A moda é um fenômeno que vai muito além da simples escolha de roupas ou acessórios. Olhando de maneira mais abrangente e, por isso, mais complexa, ela se torna um meio de expressão social e pessoal, refletindo não apenas o estilo individual, mas também influências culturais, políticas e econômicas. Ao longo da história da humanidade, a moda acompanhou mudanças significativas na sociedade, servindo como um espelho que revela as transformações nas normas e valores de cada época. Em Katy Keene, série derivada de Riverdale, esse meio nos é apresentado como espaço de expressão pessoal, social, político e cultural. No plano pessoal, a moda permite que os indivíduos expressem sua identidade e suas emoções. Por meio da seleção de peças, cores e estilos, as pessoas comunicam quem nós somos. Também, como nos sentimos e até mesmo o que aspiramos ser. Essa expressão é particularmente importante em uma sociedade onde a aparência muitas vezes é associada ao sucesso e à aceitação social. Além da expressão pessoal, a moda também possui um forte componente social.
Mas como é isso? Simples. A moda pode funcionar como um símbolo de status, pertencimento ou rebeldia. As tendências de moda são frequentemente influenciadas por grupos sociais e subculturas. O uso de determinadas marcas ou estilos pode sinalizar a adesão a uma comunidade específica, enquanto, por outro lado, a escolha por um visual alternativo pode representar uma forma de resistência às normas estabelecidas. Um exemplo claro disso são as campanhas de moda inclusiva, que buscam promover a diversidade de corpos, etnias e gêneros. Marcas que adotam uma abordagem mais inclusiva, oferecendo roupas para diferentes tipos físicos e representando modelos de diversas origens, quebram estereótipos e ajudam a construir uma sociedade mais justa e representativa. Assim, a moda passa a ser um espaço de debate sobre questões sociais e culturais, incentivando uma reflexão crítica sobre os padrões impostos pela sociedade. Ao longo dos 13 episódios de Katy Keene, acompanhamos esses tópicos, debatidos em meio aos dilemas dos quatro principais personagens, criados para o audiovisual por Michael Grassi e Robert Aguirre-Sacasa, inspirados na versão em HQ homônima.
Inicialmente monótona e aparentemente pueril, a narrativa seriada não me conquistou logo de cara, ganhando notoriedade quando estava mais próxima ao final, algo que já considero tarde demais, pois se um programa em formato de série não nos ganha de imediato, dificilmente um espectador continuará dando segmento ao processo de entretenimento. Com direção de fotografia assinada por Brendan Uegama e design de produção de Teresa Mastropierro, Katy Keene é visualmente deslumbrante, com uma perspectiva contemporânea, mas com elementos estéticos mistos, que lembram bastante a escolha dos realizadores de Moulin Rouge: Amor em Vermelho, no que tange ao mesclar de estilos de época. Mas, como a produção não se torna notória apenas pelo visual, devo dizer que faltou um roteiro mais coeso, uma ousadia maior no desenvolvimento dos personagens, talvez, um uso mais eficiente dos clichês que nós todos geralmente amamos, mas nos distanciamos quando não são devidamente manipulados.
A série chegou até o meu acervo na pesquisa sobre o legado e o impacto cultural de Sex and The City. De todas as produções conferidas, ressalto que essa é a que mais se distancia, mas que ainda assim, possui muitas similaridades. As descobertas sexuais das personagens lembram bastante a jornada das protagonistas do fenômeno da HBO no final dos anos 1990. O fato de ser um quarteto que tem nos encontros, uma espécie de ritual para desabafo de questões pessoais e profissionais também carrega muitas similaridades. No caso de Katy Keene, a narrativa segue um caminho próprio, sem ser necessariamente uma série tributária do programa criado por Darren Star, realizador inspirado nas aventuras do livro homônimo de Candace Bushnell. Mas, possui muitas conexões se analisada numa perspectiva comparada. A moda, exaltada por aqui, pelos figurinos assinados por Jennifer Rogien, também se delineiam como elemento de aproximação.
Com números musicais que reverenciam a cultura pop e edição que enfatiza o potencial da linguagem do videoclipe para atrair as plateias jovens, Katy Keene tem como protagonista, a jovem que nomeia a série, interpretada por Lucy Hale. Assim, a trama gira em torno de Katy Keene, que sonha em ser uma designer de moda. Os outros personagens principais incluem Josie McCoy (Ashleigh Murray), Ginger Lopez (Jonny Beauchamp) e Pepper Smith (Julia Chan), cada um com suas aspirações e desafios individuais, formando uma rede de apoio mútua. Ambientada em Nova York, a produção captura o tom vibrante e dinâmico da metrópole que nunca dorme. Essa ambientação, por sinal, é essencial para o desenvolvimento da narrativa, mostrando o contraste entre sonhos e a dura realidade da vida de um artista. Dentre os principais temas de Katy Keene, temos a ênfase na força e na determinação das mulheres, com Katy e suas amigas lutando por seus sonhos em um ambiente competitivo. Ao longo dos episódios, temos abordados temas em torno da sororidade e do apoio entre os personagens, destacando a importância de se ajudar mutuamente, tendo em vista lidar com os desafios, que não são poucos, em seus respectivos cotidianos.
Ademais, a série não hesita em mostrar as dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam sucesso nas artes e na moda. Katy enfrenta obstáculos no desenvolvimento de sua carreira, desde competição até a necessidade de equilibrar sua vida pessoal com suas ambições profissionais. A narrativa também é um exemplo de representação diversificada na televisão, pois nos apresenta personagens LGBTQIAPN+, como Ginger Lopez, e explora suas histórias e lutas, promovendo uma visão inclusiva da sociedade contemporânea, tratando também da temática “drag” sem entrar no processo caricatural. É uma jornada bonita de se contemplar. Os relacionamentos são uma parte fundamental da narrativa, tanto românticos quanto platônicos. A conexão entre Katy e suas amigas, bem como os romances e desilusões que elas enfrentam, trazem um elemento emocional para a nossa empatia e catarse, mesmo que a fragilidade de algumas linhas de diálogos e escolhas dentro dos arcos dos personagens atrapalhe uma fluidez mais significativa para o programa baseado em histórias da Archie Comics.
É, em linhas gerais, uma série com boas intenções, mas sem a coesão necessária para lhe permitir continuidade.
Katy Keene: A Série Completa (Idem/Estados Unidos, 2020)
Criação: Roberto Aguirre-Sacasa, Michael Grassi
Direção: Maggie Kiley, Pamela Romanowsky, Harry Jierjian, Charles Randolph-Wright, Jessica Lowrey
Roteiro: Evelyn Yves, Roberto Aguirre-Sacasa, Michael Grassi, Mia Katherine Iverson, Davia Carter
Elenco: Lucy Hale, Ashleigh Murray, Jonny Beauchamp, Julia Chan, Katherine LaNasa, Zane Holtz, Lucien Laviscount
Duração: 13 episódios (42 min. cada)