Superar os desafios da produção foi uma necessidade inescapável para “Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido” (2022). Inicialmente planejado como continuação de “Os Piratas” (2014), de Lee Seok-hoon, o longa de Kim Jeong-hoon precisou de ajustes significativos após a saída dos protagonistas escalados, Son Ye-jin e Kim Nam-gil. A missão de reformular a trama coube a Chun Sung-il, que reescreveu o roteiro para viabilizar o projeto. Entretanto, quando as filmagens se encaminhavam para a retomada no verão de 2020, a pandemia de covid-19 impôs um novo revés, adiando a estreia para o festival Chuseok, no outono de 2021. Apesar dos obstáculos, a perseverança trouxe frutos: o longa se tornou a maior bilheteria sul-coreana de 2022 em seu país de origem, atraindo um milhão de espectadores. Curiosamente, o cenário de confinamento global, que ameaçou inviabilizar o lançamento, acabou favorecendo a recepção do filme. O público, sedento por novas experiências, encontrou na trama uma fuga para um universo onde a aventura e a fantasia imperam sem restrições.
As turbulências enfrentadas nos bastidores se refletiram na impressão de que a narrativa seria desordenada, acusação que não se sustenta. Kim Jeong-hoon conduz sua obra com a segurança de quem compreende o valor do exagero e do pastiche, explorando a linguagem dos grandes épicos de ação sem medo de brincar com suas convenções. Assim, a história se abre com uma sucessão de personagens apresentados de maneira frenética, à semelhança dos blockbusters hollywoodianos, estabelecendo rapidamente suas motivações. O ritmo acelerado e a justaposição entre realidade e desejo sustentam a narrativa por mais de duas horas, levando o espectador a um desfecho pouco convencional. O que poderia ser um tropeço converte-se, na verdade, em uma experiência estimulante, cuja cadência imprevisível instiga e diverte.
A trama se passa nos últimos anos do século XIV, quando a dinastia Joseon consolidava seu domínio na Coreia, após ser estabelecida em 1392 e permanecer à frente do governo até 1897. Enraizado no confucionismo e inspirado na cultura chinesa, o novo regime incentivava a navegação e promovia expedições anuais, financiadas pelo imperador. Paralelamente, a pirataria florescia, desafiando a hegemonia dos navegadores oficiais. Entre os renegados, destacava-se Hae-rang, vivida por Han Hyo-joo, que se depara com um mapa indicando o paradeiro de uma valiosa carga de ouro roubada da corte e perdida no oceano. Acompanhando-a na missão está Wu Mu-chi, interpretado por Kang Ha-neul, um espadachim de Goryeo que, além da cobiça pelo tesouro, contesta a liderança de Hae-rang, recusando-se a aceitar ordens de uma mulher. Esse conflito de egos impulsiona a dinâmica do grupo, cuja convivência já é permeada por traições e disputas internas.
Kim Jeong-hoon não se furta ao exagero, moldando sua narrativa como um espetáculo propositalmente desordenado. O filme transborda caos e energia, explorando reviravoltas ininterruptas e embates incessantes entre os personagens. Cada membro da tripulação está imerso em pequenas conspirações, e a viagem se torna um campo de batalha onde golpes e traições ocorrem a cada nova oportunidade. Paralelamente, o relacionamento entre Hae-rang e Mu-chi se desenvolve com sutileza, explorando a tensão entre suas personalidades opostas. Enquanto a capitã exibe refinamento e determinação, seu rival é um vagabundo aristocrata que, embora relutante, mantém o respeito pela hierarquia natural das coisas. O roteiro evita idealizações românticas óbvias, optando por retratar um jogo de poder onde os sentimentos, ainda que latentes, jamais atropelam a dinâmica estabelecida.
O longa reafirma o prestígio do cinema sul-coreano, conhecido pela excelência técnica e narrativa. Ao revisitar temas como lealdade, traição, ascensão feminina e redenção, Kim Jeong-hoon insere sua obra no contexto de uma tradição cinematográfica que sabe equilibrar forma e conteúdo com destreza. No fim das contas, a grandiosidade do espetáculo reside justamente em sua disposição para abraçar o absurdo e fazer dele a essência do entretenimento.
Filme:
Os Piratas: Em Busca do Tesouro Perdido
Diretor:
Kim Jeong-hoon
Ano:
2022
Gênero:
Ação/Aventura
Avaliação:
9/10
1
1
Helena Oliveira
★★★★★★★★★★