Um galpão abandonado de armazenamento de pólvora se projeta de um pequeno monte de terra no que hoje é uma reserva natural na Irlanda do Norte. É o lugar perfeito para uma aranha: semi-subterrâneo, fresco e escuro. Mas, em 2021, uma equipe trabalhando em um programa de natureza da BBC encontrou mais do que um aracnídeo comum espreitando lá. Eles avistaram uma aranha morta com um fungo branco saindo de seu corpo.
O fungo, anunciaram cientistas em um artigo publicado no mês passado no periódico Fungal Systematics and Evolution, é uma espécie recém-descoberta que espalha seus esporos sequestrando uma aranha e transformando o azarado aracnídeo em um zumbi. Essa estratégia evolutiva se tornou famosa pelo fungo formiga zumbi Ophiocordyceps, que inspirou o jogo de videogame e o programa da HBO “The Last of Us”. Essa versão de aranha, porém, é apenas remotamente relacionada a esse fungo.
Voluntários no Castle Espie Wetland Centre, perto de Belfast, estavam auxiliando os cineastas da BBC quando notaram a aranha infectada. Fotos do espécime chegaram até Harry Evans, um membro emérito da CAB International, uma organização sem fins lucrativos com foco em pesquisa agrícola e ambiental.
“Eu postulei que era uma espécie desconhecida ou incomum e solicitei o espécime assim que a filmagem terminou”, disse Evans, um autor do artigo.
Quando o programa da BBC foi ao ar, Tim Fogg, um explorador de cavernas, entrou em contato com Evans para dizer que havia observado um fungo semelhante em cavernas irlandesas. Cada uma das cinco aranhas infectadas que Fogg coletou estava engolfada por um pequeno e emaranhado de fungos.
João Araújo, um autor do artigo e curador de micologia no Museu de História Natural da Dinamarca, disse que ele e seus colegas acreditam que, quando um esporo pousa em uma aranha, o fungo brota uma estrutura semelhante a uma raiz chamada tubo germinativo que perfura o exoesqueleto do aracnídeo. Uma vez lá dentro, o fungo brota e se multiplica, explica Araújo, “tomando conta basicamente de quase todo o corpo da aranha”.
Assim como sua contraparte na reserva de Belfast, as aranhas observadas por Fogg rastejaram para fora, ao ar livre, perto das entradas da caverna, antes de morrer. Esse posicionamento ajuda a agenda parasitária do fungo: capturar correntes de ar para espalhar seus esporos da forma mais eficiente possível, disse Araújo.
Evans propôs nomear o fungo Gibellula attenboroughii, em homenagem ao naturalista e apresentador Sir David Attenborough, que desempenhou um papel importante no sucesso da Unidade de História Natural da BBC Studios e, assim, indiretamente, ajudou a levar à descoberta da nova espécie de fungo.
Charissa de Bekker, ecologista molecular da Universidade de Utrecht, na Holanda, que não estava envolvida no estudo, disse que se inspirou para estudar fungos zumbis na série “Planeta Terra” de Attenborough, e que nomear esta espécie foi “uma grande homenagem”, especialmente porque revelou algo importante sobre os aracnídeos e o mundo que eles habitam.
“Aranhas são criaturas muito incompreendidas”, disse Bekker. “Elas são predadoras e estão sendo predadas, então são elementos-chave nas teias alimentares. Entender quais parasitas elas pegam e quais infecções elas pegam pode nos dar uma melhor compreensão desses ecossistemas.”
Araújo disse que é importante aprender “quem são esses fungos, quais insetos e artrópodes eles infectam, como evoluem, de onde vêm”. Os fungos zumbis podem ajudar a controlar pragas agrícolas, disse ele, e um produto químico produzido por um parente do Ophiocordyceps já é usado em medicamentos para prevenir a rejeição de órgãos em pacientes transplantados.
“Esses são os químicos da natureza e a única fonte de novos antibióticos e outros medicamentos para o futuro”, disse Evans. “Precisamos encontrar maneiras de identificá-los antes que mais ecossistemas naturais desapareçam junto com os fungos.”