- Author, Laura Bicker
- Role, BBC News
Atrás deles, dentro da fortemente protegida Zona Desmilitarizada (DMZ), a situação era caótica, à medida que as equipes de TV se acotovelavam para conseguir uma visão clara por entre os guarda-costas norte-coreanos enfileirados, que pareciam surpresos com a investida da mídia americana.
Em determinado momento, um repórter pediu ajuda, e o secretário de imprensa da Casa Branca teve que puxá-lo de trás da fila de seguranças para a sessão de fotos com Trump e Kim.
Este encontro havia sido organizado às pressas — e isso ficou evidente.
“Nunca esperei encontrá-lo neste lugar”, disse Kim a Trump.
O presidente dos EUA havia organizado o encontro de última hora no Twitter, como a plataforma era conhecida na época, somente 30 horas antes, quando sugeriu encontrar o presidente Kim na DMZ “apenas para apertar sua mão e dizer Olá(?)!”
O convite de improviso foi o terceiro e último encontro entre um presidente showman e um ditador outrora recluso.
Agora, parece que pode haver mais. Trump disse ao apresentador da Fox News, Sean Hannity, em entrevista transmitida na última quinta-feira (23/1), que ele “vai entrar em contato” novamente com Kim.
“Eu me dei bem com ele”, acrescentou Trump. “Ele não é um fanático religioso. É um cara inteligente.”
A BBC entende que houve muito pouco contato entre os EUA e a Coreia do Norte nos últimos quatro anos durante o governo de Joe Biden. Washington enviou mensagens, mas não houve resposta de Pyongyang.
A última reunião entre os dois países, quando Trump estava em seu primeiro mandato, não avançou no tão aguardado acordo para levar a Coreia do Norte a abrir mão de seu bem mais precioso — suas armas nucleares.
Desde então, Kim avançou no desenvolvimento do seu programa de mísseis, e afirma ter testado com sucesso um míssil hipersônico, apesar de estar sujeito a rigorosas sanções internacionais.
Isso está muito distante de quando Trump costumava se gabar de que os dois “se apaixonaram”.
A questão é: será que a chama do relacionamento dos dois pode reacender ou, desta vez, o cenário será bem diferente?
Afinal de contas, Washington vai estar lidando com um Kim muito diferente agora. Nos últimos quatro anos, suas alianças e sorte mudaram — e seu relacionamento com outro líder mundial também parece ter se fortalecido.
Será, então, que isso significa que sua dinâmica com Trump mudou para sempre?
Será que a relação pode ser retomada?
“É definitivamente uma possibilidade”, diz Jenny Town, pesquisadora do Stimson Center e diretora do Programa Coreano do think tank.
“Você pode dizer isso pela decisão de Donald Trump de nomear um enviado especial para questões delicadas que incluem a Coreia do Norte, acho que isso nos dá uma indicação de onde está o pensamento dele sobre isso no momento.”
Trump trouxe de volta algumas das pessoas que ajudaram a organizar suas cúpulas com Kim, incluindo o ex-embaixador na Alemanha, Richard Grenell, que foi escolhido como enviado presidencial para missões especiais em “alguns dos pontos mais tensos” do planeta, incluindo a Coreia do Norte.
Mas houve mudanças nos anos seguintes.
“A Coreia do Norte vai passar o primeiro ano tentando provar a Trump que Kim Jong Un não é quem era em 2017 — que ele é militarmente mais forte, que é politicamente mais forte, e que, se eles voltarem a esse ponto, será uma negociação muito diferente”, argumenta Town.
Ele ajudou a Coreia do Norte com alimentos e combustível em troca de armas e soldados para seu esforço de guerra na Ucrânia. Pyongyang não está mais tão desesperada pelo alívio das sanções dos EUA.
Coreia do Norte ‘preparou’ população para Trump
Rachel Minyoung Lee, que trabalhou como analista de mídia norte-coreana para o governo dos EUA, disse à BBC que Pyongyang “preparou” seu povo, informando na imprensa estatal sobre o retorno de Donald Trump.
Mas ela acredita que “o patamar para iniciar as negociações será mais alto do que antes”.
“Duas coisas vão ter que acontecer”, ela acrescentou. “A Coreia do Norte ficar desesperada o suficiente para voltar à mesa de negociações, por exemplo, devido a uma economia em ruínas ou a um esfriamento significativo das suas relações com a Rússia; ou os Estados Unidos fazerem uma oferta à Coreia do Norte que é drasticamente diferente do que fizeram no passado.”
