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quinta-feira, abril 24, 2025

Crítica | Saga – Volume Doze – Plano Crítico

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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes.

Em seu 12º volume, que cobre algo como dois terços da história conforme planejada por Brian K. Vaughan, Saga continua mostrando impressionante consistência narrativa e cada vez mais profundamente fincando sua bandeira de uma das melhores óperas espaciais em quadrinhos. Com uma estrutura de “temporadas” anuais compostas por seis edições cada desde que a publicação retornou de seu longo hiato de três anos, Vaughan ao lado da artista Fiona Staples e do letrista Fonografiks, vem soltando capítulos temáticos agora mais do que nunca focados em Hazel, que sempre foi a narradora a partir de um futuro que ainda não sabemos quantos anos para a frente, mas que somente nas últimas edições vêm, em razão de ter alcançado uma idade própria, que permite que ela seja amplamente utilizada como protagonista, tomando de assalto o foco da história.

Tematicamente, o Volume Doze é sobre como as pessoas processam perdas significativas e como essas perdas as afetam psicologicamente. Hazel, apesar de já ter 12 anos, é uma menina solitária fora de seu núcleo familiar imediato, composto por sua mãe Alana e por seu  irmão adotivo Squire. Sem amigos, sem com quem realmente dividir o que sente, o que quer e suas frustrações e alegrias, a jovem sente-se presa e prejudicada pela vida nômade que é forçada a viver dada sua natureza biológica híbrida em razão de seus pais serem de um planeta e uma lua há gerações em uma guerra que assola a galáxia. Mas é no “circo espacial itinerante” em que agora vive é que ela finalmente conhece Emesis, uma jovem órfã, guitarrista e meio punk da mesma espécie aracnídea de The Stalk, a mercenária e amante de O Querer já há muito falecida, imediatamente iniciando uma amizade próxima e enriquecedora para as duas, permitindo que a pré-adolescência de Hazel realmente desabroche. Hazel, vale dizer, parece-me, pelo menos no momento, a personagem mais bem resolvida da narrativa em termos psicológicos, ainda que, naturalmente, com os problemas inerentes de sua idade, mas sempre de bem com a vida e sabendo lidar com sua condição de híbrida fugitiva que perdeu o pai com um sorriso no rosto intercalado com momentos de fúria incontida típica.

No entanto, Alana, apesar de ser a segurança do circo, mantem-se distante de qualquer contato fora de sua família, em constante vigilância e desconfiando de tudo e de todos, o que torna sua amizade com o bartender Feld sempre hesitante e cuidadosa. Ela é, para todos os efeitos, uma viúva que mantém sua dor em cheque dedicando-se quase que completamente a seus filhos, mesmo que mantendo a cabeça no lugar para permitir que eles vivam suas próprias vidas da melhor forma possível. Quando ela percebe pelo que Squire passa, escondendo-se cada vez mais no equivalente desse universo das redes sociais com um capacete de realidade virtual, chegando inclusive a autoflagelar-se como resultado de uma terrível dúvida interior sobre quem ele é e que deve ser, o sofrimento de Alana é profundo, ainda que ela saiba manter a calma, dar bons conselhos e, mais do que isso, reconhecer que o garoto precisa de ajuda profissional, algo que passa a ser um fio narrativo importante nesse arco.

O Querer, Gwendolin e Petrichor também ganham destaque no arco, com suas narrativas profundamente afetadas pela morte de Sophie. Enquanto Petrichor luta consigo mesmo para racionalizar o que ocorreu como uma forma de se vingar de O Querer, ela sabe o que fez e sente profundamente por isso, desejando ativamente retornar para a prisão de onde saiu como uma maneira de se punir. Já O Querer e Gwendolin fogem para as drogas, permanecendo constantemente em um torpor de êxtase e felicidade e, claro, destruindo-se no processo. Podemos até considerar a dupla de amantes como vilã, mas é impossível não sentir por elas, por sua perda e pelo destino que eles acabam escolhendo para si, algo infelizmente muito comum em nossa realidade.

Falando em nossa realidade, Saga é, claro, a transposição para um universo fantástico de aspectos de nosso cotidiano, como toda boa ficção científica procura ser. E isso é muito relevante, pois, apesar de a guerra entre lua e planeta estar sempre presente na narrativa, sua existência é como pano de fundo que afeta a história de maneira indireta, como são os espiões enviados atrás de Alana e sua família e a tentativa da Condessa Robô de encontrar Gwendolin de forma a continuar as negociações em que ela estava envolvida. O que quero dizer com isso é que o verdadeiro valor da criação de Vaughan e Staples repousa na forma como seus personagens muito humanos – mesmo não sendo humanos, tecnicamente – respondem às situações que são postas a eles e essas respostas não envolvem sacar uma arma e sair atirando por aí como fomos programados a esperar do gênero. Aliás, ação propriamente dita é algo raro de se ver em Saga e mais raro ainda aqui neste Volume Doze, muito mais focado em abordagem psicológicas do que qualquer outra coisa.

E isso é tão bacana que eu confesso que meu comentário amplo de cunho negativo em minha crítica do volume anterior, na linha de que os núcleos de personagens estão dispersos e estanques demais não é algo que eu continue sentindo. Na verdade, ao contrário, agora eu acho que esses núcleos precisam ser realmente separados para que eles possam ganhar o tipo de desenvolvimento que os vários personagens memoráveis merecem. Além disso, dada a imensidão do universo criado, seria inverossímil demais que esses grupos de personagens sempre se esbarrassem, mesmo que um esteja caçando o outro. Há que haver espaço de manobra para Vaughan e Staples criarem e é justamente isso que eles estão se dando aqui até o momento em que, de uma forma ou de outra, pelo menos algum tipo de convergência, nem que seja parcial, deverá ocorrer (ou não). Sem isso, o foco seria em ação e, com ação, a pegada psicológica não ganharia o destaque que precisa ter.

Claro, há ação no arco sob análise, mas ela é muito mais de bastidores, comendo pelas beiradas, com apenas a última edição trazendo uma novidade bombástica sobre uma mudança radical nas alianças da guerra, mudança essa já cantada antes e que é finalmente materializada aqui para prováveis efeitos de larga escala que reverberarão nos próximos volumes, inclusive potencialmente redistribuindo as peças no tabuleiro. Trata-se, diria, da primeira vez que a política da guerra é abordada nessa escala em Saga, algo que a dupla criativa brilhantemente usa para entregar ao leitor “fotografias” de momento de cada um dos núcleos, resgatando até mesmo Bombazine, que ficou lá atrás no Volume Dez, além de Ghüs e Upsher, claro. E, com mais um arco completo, o ambicioso projeto de Briank K. Vaughan, Fiona Staples e Fonografiks continua firme e forte, trabalhando com qualidade seus personagens clássicos, introduzindo novos e enredando-os em uma trama que se sustenta por sua profunda humanidade mesmo quando lida com as atrocidades da guerra.

Saga – Volume Doze (Saga – Volume Twelve – EUA, 2024/25)
Contendo:
 Saga #67 a 72
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Fiona Staples
Letras: Fonografiks
Editora (nos EUA): Image Comics
Datas originais de publicação: 31 de julho, 28 de agosto, 25 de setembro e 06 de novembro de 2024; 1º de janeiro e 19 de março de 2025
Editora (no Brasil): Editora Devir (provavelmente)
Data de publicação no Brasil: não publicado na data de lançamento da presente crítica
Páginas: 160



[Fonte Original]

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