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quinta-feira, fevereiro 6, 2025

Suicídio estimulado na internet: ‘Usuários de site levaram meu filho adolescente a tomar veneno’ – BBC News Brasil

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Crédito, Álbum de família

Legenda da foto, Vlad Nikolin-Caisley morreu em 7 de maio de 2024 após tomar veneno que comprou online

“Vi meu filho lutando por seu último suspiro”, diz Anna Nikolin-Caisley. “Ele entrou em agonia.”

Anna acredita que o filho mais novo, Vlad, de 17 anos, foi “encorajado” a tomar veneno por usuários de um grupo online “pró-suicídio” que ainda está ativo no Reino Unido, apesar dos inúmeros apelos para que seja banido.

A família de Vlad decidiu revelar os detalhes angustiantes de sua morte, no condado de Hampshire, na Inglaterra, em maio de 2024, como um alerta para outras pessoas.

O governo afirmou que as plataformas vão precisar remover o conteúdo ilegal de suicídio e automutilação quando novas regras entrarem em vigor neste ano como parte da Lei de Segurança Online.

Mas a instituição beneficente Samaritans diz não acreditar que a nova lei seja suficiente.

Aviso: a reportagem a seguir contém conteúdo perturbador

Eram 2h40 da manhã, do dia 7 de maio, quando Anna foi acordada subitamente pelo filho adolescente Vlad gritando: “Mamãe! Chama um médico!”

Na sequência, ele gritou o nome de um veneno, e a hora em que havia tomado.

“Não sei qual é a substância”, lembra Anna. “Mas ele mudou de ideia, e veio me pedir ajuda, para salvá-lo.”

O pai de Vlad, Graham Caisley, contou como o filho deve ter subido as escadas cambaleando, antes de desabar no chão do quarto.

“As mãos dele estavam todas fechadas, e ele estava tremendo”, diz Graham. “Era simplesmente um estado de pânico.”

“Foi violento, foi repentino”, acrescenta a mãe dele, explicando que o filho sofreu várias convulsões. “Ele estava lutando pela vida — não consigo nem começar a imaginar o terror pelo qual ele passou.”

Minutos depois, Graham estava de joelhos realizando reanimação cardiopulmonar (RCP) no filho, orientado por paramédicos no viva-voz do telefone.

“Eu estava apenas fazendo o que podia para tentar salvar a vida do meu filho”, diz Graham, com lágrimas nos olhos. “Foi simplesmente terrível.”

As imagens gravadas pelas câmeras corporais usadas pela polícia revelam o caos e a carga emocional enquanto as equipes de emergência tentavam sem sucesso salvar a vida de Vlad.

Após a morte de Vlad, sua família ficou chocada ao descobrir que ele estava compartilhando seus “momentos sombrios” com pessoas online. A mãe dele diz que era uma comunidade “bastante secreta”, e a descreve como um culto “pró-suicídio”.

Os detetives encontraram um “kit de suicídio” na casa da família em Southampton, contendo vários venenos, pílulas e outras coisas que Vlad havia comprado depois de entrar no grupo de bate-papo.

“Ele foi informado sobre onde comprar essas coisas, e o que comprar”, afirmou o detetive Chris Barrow, da polícia de Hampshire. “Portanto, sem o site, Vlad não teria sido capaz de reunir esse conjunto de itens e ingredientes para tirar sua própria vida.”

Depois de uma infância feliz, Vlad começou a se retrair no início da adolescência e, mais tarde, foi diagnosticado com autismo, depressão e ansiedade. Na época da sua morte, ele estava sendo tratado por profissionais de saúde mental, e também havia desenvolvido uma condição neurológica dolorosa.

A família diz ter observado sua saúde mental melhorar quando ele começou a sair com amigos e viajar. Mas as irmãs mais velhas de Vlad, Masha e Mia, dizem que, embora ele estivesse muito melhor, ainda estava vulnerável quando tirou a própria vida.