Trump gerou especulações de que está disposto a retomar as negociações com Kim durante uma recente cerimônia de assinatura no Salão Oval, quando disse: “Eu era muito amistoso com ele. Ele gostou de mim. Eu gostei dele. Nos demos muito bem”.
Mas o governo Trump deve ser realista desta vez, diz Sydney Seiler, que até o ano passado era o oficial de inteligência nacional para a Coreia do Norte no Conselho Nacional de Inteligência dos EUA.
“A questão do controle de armas é uma distração. Não há controle de armas para a Coreia do Norte. Já tentamos o controle de armas”, ele disse.
“Talvez a Coreia do Norte sente e negocie, e talvez se abstenha de lançar mísseis de longo alcance, e não realize um sétimo teste nuclear, e a questão seja amplamente administrável. Esse é o melhor cenário possível.”
“O pior cenário é que, mesmo que você negocie, eles continuem a fazer lançamentos, continuem a fazer testes. Então, Donald Trump teria que considerar: qual é o valor de envolver a Coreia do Norte?”
Especialmente porque ambos saíram com cicatrizes significativas do seu último encontro.
Selfies, poses para fotos e almoço cancelado
Assisti aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018 em Pyeongchang, na Coreia do Sul, com uma convidada inesperada: sentada abaixo de mim, estava a irmã de Kim.
Foi a primeira vez que um membro da família Kim visitou o Sul desde o fim da Guerra da Coreia, uma visita que provocou um grito de surpresa do meu produtor sul-coreano. Sentado perto dela na arquibancada, estava o então vice-presidente dos EUA, Mike Pence.
Pelo que observei, eles mal conseguiam se olhar. Mas, ainda assim, foi um passo extraordinário para a diplomacia, algo que seria inimaginável alguns meses antes.
Quando Trump assumiu a presidência em janeiro de 2017, ele havia sido avisado sobre a Coreia do Norte. Os três últimos presidentes haviam tentado, sem sucesso, pressionar o Estado a desistir de suas armas nucleares, após várias rodadas de negociações e sanções.
Após a posse de Trump, Kim disparou um míssil quase todo mês.
O presidente usou o Twitter para expressar sua ira, ameaçando fazer chover “fogo e fúria” sobre a Coreia do Norte. Ele apelidou Kim de “pequeno homem-foguete” e, em contrapartida, Pyongyang chamou Trump de “dotard“, que significa “idoso com deficiências físicas e mentais”.
Na sequência, vieram as ameaças de apertar os botões nucleares, primeiro de Pyongyang e depois de Washington.
Trump escreveu no Twitter que ele também tinha um botão nuclear, “mas é muito maior e mais poderoso do que o dele, e meu botão funciona!”
Depois de um ano de trocas de insultos e provocações que fizeram com que alguns em Seul se perguntassem se deveriam se preparar para uma guerra, tudo mudou.
O então presidente liberal sul-coreano, Moon Jae-in, esperava quebrar o gelo com Pyongyang. Ele nasceu em um campo de refugiados depois que seus pais fugiram da guerra no Norte. Ele havia até visitado sua tia lá em um raro intercâmbio familiar entre os dois países.
Quando Pyongyang abriu uma fresta da porta e perguntou: a Coreia do Norte poderia participar dos Jogos Olímpicos de Inverno? Seul, liderada por Moon, abriu completamente as portas.
Trump chegou a Singapura para sua cúpula com Kim prometendo fazer história.
O líder norte-coreano deu um passeio noturno pelo centro da cidade e tirou selfies como se estivesse em uma noitada com os amigos. Ele mal tinha viajado para fora de suas próprias fronteiras, mas estava provando que também sabia como dar um espetáculo.
Mas mesmo depois do tão fotografado aperto de mão com Trump, esta forma de diplomacia, agora muito pessoal, rendeu muito pouco em termos de promessas concretas de desarmamento da Coreia do Norte.
Ambos assinaram uma declaração vagamente redigida para trabalhar em prol da desnuclearização, e prometeram se reunir novamente.
Havia muito mais coisa em jogo no segundo encontro entre Trump e Kim no Vietnã. As poses para fotos não seriam mais suficientes para um presidente americano que se gabava da sua capacidade de fazer acordos.
Esperamos por horas nas ruas úmidas de Hanói, do lado de fora dos portões do Metropole Hotel, em estilo colonial francês, onde inicialmente nos disseram que os dois estavam almoçando.
