- Author, Laura Bicker
- Role, Correspondente na China
Canadá e México reagiram de maneira imediata e mais contundente que a China ao anúncio de aumento de tarifas a seus produtos pelo presidente americano, Donald Trump.
O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau disse que seu país “não iria recuar” ao anunciar uma taxa de 25% sobre US$ 155 bilhões em produtos americanos. E a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, havia anunciado tarifas no mesmo patamar a produtos americanos.
Os dois acabaram negociando com Trump e prometendo reforçar suas fronteiras com os EUA em troca de uma pausa de 30 dias sobre a elevação das tarifas.
Pequim, no entanto, conteve seu fogo até esta terça (04), quando anunciou tarifas de 15% sobre carvão e gás natural americano. E de 10% obre óleo cru e veículos como maquinário de agricultura e caminhonetes. A China ainda anunciou uma investigação anti-monopólio do Google. E incluiu algumas empresas americanas, como a Calvin Klein, na sua lista de entidades não confiáveis.
Desde o primeiro mandato de Trump, quando ele impôs também uma série de tarifas sobre produtos chineses, que o governo chinês busca diversificar ainda mais parcerias comerciais.
A economia chinesa atualmente não é tão dependente dos EUA como era naquela época. Pequim fortaleceu seus acordos comerciais na África, América do Sul e Sudeste Asiático. Agora é o maior parceiro comercial de mais de 120 países.
Os 10% adicionais podem não oferecer a alavancagem que Trump quer, diz Chong Ja Ian do centro de estudos Carnegie China.
“A China vai pensar que provavelmente pode suportar 10% — portanto, acho que Pequim está se mantendo calma. Porque se não for um grande problema, não há razão para começar uma briga com o governo Trump, a menos que haja um benefício real para Pequim.”
Oportunidade para a China?
Trump está semeando divisão em seu próprio quintal, ameaçando atingir até mesmo a União Europeia (UE) com tarifas — tudo em sua primeira semana de governo. Suas ações podem fazer com que outros aliados dos EUA se perguntem o que os espera.
Em contraste, a China vai querer parecer um parceiro comercial global calmo, estável e talvez mais atraente.
“A política de Trump, de colocar a América em primeiro lugar, trará desafios e ameaças a quase todos os países do mundo”, diz Yun Sun, diretor do programa China no centro de pesquisas Stimson Centre.
“Da perspectiva da competição estratégica EUA-China, uma deterioração da liderança e credibilidade dos EUA beneficiará a China. É improvável que isso se torne bom para a China no nível bilateral, mas Pequim certamente tentará fazer uma limonada.”
Como líder da segunda maior economia do mundo, Xi não escondeu sua ambição de que a China lidere uma ordem mundial alternativa.
Desde o fim da pandemia de covid, ele viajou muito e apoiou grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial, e tratados como os acordos climáticos de Paris.
A mídia estatal chinesa retratou isso como uma forma de abraçar países em todo o mundo e aprofundar os laços diplomáticos.
Antes disso, quando Trump interrompeu o financiamento dos EUA para a OMS em 2020, a China prometeu fundos adicionais. Agora, são altas as expectativas de que Pequim poderá intervir para preencher o vácuo dos EUA novamente, após a saída de Washington da OMS.
O mesmo se aplica ao congelamento da ajuda que está causando tanto caos em países e organizações que há muito dependem do financiamento dos EUA: a China pode querer preencher a lacuna, apesar de uma crise econômica.
Em seu primeiro dia de volta ao cargo, Trump congelou toda a assistência estrangeira fornecida pelos EUA, que é de longe o maior doador de ajuda do mundo.
Centenas de programas de ajuda estrangeira entregues pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) foram paralisados. Alguns já recomeçaram, mas os contratantes de ajuda descrevem o caos contínuo enquanto o futuro da agência está em jogo.
John Delury, historiador da China moderna e professor da Universidade Yonsei em Seul, diz que a doutrina “América Primeiro” de Trump pode enfraquecer ainda mais a posição de Washington como líder global.
“A combinação de tarifas sobre os principais parceiros comerciais e o congelamento da assistência estrangeira envia uma mensagem ao Sul Global e à OCDE de que os EUA não estão interessados em parcerias e colaborações internacionais”, ele diz à BBC News.