“Mesmo que as pessoas que usam este fórum estejam em dificuldade”, afirma Masha, “ninguém conhecia meu irmão bem o suficiente para tomar qualquer decisão sobre a vida dele”.

Mia, que trocou mensagens com moderadores do site, descreve a plataforma como uma “câmara de eco” que pode “levar as pessoas ao limite”.

“Há um aliciamento quase definitivo acontecendo”, diz ela.

As irmãs mais velhas de Vlad, Mia e Masha, com os pais, Anna e Graham, ao lado do túmulo dele, em Southampton
Legenda da foto, As irmãs mais velhas de Vlad, Mia e Masha, com os pais, Anna e Graham, ao lado do túmulo dele, em Southampton

A BBC passou anos investigando o fórum online do qual Vlad era membro. Ele agora tem mais de 50 mil membros no mundo todo, e a família de Vlad quer que ele seja derrubado ou bloqueado.

Mas Vlad não tomou esse veneno. A substância química que ele acabou ingerindo foi encomendada da Polônia, e havia sido rotulada incorretamente, possivelmente para passar pela alfândega.

O ‘caminho da morte’

Após sua morte, a família leu todas as postagens e trocas de mensagens de Vlad no fórum. Eles contam como a situação parece ter “escalado lentamente”.

“Depois, há bate-papos privados, e você é conduzido pelo caminho da morte. Qualquer pessoa pode se deparar com ele. Uma criança pode se deparar com isso. Não há controle”, adverte Anna, mãe de Vlad.

“As pessoas que venderam o veneno, as pessoas que o encorajaram, como isso é legal?”

“Eles estão vivos”, diz Graham, pai de Vlad, “nosso filho está morto”.

Vlad e seu gato favorito, chamado Korn

Crédito, Álbum de família

Legenda da foto, Vlad brincando com Korn, seu gato favorito

A investigação policial sobre a morte de Vlad, para determinar se algum crime foi cometido, está em andamento.

O site está sediado na América do Sul e hospedado em um servidor nos Estados Unidos. Com leis diferentes em países diferentes, o dano online é notoriamente difícil de ser policiado.

Dados do Instituto Nacional de Estatísticas britânico (ONS, na sigla em inglês) mostram que os suicídios na Inglaterra e no País de Gales aumentaram em 10% nos últimos seis anos. Embora ainda seja raro que menores de 25 anos se matem por envenenamento, o número de jovens que optam por acabar com suas vidas desta forma está aumentando mais rápido do que o de pessoas mais velhas.

“O suicídio devasta as famílias. Encorajar intencionalmente o suicídio ou a automutilação grave de outra pessoa é ilegal”, declarou um porta-voz do governo.

“Quando a Lei de Segurança Online for totalmente implementada, as plataformas vão ter que remover esse conteúdo ilegal sobre suicídio e automutilação, além de impedir que as crianças vejam material prejudicial relacionado a suicídio — mesmo quando estiver abaixo do limiar criminal.”

“As empresas não devem esperar que as leis entrem em vigor — elas precisam tomar medidas eficazes para proteger todos os usuários agora.”

Julie Bentley, CEO da Samaritans, afirma que os apelos da instituição beneficente para que sites menores sejam tratados com a mesma severidade que plataformas maiores foram “completamente ignorados”.

“O conteúdo legal, mas prejudicial, precisa ser estritamente regulamentado tanto para adultos quanto para crianças”, diz ela, pedindo ao governo e ao Ofcom, órgão regulador britânico de mídia, que tomem uma atitude “antes que seja tarde demais”.

O Ofcom disse à BBC que, a partir de julho, os sites vão ter “o dever de proteger as crianças de conteúdos prejudiciais sobre automutilação e suicídio, mesmo que não sejam ilegais”.

“Quando esses deveres entrarem em vigor, vamos ser capazes de usar toda a extensão de nossos poderes de aplicação da lei contra qualquer serviço que não cumpra seus deveres”, acrescentou.

* O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br.

Reportagem adicional do jornalista de dados Jonathan Fagg.

[Fonte Original]

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