteliais descritas no estudo, elas passaram por um processo de senescência que escapou dos mecanismos normais de morte celular, como a apoptose, que fariam com a que a célula, já danificada pelo tempo, morresse.
Como um método próprio de defesa, para que ela não gere cópias defeituosas de si, a célula para os processos de reprodução, entrando em um estado de dormência. Contudo, ela não está inativa. Ela continua emitindo sinais químicos, em uma sinalização do tipo parácrina.
Ao receber esses sinais, as células vizinhas passam a ser estimuladas a entrarem em senescência, desencadeando um processo de envelhecimento na vizinhança. E essa comunicação pode se estender para os órgãos, incluindo o cérebro.
Devido a essa dualidade entre um estado dormente, porém quimicamente ativo, os pesquisadores apelidaram essas células epiteliais senescentes de “zumbis”.
Trhiller celular
Para testar suas hipóteses, a equipe de pesquisa realizou um transplante celular em ratos. Eles estimularam que células epiteliais dos doadores entrassem em senescência.
Após esse processo, eles identificaram e coraram essas células com biomarcadores específicos que os ajudariam a verificar o caminho de sinalização das células após o transplante.
Esse preparado celular foi transplantado na camada intradérmica de roedores jovens, que após meses de acompanhamento apresentaram sinais claros de senescência dos tecidos, como perda de gordura abaixo da camada de pele onde as células zumbis foram inseridas.
Além disso, os ratinhos receptores passaram a apresentar declínio cognitivo, mudanças na estrutura do hipocampo cerebral e sinais de perda muscular e óssea.
Envelhecer é natural, sem pânico
Ainda que estudos como esse possam fazer parecer que o envelhecimento é doença infeciosa, esse não é o objetivo principal da pesquisa.
Esses achados são de suma importância, afinal, não realizamos apenas o transplante de células, mas de órgãos. Compreender como células de um doador podem interagir com as células do receptor contribui para a desenvolvimento de novas terapias que busquem a minimização dos danos e maior longevidade e viabilidade dos transplantes.
Além disso, nos faz pensar em maneiras que estimulem um envelhecimento saudável, pensando não apenas em terapias medicamentosas, mas em estilo de vida, como manutenção de atividades físicas e intelectuais, a importância de nutrição adequada.
E se você quer saber um pouquinho mais sobre o estudo, confira a entrevista realizada por e-mail com o Dr. Nathan LeBrasseur, Diretor do Centro Robert e Arlene Kogod de Envelhecimento da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, Estados Unidos.
Sabendo mais sobre as células zumbis
Pergunta: A senescência celular é um processo natural, que também pode ser estimulada por agentes externos ao organismo, geralmente levando à morte celular. Nesse contexto, o que faz com que as “células zumbis” permaneçam nos tecidos ao invés serem eliminadas pelo corpo?
Resposta: A senescência celular é um processo natural e frequentemente benéfico que ocorre ao longo da vida. Por exemplo, as células entram em senescência como parte do desenvolvimento embrionário e como uma defesa primária contra o crescimento e a disseminação de cânceres.
As células do nosso corpo passam por diversas formas de desgaste interno, que podem ser influenciadas ou aceleradas por estressores externos (como quimioterapia, radiação UV e até mesmo excesso de nutrientes). O acúmulo resultante de diferentes formas de danos moleculares e celulares reflete o envelhecimento biológico.
As células podem reparar alguns danos e continuar funcionando, enquanto outras ficam tão danificadas que morrem, processo conhecido como apoptose. A senescência é um destino celular no qual as células persistem, apesar dos danos, daí a referência a “zumbis”.
Elas ativam mecanismos para interromper a divisão celular, prevenir a morte e produzir uma ampla gama de citocinas, quimiocinas, fatores de crescimento, proteínas de remodelação e outras moléculas bioativas (coletivamente conhecidas como SASP, ou fenótipo secretor associado à senescência). Essas células se comportam de forma diferente das células saudáveis.
Na juventude, as células senescentes surgem, mas são efetivamente identificadas por meio do SASP e eliminadas pelo sistema imunológico. À medida que envelhecemos, o desgaste progressivo causa mais danos e mais células senescentes, enquanto o sistema imunológico se torna menos eficiente em identificá-las e eliminá-las.
Assim, elas se acumulam. Entendemos que a senescência é inicialmente benéfica, mas, se essas células persistirem, elas promovem desordens, disfunções e doenças relacionadas ao envelhecimento, em grande parte devido ao SASP.
Pergunta: Seria correto dizer que as células zumbis têm a capacidade de infectar células saudáveis, tornando-as inativas ou mais propensas à inatividade?
Resposta: Não “infectar”, mas o secretoma robusto das células senescentes pode influenciar fortemente o comportamento das células vizinhas e até mesmo distantes. Elas podem poluir o ambiente ao redor, comprometer a capacidade das células-tronco de funcionar, estimular fibrose e inflamação e, ironicamente, até fomentar o crescimento de células malignas. O SASP também pode induzir senescência em outras células, o que reforça a referência aos “zumbis” (não por mordidas, mas…).
Pergunta: A formação de “células zumbis” começa na pele e se espalha para outros órgãos, ou isso pode ser apenas um marcador de um processo sistêmico?
Resposta: Interessantemente, não apenas os indivíduos envelhecem em ritmos diferentes, mas os órgãos de uma pessoa também envelhecem em ritmos diferentes. Há grande interesse em desenvolver indicadores biológicos ou biomarcadores de senescência.
Entretanto, atualmente, não sabemos se os marcadores no sangue ou na pele refletem a carga ou a atividade de células senescentes no cérebro, coração, pulmões, fígado, rins ou outros órgãos. Estamos em um momento emocionante na ciência e esperamos avanços significativos nessa área nos próximos anos.
Pergunta: Existe alguma estratégia que possa ajudar a evitar o acúmulo patológico de células inativas na pele?
Resposta: O envelhecimento é universal, progressivo e, como descrito acima, intrínseco. No entanto, ele também é maleável. Fatores de estilo de vida saudável, como atividade física, nutrição equilibrada e sono, podem influenciar positivamente nossas defesas e a capacidade de reparar diversos danos relacionados à idade, reduzindo o acúmulo de células senescentes em órgãos por todo o corpo, incluindo a pele.
Como os danos ao DNA e a inflamação são os principais impulsionadores da senescência, estratégias para proteger a pele contra radiação UV, fumaça de cigarro e poluição do ar podem ajudar a prevenir o acúmulo de células senescentes.
Pergunta: Algo mais a acrescentar?
Respota: A demonstração por pesquisadores da Mayo Clinic e de outras instituições de que as células senescentes não apenas contribuem para o envelhecimento, mas que sua eliminação em modelos experimentais pode impactar positivamente a saúde e a função de múltiplos órgãos, gerou grande interesse.
Estratégias para eliminar células senescentes (“senolíticos”) ou suprimir o SASP (“senomórficos”) têm o potencial de retardar, senão prevenir ou curar, uma ampla gama de doenças relacionadas à idade e prolongar a saúde. Embora mais pesquisas sejam necessárias, essas abordagens têm o potencial de transformar a saúde humana.
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