Mas acabou que o almoço havia sido cancelado.
Apostas que não deram certo
A BBC conversou com três pessoas que participaram da cúpula para entender o que deu errado. Parece que ambos os líderes podem ter superestimado as cartas que tinham nas mãos.
Trump se ofereceu para suspender as sanções dos EUA contra a Coreia do Norte se Kim abrisse mão de todas as suas armas nucleares, materiais nucleares e instalações nucleares.
O presidente teria sido avisado de que o Norte já havia recusado esse acordo no passado, mas ele sentiu que seu relacionamento pessoal com o líder norte-coreano o ajudaria a ser bem-sucedido.
Kim apostou que Trump aceitaria um acordo mais modesto. E também achou que o relacionamento pessoal dos dois permitiria a ele prevalecer. Ele se ofereceu para desmantelar seu antigo complexo nuclear de Yongbyon, em troca do fim de todas as sanções dos EUA desde 2016.
“Singapura havia dado a Kim Jong Un algum prestígio e a crença de que, finalmente, os Estados Unidos estão caindo em si e negociando comigo nos meus próprios termos”, diz Seiler.
“Ele foi para a mesa de negociações na expectativa, porque havia sido guiado, a gente sabe, discretamente, pelos sul-coreanos que diziam: Donald Trump está politicamente desesperado, ele não está mais ouvindo John Bolton, ele está disposto a concordar com um acordo que coloca uma pequena parte de seu programa nuclear na mesa, em troca do alívio das sanções.”
Mas o presidente também foi orientado. Ele foi informado de que o Norte ainda poderia produzir urânio em um centro de enriquecimento próximo a Pyongyang. Os EUA disseram que vinham monitorando outros locais que o Norte acreditava ter mantido em segredo por algum tempo.
“Acho que eles ficaram surpresos por sabermos”, declarou Trump mais tarde.
O acordo oferecido por Kim não era insignificante, mas não era bom o suficiente para o presidente americano. “Kim Jong Un chegou à mesa de negociações, e não tinha um plano B”, explica Seiler.
“Então, quando Donald Trump diz que ‘temos que fazer mais do que isso’, Kim Jong Un permanece totalmente inflexível.”
Kim tentou salvar o acordo?
A BBC entende, com base em suas fontes, que Kim tentou salvar o acordo. Ele enviou um assessor para lembrar a Washington o que estava em jogo, e que eles desmantelariam toda a usina de Yongbyon.
Mas Trump já estava a caminho do aeroporto.
“A história de Hanói precisa ser bem contada”, observa Seiler. “A visão geral é que Donald Trump saiu da sala. Era um acordo do tipo tudo ou nada, e quando Kim Jong Un não estava disposto a colocar tudo na mesa, Donald Trump saiu. Esta é uma avaliação muito simplista do que aconteceu em Hanói.”
Enquanto Trump voava de volta para Washington, os norte-coreanos deram o passo sem precedentes de realizar uma coletiva de imprensa. O ministro das Relações Exteriores, Ri Yong Ho, disse aos jornalistas que esta oportunidade talvez nunca mais se repetiria.
Até o momento, não se repetiu, e Kim pode pensar duas vezes antes de participar novamente de negociações.
“Definitivamente, havia uma oportunidade ali”, diz Jenny Town.
“Na verdade, Kim Jong Un havia criado uma expectativa interna na Coreia do Norte de que eles estavam à beira de um avanço, e que isso traria benefícios.”
“Se pudéssemos ter aproveitado aquele momento, poderíamos estar em um caminho muito diferente. Iríamos conseguir a desnuclearização facilmente? Com certeza não. Mas será que estaríamos em uma posição muito diferente em termos de tensões na Península da Coreia, e até onde a Coreia do Norte chegou em seu desenvolvimento nuclear? Talvez. Obviamente, nunca vamos saber, mas definitivamente havia uma vontade que não existe agora.”
A diplomacia pouco ortodoxa de Trump reduziu as tensões durante algum tempo, mas não impediu a expansão do programa de armas de Pyongyang.
Seus 20 passos no território norte-coreano também podem ter legitimado um regime com um dos piores históricos de direitos humanos do planeta.
Mas depois de três encontros, parecia haver uma conexão entre Donald Trump e Kim Jong Un que oferecia alguma esperança de que um dia haveria paz na Península da Coreia.