“E vou à-toa
No ar meu que voa,
Que importa?”
(Paul-Marie Verlaine
na tradução de Guilherme de Almeida)
Encerra-se neste domingo, dia 30, no Ágora Teatro, a temporada de O antipássaro, uma criação cênica que converte a brevidade de sua duração na intensidade de um acontecimento. Como queria a poesia de Orides Fontela, essa poeta maior surgida na literatura brasileira na segunda metade do século 20. Uma poeta tão vasta quanto desconhecida, disposta a captar por meio de versos quase sempre fascinantemente econômicos o ser e o tempo da poesia.
Misto de espetáculo e de recital lírico-musical, O antipássaro tem roteiro, direção, luz e cenário de Elias Andreato, atuação de Nilton Bicudo e trilha sonora instrumental de Jonatan Harold, executada ao vivo pela pianista Daniela Tozi Casteline. Um dos principais objetivos da empreitada é dar a conhecer ao público a vida e a obra de uma escritora para quem os confortos da vida material pouco sorriram. Obra essa genuína, ímpar e inquieta que tem recebido por corolário o silêncio e a indiferença. Como sói acontecer com todos aqueles que insistem trilhar o caminho oposto ao da popularidade aduladora. Ocorre que, tomando por base uma bem-vinda simplicidade de recursos cênicos, o espetáculo ultrapassa aquela finalidade inicial. É bom conhecer alguns traços biográficos de uma mulher meio rosiana, “com tanta aspereza da vida”, cuja obra foi saudada muito cedo por nomes de peso da crítica brasileira como Antonio Candido e Davi Arrigucci Jr., mas é igualmente prazeroso para o espectador poder usufruir da obra poética de Orides Fontela no corpo a corpo com a vida que somente o teatro é capaz de proporcionar.
Os quatro criadores do espetáculo souberam muitíssimo bem dar materialidade a essa literatura em que a palavra não diz mais porque não pode, não quer e não precisa mais dizer. Naturalmente, o destaque fica com Nilton Bicudo, que se reveza com muita segurança nos papéis da mulher ranzinza – beirando o cômico – e da poeta lúcida, de cuja boca saem versos secos e cortantes. Como o intérprete seguro que é, Nilton também amadurece aqueles 50 minutos tão especiais. Mas é impossível não destacar a direção de Elias Andreato, parceira da poesia em seu sentido mais primitivamente grego, o de fabricação. De uma cena que alinhava sons e sentidos. A música de Jonatan Harold, executada por Daniela Tozi Casteline, priva de uma beleza austera, ora acompanhando a palavra poética, ora a envolvendo na solidão do não dizer.
Vale a ida ao Ágora Teatro como um exercício de cidadania linguística, cultural e literária. Nunca é tarde para conhecer uma obra que desde 1965, quando veio a lume pela primeira vez, vem promovendo pequenas implosões. Seja na sintaxe do português brasileiro. Seja na métrica, ávida por prosear um pouco. Seja ainda na gramática de nossas tradições.
O ANTIPÁSSARO
Até 30 de março
Sábados, às 20h; domingos, às 19h
Ágora Teatro
Rua Rui Barbosa, 664 – Bixiga – São Paulo (SP)
Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Ingressos: R$ 80
Welington Andrade é bacharel em Artes Cênicas pela Uni-Rio, mestre e doutor em Literatura Brasileira pela USP e professor da Faculdade Cásper Líbero.