“A mensagem consistente do presidente Xi de globalização ‘ganha-ganha’ assume um significado totalmente novo à medida que a América se afasta do mundo.”
Em sua tentativa de governança global, Pequim tem buscado uma chance de derrubar a ordem mundial liderada pelos americanos dos últimos 50 anos — e a incerteza do Trump 2.0 pode muito bem ser isso.
Novas alianças
“Se isso realmente confere a Pequim uma vantagem fundamental, eu não tenho certeza”, diz Chong.
“Muitos aliados e parceiros dos EUA, especialmente no Pacífico, têm um motivo para trabalhar com Pequim, mas também têm motivos para serem cautelosos. É por isso que vimos Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Austrália se aproximarem, em parte por causa das apreensões que nutrem em relação à China.”
Há um “ímpeto crescente” para um possível relacionamento trilateral entre Austrália, Japão e Coreia do Sul, motivado pelo “impacto de uma segunda administração Trump”, de acordo com o Instituto Australiano de Assuntos Internacionais.
Todos os três estão preocupados com a assertividade da China com as Filipinas no Mar da China Meridional. Eles também estão preocupados com uma possível guerra pela ilha autônoma de Taiwan. Pequim a vê como uma província separatista que, eventualmente, fará parte do país, e não descartou o uso da força para conseguir isso.
Taiwan tem sido há muito tempo uma das questões mais controversas nas relações EUA-China, com Pequim condenando qualquer apoio percebido de Washington a Taipei.
Mas pode ser difícil para Washington reagir aos sinais de agressão chinesa quando Trump ameaça repetidamente anexar o Canadá ou comprar a Groenlândia.
A maioria dos países da região usou uma aliança militar com Washington para equilibrar seu relacionamento econômico com a China.
Mas agora, cautelosos com Pequim e usurpação dos EUA, eles podem criar novas alianças asiáticas, sem nenhuma das maiores potências do mundo.
Calma antes da tempestade
Trump anunciou as tarifas no fim de semana, enquanto as famílias chinesas celebravam o Ano Novo e convidavam o Deus da Fortuna para suas casas.
Lanternas vermelhas brilhantes balançam atualmente sobre as ruas vazias de Pequim, já que a maioria dos trabalhadores foi para suas cidades de origem durante o maior feriado do ano.
A resposta da China tem sido muito mais silenciosa do que a do Canadá ou do México. O Ministério do Comércio anunciou planos de tomar medidas legais e usar a Organização Mundial do Comércio para expressar suas queixas.
Mas isso representa pouca ameaça a Washington. O sistema de solução de controvérsias da OMC está efetivamente fechado desde 2019, quando Donald Trump — em seu primeiro mandato — bloqueou a nomeação de juízes para lidar com apelações.
À medida que o feriado chega ao fim e os funcionários do partido comunista retornam a Pequim e ao trabalho, eles têm decisões a tomar.
Os funcionários foram encorajados nas últimas semanas por sinais de que o governo Trump pode querer manter o relacionamento estável, especialmente depois que os dois líderes tiveram o que Trump chamou de “um ótimo telefonema” no mês passado.
Por enquanto, a China está se mantendo calma, talvez na esperança de fechar um acordo com Washington para evitar mais tarifas e impedir que o relacionamento entre as duas maiores economias do mundo saia do controle.
Mas alguns acreditam que isso não pode durar, pois tanto republicanos quanto democratas passaram a ver a China como a maior ameaça econômica e de política externa do país.
“A imprevisibilidade de Trump, sua impulsividade e imprudência levarão inevitavelmente a choques significativos no relacionamento bilateral”, diz Wu Xinbo, professor e diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan.
“Além disso, sua equipe contém alguns falcões, até mesmo falcões extremos sobre a China. É inevitável que o relacionamento bilateral enfrente sérias interrupções nos próximos quatro anos.”
A China certamente está preocupada com seu relacionamento com os EUA e com os danos que uma guerra comercial pode causar à sua economia em desaceleração.
Mas também estará procurando maneiras de usar o pêndulo político atual para balançar a comunidade internacional em seu caminho e dentro de sua esfera de influência.